Não há foto ou cartazes de Naiara Soartes Gomes na Escola Municipal Renato João Cesa, no bairro São Caetano, em Caxias do Sul. A criança, no entanto, é onipresente em cada canto e a sua imagem parece ainda mais viva na pequena cozinha.
Cadia Loch, 46 anos, auxiliar de limpeza, recorda do tom da voz da criança ao pedir por bolacha recheada, doce que Naiara mais gostava e devorava na ponta da mesa. A primeira refeição tornou-se marcante porque Naiara chegava na escola com fome e sentava sempre numa mesma cadeira de frente para uma janela. Cadia e a auxiliar-geral Alba Fátima de Souza são umas das poucas pessoas da equipe da Renato João Cesa que se dispuseram a falar sobre a falta que a criança faz no dia a dia. Um ano depois, muitos colegas optaram por não conversar com a reportagem por estarem traumatizados com o assassinato.
Cadia e Alba perceberam as necessidades de Naiara logo que ela ingressou no 1º ano no início de 2017. Em pouco tempo, virou regra entre as mulheres da cozinha e da zeladoria ter uma comidinha reservada para acolher a menina. Valia repartir o lanche das funcionárias, guardar um pouco do que havia sobrado do lanche escolar do dia anterior ou trazer algo especialmente pronto de casa.
— Aquela criança querida chegava sempre alegre e com fome, ela pedia comida. Então, o lanchinho dela já ficava sempre pronto no canto da mesa. Antes de entrar na sala, ela nos procurava e depois sentava ali e comia— relembra Cadia.
O grupo também reservava acessórios para o cabelo da criança ou roupas quentes para os dias frios.
Naiara era educada, brincalhona e jamais foi vista confrontando professores e funcionários. Tinha o costume de dar um beijo na professora da turma ou na funcionária do pátio. A professora da biblioteca, Suzana Faccin Bampi, recebia a menina duas vezes por semana e descobriu a predileção dela por livros de princesas.
— A Naiara era carinhosa, educada, sentava do nosso lado e conversava. Eram desses livros que ela gostava — aponta Suzana para uma pilha de publicações com personagens de vestidos reluzentes.
Durante boa parte de 2017, a menina teve a companhia de dois irmãos e vinha de van para a escola. No segundo semestre daquele ano, os irmãos foram transferidos para outra escola, no bairro Aeroporto. Embora o pedido de transferência de Naiara tivesse sido protocolado na Central de Matrículas na mesma época, Naiara permaneceu na Renato João Cesa até o final de 2017. Dois dias antes do encerramento das aulas, ganhou uma jaqueta branca e uma boneca da equipe da limpeza e da cozinha. A menina retomou em fevereiro de 2018 para cursar o 2º ano na escola.
— Ela dizia para todo mundo que queria ficar com a gente porque gostava dali — revela Cadia.
A trabalhadora ficou espantada ao descobrir que ela percorria o caminho entre a casa e a escola a pé, informação que só veio à tona com o sumiço de Naiara no dia 9 de março do ano passado.
— Montamos um plantão na escola, uma equipe de apoio na esperança de que ela fosse aparecer aqui.
Os dias que transcorreram durante o sumiço e após a confirmação da morte de Naiara ainda não foram assimilados totalmente pelos professores e funcionários. Colegas da turma da menina não falam abertamente sobre o caso até mesmo pelo fato de serem crianças e terem interpretações diferentes do luto, segundo a diretora Vanessa Reis dos Santos.
— A Naiara era especial e como toda criança sentia a necessidade de ter as coisas. Não foi fácil e até hoje é como se nós estivéssemos vendo ela — desabafa Alba.
Se estivesse viva, ela frequentaria a turma 31. No dia 8 de março, uma sexta-feira, os coleguinhas de sala e os demais alunos da escola fizeram um minuto de silêncio e oraram por Naiara.