Mãe de um menino de seis anos, Tauana Sangalli de Mello, 22 anos, diz ter vivido quatro horas de dor e terror na madrugada da última quarta-feira. Dentro de um quarto no bairro Exposição, em Caxias do Sul, a mulher afirma ter sido espancada, xingada e humilhada pelo agente penitenciário Gustavo Oliver Santos Giongo, 38, logo após uma festa de Carnaval.
A história vem à tona justamente na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.
Gustavo e Tauana mantinham um relacionamento de pouco mais de um ano, se separaram no dia 10 de janeiro e reataram semanas depois. No início da madrugada da última quarta-feira, os dois se desentenderam e, segundo a vítima, o agente penitenciário teria iniciado a sessão de espancamento e a manteve em cárcere privado, situação que só terminou por volta das 4h. A jovem sofreu lesões no rosto, na cabeça e em várias parte do corpo após, segundo ela, levar pontapés, empurrões, socos, tapas e coronhadas com a pistola .380 que Gustavo portava para o trabalho como agente penitenciário e com registro na Polícia Federal.
As agressões não foram contínuas, segundo a vítima. Durante o período em que permaneceu no quarto, houve momentos de discussão intercalados pelas agressões. O crime ainda teve sequência na casa da mãe de Tauana, no bairro Kayser. A jovem diz ter sido mantida refém pelo suspeito, obrigada a ir até a moradia para buscar o filho, pois a intenção do homem seria levar a ela e a criança para outra cidade. Tauana só escapou com a intervenção da Brigada Militar (BM), acionada por vizinhos que ouviram os gritos.
Durante a ação policial para libertar a vítima, Gustavo mencionou a intenção se matar com a própria arma. Antes disso, foi desarmado com um tiro na mão desferido por um policial militar. Preso em flagrante por sequestro, cárcere privado e lesão corporal, o suspeito seguia recolhido no Presídio Regional de Caxias até a tarde desta sexta-feira. O agente está lotado na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul.
O advogado que representa Gustavo, Matheus Bertaiolli Rodrigues, diz que não vai se manifestar publicamente porque o caso tramita em sigilo e apresentará os argumentos da defesa em juízo.
Na tarde de quinta-feira (7), Tauana recebeu a reportagem para expor a sua situação. Ela estava com os olhos roxos e inchados, sinais de arranhões nos ombros, na cabeça, nos braços e no rosto, além de ter dificuldade para caminhar. Também sentia dores e não conseguia se alimentar. Contudo, a jovem fez questão de expor as marcas dos ferimentos e seu nome para que o caso sirva de exemplo e chame a atenção para um drama que acomete dezenas de mulheres todos os meses somente em Caxias do Sul. Confira abaixo a entrevista.
Você pode detalhar o que aconteceu?
Ontem, (terça-feira, 5) eu e o Guto (Gustavo Oliveira Santos Giongo) saímos para passear. Passamos a tarde num camping com o meu filho. À noite, o Guto queria pular Carnaval, só tomar um chope e me pediu para ir com ele. Daí larguei meu filho na minha mãe para a gente poder sair. Todo mundo estava rindo, feliz. Fui para casa, tomei banho me arrumei e fomos para o Carnaval (a festa ocorreu na Rua Dom José Barea, nos fundos do prédio da antiga Maesa). Lá, bebemos duas caipiras. Quando ficou tarde, eu quis voltar para casa, mas ele queria ficar mais tempo. Ele então inventou de passar na casa dele (bairro Exposição) para pegar uniforme do trabalho e roupa. Ele mora num quarto na estética da mãe dele. Ali tudo começou, começaram as agressões.
O que motivou?
Nós entramos no quarto e ele queria olhar meu celular. Eu disse que não ia mostrar e nisso ele pegou e jogou o telefone no chão, rachou a tela, começou a pisar em cima do celular. Eu estava com uma bota e consegui dar um chute na hora em que ele me pegou pelos cabelos. Aí, ele desceu para pegar a arma (uma pistola .380, apreendida pela polícia). Peguei o telefone e enfiei dentro da bota. Desci as escadas para tentar gritar, para ver se alguém me escutava. Mas ele me pegou pelos cabelos e me trouxe para o quarto. Ficou quatro horas me batendo.
Que tipo de agressão?
Ele me deu soco, me deu tapa, me socou, puxou pelos cabelos, me jogava de um lado para o outro, pegou a arma dele, dava com a arma em mim. Aqui (mostrando o rosto), ontem (quarta-feira) na delegacia me falaram que tem a marca da ponta, onde vai o pente (da arma). Subiu em cima de mim, me dava de soco, batia minha cabeça no chão. Estou com muita dor. Ele fez o que queria. Me chamou de vagabunda, que eu não prestava para nada, que eu era uma coitada, que iria acabar com a minha vida.
Que horas aconteceu isso?
A gente saiu do Carnaval já era meia-noite e meia. Lembro bem disso porque olhei a hora no celular antes de sair da festa. Chegamos na casa dele em 10 minutos, durou quatro horas.
Alguém chamou a polícia?
Ninguém chamou a polícia. Somente eu e ele estávamos ali. Ele me espancou as quatro horas, fez o que queria comigo. Pegou meus documentos, colocou tudo dentro de uma panela e ligou no fogão para tocar fogo. Tentei pegar a minha certidão de nascimento e queimei minha mão. Ele queimou tudo que havia dentro da minha bolsa. Ele estava surtado, parecia estar com o capeta.
Você pediu para ele parar? Tentou acalmá-lo?
Eu pedia para ele parar a todo momento. Tentei acalmar ele, pedia para ele pensar no que estava fazendo. Eu gritava, mas ele não estava nem aí, só queria me bater. Não me escutava, estava fora de si. Porque quando eu pedia para parar, a única coisa que ele dizia é que eu iria morrer.
Como você se livrou dessa situação?
Dali, ele me fez ir para minha casa me maquiar, queria eu fosse na minha mãe pegar meu filho. Dizia que a gente iria embora daqui, iria morar longe de todo mundo. Queria me levar para Porto Alegre.
Ele colocou você dentro do carro?
Sim. Dentro do carro, colocou a arma no meio das pernas e ali não fazia nada. Andou com carro muito rápido. Eu estava zonza porque tinha batido demais na minha cabeça. Na minha casa (bairro Rio Branco), me mandou fazer uma maquiagem bem escura. Me mandou pegar as roupas e meu filho para a gente ir embora para Porto Alegre. As coisas acontecem tudo ao contrário. Sabe que na minha rua tem uma casa bem em frente onde tem uma turma, uma piazada e justamente naquela hora não tinha ninguém na rua. Se eu gritasse, ele iria me bater de novo. Daí, pensei: vou ficar quieta, vou até a minha mãe e quando chegar lá peço socorro. Isso já era quatro e pouco da madrugada.
Daí vocês chegaram até a casa de sua mãe.
Cheguei lá na frente (bairro Kayser), liguei do telefone dele para a minha mãe e só chamou. Na hora que ele ligou o carro, a minha mãe apareceu na janela, daí desci do carro com a minha bolsa. Minha mãe queria que eu pegasse meu filho só ao meio-dia porque era tarde e ele estava dormindo. Insisti para pegar e pedi para usar o banheiro. Minha mãe jogou a chave pela janela. O Guto abriu a porta do carro e na hora que desci, peguei a chave, fui rápida e tranquei o portão. Ali ele começou a gritar: abre esse portão! Eu pedi calma, falei que só ia pegar o meu filho. Nisso, subi as escadas. Minha mãe não percebeu o que tinha ocorrido, eu não queria gritar, fazer alarde. Entrei em casa e comecei a fazer carinho no meu filho. Minha mãe estranhou. Daí, na hora que ela me olhou, ao invés de ficar quieta, disse que ia chamar a polícia. Nisso, ele já estava pendurado nas grades do portão e pulou. Peguei meu filho no colo, corri no corredor e entreguei para minha irmã mais velha. Pedi que ela chamasse a polícia. Ela se trancou no quarto e ligou para a polícia. Nisso voltei para sala e ajudei minha a mãe a segurar a porta da sala porque a gente não conseguiu passar a chave. Não deu tempo. Mas ele derrubou a porta com três chutes. Entrou e disse que iria me matar. Saí para fora porque lá dentro ninguém iria escutar se eu gritasse. Ele engatilhou a arma e colocou no meu pescoço. Minha mãe pediu calma, ofereceu um café, mas ele mandou ela calar a boca porque iria me matar e se matar depois. Ele me um golpe com a ponta da arma no meio da barriga e mandou parar de gritar. Aí fomos enrolando, minha mãe de um lado, eu de outro.
Os vizinhos perceberam algo?
Não saíram para fora, mas avisaram a polícia. Sorte que mais vizinhos escutaram. A Brigada disse que havia recebido várias ligações. Foi muito rápido. Chegou uma viatura de um lado e uma de outro. O Guto disse para mim: tu vai ficar aqui do meu lado e vai dizer que está tudo bem, que a gente estava brincando. Vi os policiais, mas não conseguia falar. O policial pediu se estava tudo bem. Minha mãe desceu, abriu o portão e falou bem baixinho que ele estava armado. Aí eles subiram. O Gustavo parou no canto da porta, eu estava de um lado e o policial na escada.
Qual foi a reação da polícia?
O policial mandou ele largar a arma, mas ele não quis. O Guto disse que a vida dele estava acabada, iria me matar e se matar. Pediram três vezes para ele largar a arma e disseram que problema todos têm, tentaram impedir que ele fizesse algo. Aí, bem nessa hora, ele (Gustavo) atirou, disparou. Fechei meu olho, pensei: vou morrer. Quando abri o olho, fiquei em estado de choque porque tinha muito sangue no chão. Eu não conseguia raciocinar se a bala tinha pegado em mim, se tinha pegado nele. Só que a bala passou sem me acertar, quase de raspão. O policial atirou na arma do Gustavo para derrubar e acabou pegando a mão dele. Chegou a ambulância, sentei. Tinha sangue por tudo na frente, mas o tiro só pegou nele.
O que aconteceu depois?
Nessa hora, eu "ceguei", não via nada, meu rosto estava muito inchado, não conseguia ficar de pé, pensar. Estou todo dolorida. Ainda não consigo ficar de pé, não consigo comer, dói muito meu abdômen. Estou fraca. Estou tomando remédios, mas não sei se faz efeito porque até a água que eu tomo, eu vomito.
A senhora fez algum exame?
Fiz um raio-X, me levaram para a UPA e lá me deram remédio na veia e depois me deram uma receita, tomei remédio para a dor e me deram alta porque eu tinha de voltar para a delegacia. Os policiais ficaram comigo todo o tempo. Chegamos na UPA já era umas seis horas da manhã e voltei para delegacia lá pelas oito. Pretendo voltar para o médico porque estou com muita dor.
Que tipo de exame a senhora fez uma vez que foi agredida na cabeça?
Fui encaminhada à UPA para fazer exames e tomar medicamento, mas a única coisa que pediram foi fazer um raio-X para ver se não tinha algo quebrado.
Por que você faz questão de expor seu nome?
(Tauana chora bastante) Eu gostaria muito que isso viesse a público porque hoje sou eu. Tentaram abafar o que aconteceu comigo, não vi essa notícia em nenhum lugar. Hoje não era mais para mim estar aqui, quem sabe daqui um ano é outra, aí eles abafam o caso. Na hora que atiraram na mão dele, vi que o Guto falou para um policial: "Por que tu fez isso cara? Eu sou um de vocês". O policial respondeu que ele não era nada. Então, eu concordo, ele é pior dos que estão presos.
Pretende voltar para a sua casa?
Não queria sair de lá, mas todo mundo me diz que é para dar um tempo, ficar em lugares com outras pessoas. Por isso, estou fora de casa.
Seu pai mencionou que você já sofreu outras agressões.
Sim. Fiz uma ocorrência no dia 10 de janeiro e aí resolvi me separar. A gente estava junto há um ano, morávamos juntos. Ele era agressivo, tinha ciúmes, surtava do nada. Era ele tomar qualquer tipo de bebida alcoólica e se transformava em outra pessoa. Eu não tinha amigos, me isolei de toda a minha família, não via mais a minha mãe, não saía de casa. Paguei academia durante quatro meses e não saí de casa pra nada.
Por quê?
Porque ele não deixava. Não podia ir a lugar nenhum, não podia ter amigo, não podia adicionar ninguém no Face, não podia conversar com ninguém, não podia usar roupa curta, nada.
E isso começou quanto tempo depois de vocês irem morar juntos?
Na real, tudo isso começou antes do Natal. Meu pai tinha ido viajar e aí ele começou, teve vários fatores. Mas a ponto de me bater com arma, de engatilhar a arma e colocar em mim foi a primeira vez. Ele chegou a me agredir, mas não de ficar com o rosto do jeito que eu estou hoje.
Agredia como?
Ele me dava tapas, chutes, me pegava no braço. Eu tentava gritar, ele tapava a minha boca.
Isso antes de vocês se separarem?
Antes. No dia 10 de janeiro, teve esse ocorrido e decidi me separar. Fui na delegacia (plantão da Polícia Civil), dei parte dele.
Você pediu afastamento dele do lar, alguma medida protetiva?
Pedi e fiquei esperando porque disseram que era através da Delegacia da Mulher. Eles iriam me ligar. Aí não me ligaram, não entraram em contato comigo. Ele bloqueou o chip que eu tinha porque estava no nome dele até o chip. Eu não tinha contato com ninguém. Teve um vizinho que me deu carona para eu pudesse ir na minha mãe contar o que estava se passando.
Alguém da polícia lhe procurou?
Não.
Você chegou a ir até a delegacia ver como estava a situação?
Sim, fui na Delegacia da Mulher e me disseram que eu teria que aguardar, que eu receberia um intimação do Fórum e não tinha nada a ver com eles (a medida protetiva).
Isso foi quando?
Eu fiz a ocorrência no dia 10 e fui lá na delegacia no dia 15 de janeiro.
Você forneceu seu endereço certo?
Sim, informei.
Você recebeu algum número de documento no qual a senhora poderia acompanhar o seu caso?
Não. Nada, foi feito somente a ocorrência. (Nota da redação: segundo o Juizado da Violência Doméstica, Tauana pediu a revogação da medida protetiva no dia 1º de fevereiro).
A partir de 10 de janeiro a senhora manteve contato com ele?
Ele me procurou no dia 23 de janeiro.
Procurou para quê?
Para reatar, para voltar, que tudo iria mudar. Falei para ele a gente até voltaria, mas ele deveria procurar um médico. Antes do Réveillon, ele estava indo para uma psicóloga. Ele mudou da água para o vinho porque estava tudo muito bom nos primeiros meses e do nada se transformou. O Guto estava tomando calmante, estava tudo muito bom. Antes do Réveillon, ele simplesmente parou com o medicamento. Dali para cá, a coisa só desandou.
Mas vocês reataram?
A gente poderia voltar, mas eu na minha casa e ele na dele. Eu tinha ficado sem nada quando nos separamos. Montei minha casinha, ele me procurou e disse que me amava e iria procurar um médico. Disse que tinha marcado um médico e começamos a nos ver.
Você trabalha?
Eu tenho meu negócio próprio, faço bolo de pote, sou doceira.
Dependia da renda dele?
No início quando a gente resolveu morar junto, até dependia. Ele era quem pagava os primeiros alugueis. Mas depois comecei com esse negócio de bolo de pote. Teve uma época para ajudar nas contas que vendi roupa minha, calçado que não usava mais.
Ao retomar a relação em janeiro, você acha que isso pode ter passado a sensação de que ele poderia bater em você de novo?
Na realidade, acho. Hoje, paro para pensar e acho que ele voltou comigo só para fazer isso, para fazer o que ele queria. Ele ia me matar, ele ia. Me arrependo de ter voltado. Não imaginava que aconteceria comigo.
Que conselho você dá para outras mulheres que passam pela mesma situação, são ameaçadas ou agredidas?
Não voltem atrás (Tauana chora novamente) porque a partir do momento em que se ergue um dedo, vai erguer sempre até acontecer isso, até tu quase perder a sua vida. Hoje não era para mim estar aqui. Fui no inferno e voltei. Acho que Deus me deu outra chance, porque, de tanto que ele me bateu, poderia ter desmaiado, poderia ter me dado um tiro. Só não morri porque não era a minha hora.