Abril Laranja é o mês dedicado a combater os maus-tratos aos animais. Criada pela Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra os Animais (ASPCA), a campanha ganha adesão nas redes sociais, onde circulam fotos de um laço laranja em apoio à causa.
Em Caxias do Sul, 61 casos foram notificados neste mês. Desses, em quatro ocorrências, os proprietários assinaram termos circunstanciados e comparecerão à audiência no Fórum para responder pelo crime. O Pioneiro acompanhou o Departamento de Bem-Estar Animal da prefeitura durante fiscalizações no último dia 25 para mostrar como o poder público trabalha em denúncias de maus-tratos.
Para quem atua na proteção, as políticas públicas são insuficientes, mas ainda mais grave é a irresponsabilidade e o descaso dos donos. As denúncias e pedidos de ajuda são diários e os casos cada vez mais graves: bichos abandonados, sem água e comida, em condições precárias de higiene, mutilados ou doentes. O aumento pode ser explicado pela falta de castração e pela quantidade de animais adotados ou recolhidos por quem não têm condições de mantê-los.
A maior cobrança de protetores independentes e ONGs da proteção animal é uma legislação mais rígida, que seja cumprida, para que os infratores não fiquem impunes. Um projeto de lei, de autoria do município, que cria o Código de Proteção dos Animais chegou à Câmara de Vereadores no dia 2 deste mês.
Se virar lei, prevê multa e a dupla penalização do infrator, porque além da área penal que já existe, possibilita que a pena seja cumprida com serviço comunitário, o autor irá responder administrativamente e a multa não poderá ser revertida.
Punições mais severas
A presidente da Proteção Animal Caxias (PAC), que também atua no Departamento de Bem-Estar Animal da prefeitura, Catia Giesch, afirma que a lei pode mudar a mentalidade dos tutores.
— O proprietário irá responder pelo crime de maus tratos e será multado. Hoje, com a opção de serviço comunitário, os tutores acabam cometendo novas infrações. Como terão que pagar a multa acredito que irão pensar duas vezes antes de cometer maus-tratos. Infelizmente o ser humano só funciona quando sente no bolso. Temos que mudar a longo prazo e isso passa pela punição mais severa os tutores.
Para a protetora Paula Terres, que atua há mais de 20 anos na causa, e é presidente da ONG Na Rua Nunca Mais, não basta apenas conscientizar, é preciso punir os tutores:
— Os casos de abandono e de animais atropelados, doentes e machucados aumenta a cada dia. Na maioria das vezes, esses bichos têm donos que não têm condições de cuidar ou sequer se importam em buscar ajuda para esses anjos. Ao recolher ou adotar, o dono se torna responsável por uma vida e não pode virar às costas às suas responsabilidades. A lei tem que ser mais rígida para que o abandono e os maus-tratos não fiquem impunes e não voltem a acontecer.
“São animais de difícil adoção”, diz protetora
Casos recentes em Caxias evidenciam que o acúmulo de animais é um problema de saúde pública. No último dia 14, um incêndio tirou a vida de pelo menos 13 cães num bairro de Caxias do Sul. O número pode ser maior já que havia ninhadas de filhotes na casa, passarinhos e porquinhos da índia. O caso é investigado como criminoso pela 3ª Delegacia de Polícia Civil. De acordo com o delegado Luciano Rigues, os agentes estão à espera da perícia e os vizinhos já foram intimados para depor sobre o incêndio. A dona dos animais se escondeu no banheiro quando as chamas começaram e não se feriu.
Em março deste ano, a Patrulha Ambiental (Patram) e a Semma averiguaram dois casos em que os tutores mantinham elevada quantidade de cães em locais impróprios. Em um apartamento, no Centro, 24 animais eram mantidos em confinamento. A proprietária foi considerada acumuladora e terá que responder à Justiça. Uma campanha de adoção foi lançada para que os bichos encontrem um lar. Doze ainda estão para a adoção.
Outro caso foi registrado em Galópolis, mas no local os animais não apresentavam lesões e, segundo a protetora Mary Oliveira, contam com uma área de mais de um mil metros quadrados e 300 metros de área coberta. Na República dos Idosos, ela abriga 76 animais e destaca que todos recebem atendimento veterinário a baixo custo, estão livres de correntes e são bem cuidados.
— Somos uma família e aqui não tem ninguém da família com problemas psicológicos.
Ela acrescenta que, em 15 anos atuando na proteção, a família ajudou muitos cães a encontrar um lar:
— Nossa república já diz tudo, a maioria são cães idosos, deficientes, e com sequelas da cinomose. São animais de difícil adoção, porque a maioria quer adotar cães bem pequenos e saudáveis. Eu não suporto ver cachorros velhos abandonados, pois quando começam a ter problemas de saúde logo são descartados.
A protetora acolheu ainda 12 cães que moravam na casa queimada em Altos de Galópolis. Quem quiser auxiliar com doações ou adotar um dos cães pode entrar em contato.
Ainda no início do ano, uma campanha de doação foi realizada para doar 27 animais deixados em uma casa em Ana Rech, quando a tutora dos bichos ficou doente e deixou Caxias para tratar da saúde. Este foi outro caso que evidenciou que o número alto de animais sob responsabilidade de uma mesma pessoa é uma alerta às autoridades.
“Não basta amar, é preciso tratar”
Tanto o poder público, quanto os protetores têm uma preocupação em comum: o acúmulo de animais. Cátia Giesch ressalta que basta passar pelas áreas mais pobres da cidade para encontrar animais, geralmente, em péssimas condições.
— O maior problema é a quantidade de animais com tutores que não tem a mínima condição de manter os bichos com consultas em dia, espaço e alimentação adequada. Os proprietários também se negam a castrar e o número de ninhadas e descarte aumenta porque a família escolhe o mais bonitinho e abandona os outros.
Se o projeto virar lei, informa, o número de animais será limitado: 20 por residência, desde que esteja comprovado que os donos podem manter os bichos.
— Temos que fiscalizar, orientar a castração, fazer campanhas de adoção e exigir que as pessoas não peguem se não podem mantê-los.
Para Paula, o acúmulo de animais é um dos maiores problemas e a mudança só é possível com fiscalização e posse responsável:
— Uma das frases mais usadas entre os protetores reflete a realidade da causa animal: amar não é suficiente, é preciso ter condições de cuidar, de tratar. Quem doa tem que tentar de todas as formas garantir para que seja um bom adotante. Acompanhar, monitorar, pedir notícias e fotos do animal que doou. Claro que a doação nunca é 100% garantida, mas em alguns casos sabemos que dizer não é a melhor opção.
A psicóloga Gislaine Weber acredita que o acúmulo de animais é uma compulsão, enquanto os maus tratos estão ligados ao sadismo:
— Muitas vezes, a pessoa procura preencher um espaço, uma dor pela perda de um ente querido. Quando são maltratados, geralmente seus donos descarregam sua perversidade, raiva e frustração por não ter o controle das coisas. Assim como maltratam pessoas também fazem maldade com os animais. Sadismo e crueldade.
Como atua a fiscalização
A reportagem acompanhou a equipe que atua na verificação de maus tratos em duas denúncias. No primeiro caso, quando a Semma chegou ao terreno no bairro Cidade Nova, cães e filhotes eram mantidos presos, sem comida e água e em péssimas condições de higiene. Ao serem alimentados comeram desesperadamente e demonstravam sinais de estresse e medo. O tutor foi chamado ao local e disparou:
— Sabe como diz o ditado, cão de caça tem que ser magro!
Como não tinha licença para caçar, justificou que emprestava os cães para caçadores. Argumentou que pagava um funcionário para alimentar os bichos e manter o espaço limpo e que levaria os animais para uma chácara. O homem foi orientado a providenciar a limpeza do local e dar comida e água na presença da equipe. Mais tarde, a Brigada Militar descobriu que havia um mandado de prisão, por falta de pagamento de pensão alimentícia, e o homem foi preso. Os cães foram recolhidos e encaminhados para o canil, onde foram atendidos e colocados para adoção. Na segunda denúncia, um cão com sinais de otite e alergia a pulga, estava em uma casa vazia. Apesar de o animal ter comida, água e abrigo, o proprietário foi notificado para prestar atendimento veterinário.
Como denunciar
Para fazer denúncias de maus-tratos, é necessário entrar no site da prefeitura (caxias.rs.gov.br). No canal "Denuncie Maus-Tratos", é possível encontrar formulários para registrar a denúncia. Após preencher os dados, é preciso enviar fotos que comprovem ou levantem a suspeita sobre os maus-tratos para o e-mail: bemestaranimalcaxias@gmail.com. A denúncia será averiguada e o tempo de atendimento varia conforme a demanda, podendo ser realizado no mesmo dia, durante a mesma semana ou quando for possível.
Em caso de urgência, como atropelamentos ou outras situações que coloquem a vida do bicho em risco, é possível ligar para o Departamento de Bem-Estar Animal e conversar com os veterinários para explicar a situação e solicitar ajuda. O atendimento é no horário comercial pelo telefone (54) 3901-1431. Não há plantão à noite ou finais de semana.