A vida de Arthur Marques Machado, 13 anos, e de outras crianças e adolescentes com problemas graves na coluna vertebral na Serra vem mudando para melhor graças a uma parceria firmada entre o Hospital Pompéia, de Caxias do Sul, e fornecedores de material cirúrgico. Desde 2017, a instituição de saúde, habilitada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a fazer a cirurgia de correção na região, tinha deixado de fazer o procedimento por conta da insuficiência ou ausência de repasses. A situação se agravou quando o SUS tirou de sua lista materiais considerados essenciais para este tipo de intervenção.
Com a ajuda dos parceiros _ que doam pinos e hastes ao hospital, as operações puderam voltar a serem feitas na metade do ano passado. A partir de então, com a continuidade do acordo, o Pompéia passou a fazer de um a dois procedimentos para correção de escoliose por mês. Até agora, 12 pacientes já foram beneficiados pela operação, que custa entre R$ 80 mil e R$ 100 mil na rede privada.
— A parceira foi uma ótima oportunidade, uma vez que as cirurgias precisam ser feitas o quanto antes nos pacientes com indicação. A escoliose é progressiva e tende a piorar durante a fase de crescimento. Crianças com sequelas de paralisias, distrofias e outras doenças neuromusculares têm uma prevalência maior de sofrer de escoliose. Como parte do material saiu do rol do SUS, somente com o esforço do Hospital e de toda uma equipe multidisciplinar é que as cirurgias acontecem na região — elogia o médico Everton Pansera, que atua no programa de residência médica em Ortopedia no Pompéia.
Atualmente, quatro pacientes aguardam pela cirurgia em Caxias do Sul. No ano passado, eram 10. O próximo nome na fila de espera é de Juan Marco Garcia, 16. O jovem tem uma doença neurológica denominada Moebius, uma síndrome rara que afeta os nervos cranianos. De acordo com a mãe dele, Elisa Francisca Vieira Soares, Juan aguarda pelo procedimento há mais de um ano.
— Ele caminha um pouco, mas a coluna está torta, inclinou-se paro o lado direito. Ele precisa fazer a cirurgia para a correção da coluna e outros procedimentos no quadril, no pé direito e tornozelo. Acreditamos que no final de março ou começo de abril possamos resolver essa primeira etapa — diz Elisa, esperançosa.
Juan perdeu a visão há pouco mais de seis anos e lutou recentemente contra outros problemas teve anemia e infecção do ouvido, mas conforme a mãe, hoje está bem e apto para realizar o procedimento.
Arthur ganhou uma rotina mais independente
— Vamos tirar fotos logo! Quero aparecer no jornal!
Foi em pé, com um enorme e contagiante sorriso que Arthur recebeu a reportagem do Pioneiro no apartamento da avó, no bairro Marechal Floriano, em Caxias. Nem parecia com o menino que, até pouco tempo, sequer conseguia andar.
Há um ano, quando o corpo do garoto começou a apresentar sinais de deformidade em curva na coluna e fortes fores, a mãe, Iliamara Lira Marques, 40 anos, percebeu que algo grave estava acontecendo. Como Arthur nasceu com paralisia cerebral, a possibilidade de estar com escoliose assustava a família.
— O Arthur sentia muita dor e já não se movimentava. Deixou de brincar com os amigos. Falei com minha ex-sogra que a coluna do Arthur estava entortando. Com o passar dos dias, nem caminhar ele conseguia mais. Tivemos de arranjar uma cadeira de rodas — recorda Iliamara.
O ortopedista Everton Pansera diagnosticou a escoliose em Arthur na metade do ano passado e inscreveu o menino na lista de espera do Pompéia. Quatro meses depois, quando já não se alimentava direito e pesava apenas 25 quilos, ele foi chamado.
— A dor só aumentava. Tive de abandonar meu emprego para ficar com ele. Ninguém queria cuidar de uma criança doente. Eu mesma fiquei doente — conta Iliamara, que trabalhava como técnica em enfermagem.
O procedimento durou quatro horas. Nas vértebras de Arthur, foram posicionados 24 pinos e hastes de maneira a corrigir a curvatura da coluna.
— Após a cirurgia, o Arthur ainda perdeu um pouco de peso e, como todas as cirurgias de escoliose, corrigimos bastante a deformidade. Não toda, devido aos riscos de lesões neurológicas. O material usado em pacientes como Arthur, que é criança e mais magrinho, é diferente do material que se usaria em pessoas hígidas — destaca o ortopedista Everton Pansera.
Para alegria de Iliamara, Arthur reagiu bem ao procedimento e, em menos de uma semana, já havia deixado o quarto. Trinta dias depois da cirurgia, o menino voltou a andar, abandonando a cadeira de rodas. Hoje, já recuperado, Arthur tem uma vida quase independente.
— Agora, o Arthur levanta sozinho da cama e anda sem dificuldade. Faz refeições e vai ao banheiro sem precisar de ajuda. Ele também fez novos amigos aqui no prédio, com quem brinca diariamente. Logo, voltará a ter aulas na Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e, com o tempo, vai se recuperando e esquecendo as dores que passou — confia a mãe.
O acompanhamento pós-cirúrgico é permanente e requer fisioterapia duas vezes por semana. Em breve, o garoto será encaminhado a uma terapeuta para fazer natação e terapia ocupacional. E diante daquilo que, para muitos poderia ser um abismo sem volta, para Arthur é uma oportunidade para realizar seus mais sinceros sonhos.
— Agora, eu posso andar de moto com o meu irmão. E ainda quero aprender a ler para poder pegar o ônibus — disse, todo feliz.
A Escoliose
A coluna vertebral não é reta. Existem nela pequenos desvios na região do pescoço, tórax, cintura e bacia. Os desvios ocorrem em função das posições que mais a pessoa adota ao longo da vida, como atos de sentar, andar ou deitar. Isso é considerado normal. Há, porém, curvaturas graves, que fazem com que nenhum desses movimentos aconteçam com naturalidade e sem dor.
A escoliose inviabiliza os movimentos do corpo, entortando a coluna e deixando o corpo do paciente em formato de S ou C. A curva da coluna vertebral geralmente piora com o crescimento e as dores são intensas.
Normalmente, a pessoa já nasce com escoliose ou ela se agrava em decorrência de problemas musculares ou neurológicos, como nos casos de Arthur e Juan. De acordo com o ortopedista Everton Pansera, as cirurgias na coluna ocorrem quando as curvaturas são mais acentuadas, acima de 50 graus.
— O ideal é que os pais observem se há alguma alteração na coluna ou quadril das crianças, especialmente no período de crescimento. O exame de raio X pode dar um diagnóstico mais preciso. O importante é que as pessoas saibam que a maioria dos casos são tratados com fisioterapia, reforço muscular ou uso de um colete especial. Apenas as situações mais graves exigem o procedimento cirúrgico — destaca.