A experiência pioneira de Caxias do Sul e Bento Gonçalves em ações de pacificação nas escolas chamou atenção do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Nesta quinta-feira (11), chega ao Estado uma comitiva do PNUD e do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para conhecer a metodologia da Justiça Restaurativa (JR) e como o trabalho vem impactando no cotidiano das comunidades. A ideia é ter subsídios para estruturar uma mobilização contra a violência juvenil em todo o território nacional.
Em Bento Gonçalves, haverá uma apresentação do projeto Pacificação nas Escolas. A ação é desenvolvida em comunidades escolares de Bento Gonçalves e região pelo Ministério Público (MP) com apoio do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e parceria da Escola da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). A atividade ocorre às 9h desta sexta-feira (12) na sede do MP da cidade. Em Caxias, a aplicação da JR nas escolas e o programa Caxias da Paz nortearão um encontro no salão nobre da prefeitura, previsto para as 14h30min do mesmo dia.
Segundo Moema Freire, coordenadora da Unidade de Paz e Governança do PNUD, o objetivo é conhecer experiências do Rio Grande do Sul relacionadas à temática da promoção e proteção de direitos de crianças e adolescentes. Além da JR, a comitiva terá acesso a mais detalhes da Ficha do Aluno Infrequente (Ficai), instituída no Estado em 1997 para o controle das faltas e do abandono escolar de crianças e adolescentes. O trabalho desenvolvido por meio da Ficai será detalhado hoje em reunião na sede do MP em Porto Alegre.
Conforme Moema, o PNUD foi parceiro de instituições no momento de concepção dos programas e tem interesse em saber mais detalhes sobre o processo de fortalecimento e expansão das ações, assim como os resultados obtidos com as boas práticas e lições.
— Estamos nesse momento, em parceria com a Secretaria dos Direitos da Criança e do Adolescente, estruturando o plano de trabalho para um projeto de fortalecimento de metodologias voltadas à redução da violência contra crianças e adolescentes no país. Conhecer as experiências e boas práticas no Rio Grande do Sul será importante para organizar as metodologias do projeto e, possivelmente, estudar a sua expansão para outras localidades — adianta Moema.
Além de Moema, a visita terá a presença de Floriano Pesaro, consultor do PNUD, Washington de Sá e Clayton Bezera da Silva, diretores da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Os promotores Élcio Resmini Meneses, de Bento Gonçalves, e Simone Martini, de Caxias do Sul, recepcionarão a comitiva na Capital.
"Há um alívio", conta estudante
A Escola Estadual Érico Verissimo, no bairro São Ciro, em Caxias, é citada como um dos bons exemplos de pacificação restaurativa. O conceito vem sendo difundido entre parte dos 630 alunos dos ensinos Fundamental e Médio e um dos focos é lidar com a indisciplina. Atualmente, cerca de 200 alunos participam dos chamados círculos restaurativos, onde turmas sentam frente a frente para escutar, falar e chegar a um consenso. A meta é trabalhar principalmente com alunos dos anos finais do Ensino Fundamental.
— Se ocorre uma briga e se tem a conversa depois, há um alívio. O combinado é que temos que escutar o que o outro tem a dizer e tudo o que dizemos fica no círculo. Melhorou bastante a nossa rotina e eu aprendi a me expressar melhor — conta Ágata Oliveira, 13 anos, estudante do 7º ano.
Outra ponta envolve a saúde mental. Com isso, a escola e os alunos trabalham conjuntamente a prevenção da violência física e verbal.
— Os alunos falam muito da realidade deles e isso faz com que os colegas se coloquem no lugar do próximo, gerando empatia. A própria turma acaba pedindo para seja feito um círculo na tentativa de resolver situações — exemplifica Fernanda Toss, vice-diretora do turno da noite e coordenadora pedagógica.
Os resultados de pacificação podem ser medidos por números. Em 2017, 25 casos de indisciplina foram comunicados pela escola. Em 2018, o número baixou para três. Em relação ao bullying, a escola registrou 32 ocorrências em 2017 e apenas oito no ano passado, segundo Marivane Carvalho, coordenadora da Comissão de Paz da 4ª Coordenaria Regional da Educação (4ª CRE).
— A indisciplina é o primeiro fator que caiu com essas ações — atesta a educadora.
O QUE CHAMOU A ATENÇÃO DA ONU
Em Caxias do Sul
O envolvimento da cidade com os conceitos da JR já vem de tempos. Sob o incentivo do juiz Leoberto Brancher, o município se organizou e criou o Programa Caxias da Paz em 2014, sendo a primeira iniciativa de pacificação sob a forma de uma lei no Brasil. Dentro desse contexto, surgiram ações em diversas frentes, com a formação de pelo menos mil voluntários da paz e a criação de núcleos de pacificação. Um dos movimentos mais importantes é o que envolve a Secretaria Municipal da Educação (Smed).
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O projeto de Práticas e Abordagens Restaurativas ou Transformativas é estendido para 33,5 mil estudantes de 81 escolas da rede municipal por meio da equipe REconexão. As solicitações de atendimentos seguem um fluxo entre a escola requerente e a gerência do setor pedagógico da pasta, que, após analisar cada situação, encaminha para o grupo de trabalho competente. Como o cenário abrange realidades bastante distintas, são oferecidos trabalhos para a prevenção e para a resolução de conflitos e prevenir a evasão escolar.
— As relações se transformam e os ambientes tornam-se mais agradáveis quando o ser humano se dá conta de que é impactado pelo outro — diz Alexandre Ferronato, assessor pedagógico da Smed e facilitador da Reconexão.
Em Bento Gonçalves e região
O projeto Pacificação nas Escolas foi lançado em 2017 em Bento Gonçalves e cidades próximas como Garibaldi e Veranópolis. O fio condutor é a formação de professores e servidores da educação para que atuem como facilitadores da construção da paz nas escolas da rede municipal e estadual. Já foram formadas 250 pessoas com apoio da Ajuris nos municípios de abrangência das comarcas de Bento, Carlos Barbosa, Garibaldi, Nova Prata e Veranópolis. Recentemente, o projeto foi apresentado para todas as 48 cidades que integram a Promotoria Regional da Educação, com exceção de Caxias do Sul. Somente em 2018, os círculos de paz alcançaram 9,3 mil pessoas.
— Cada município se organiza para formar um grupo de 25 pessoas. Com isso, se atua dentro das escolas para prevenir a violência ou até mesmo fazer intervenções — diz o promotor Élcio Resmini Meneses, coordenador regional do projeto.