Com a Festa da Uva 2019 se aproximando, o supervisor de produção Ivan Capelari, 38 anos, já estava ansioso por aumentar sua coleção de medalhas — afinal, é um dos campeões caxienses em "esportes" como corrida de carriola, arremesso de queijo e fazer bígoli. Acumula mais de 15 medalhas desde 1994, quando as Olimpíadas Coloniais foram criadas para integrar comunidades do interior à programação e resgatar os costumes da colônia nesse período.
Por isso, foi com surpresa que ele recebeu a notícia de que a competição não vai fazer parte do calendário da Festa deste ano, que celebra, justamente, a cultura deixada pelos imigrantes italianos.
— Eu participava desde a primeira edição. Era bem divertido, tinha participação do público, torcida, fazia-se muitas amizades. Confesso que fiquei sentido — diz.
Morador da comunidade de Linha 40 — que por muitos anos abria as Olimpíadas Coloniais —, Capelari recorda com carinho não apenas das vitórias, mas da mobilização da comunidade, que também se fazia presente nas finais, realizadas geralmente na Praça Dante Alighieri (na última edição, foram na Rua Plácido de Castro).
— Essa parte da Festa da Uva vai fazer falta, inclusive para os turistas, que podiam participar de algumas provas, nos Pavilhões — acredita.
O sentimento é compartilhado pelo comerciário Francisco Veronese, 58. Para ele, participar dos jogos de bodega, uma das modalidades da competição, era sentir-se parte da Festa da Uva.
— Eu jogava quatrilho e escovão. Reunia pessoas de vários bairros e do interior. Essa integração era interessante, mas o principal era poder participar da Festa — avalia Veronese, para quem os jogos representavam a essência da cultura da região.
Claudino Secco, 65, "nascido e criado na roça", próximo a Parada Cristal, é outro que lamenta o fim das Olimpíadas. De início, o aposentado costumava assistir às provas, até que certa vez, em Santa Bárbara, recebeu o convite para participar:
— Resolvi encarar, e me classifiquei em primeiro lugar na prova de debulhar milho. Depois que entrei, deu uma adrenalina, era emocionante, muito bom. E mostrava a nossa cultura, vinha gente de fora para assistir.
O autônomo Antônio Sgabarotto, 59, ajudava a organizar a comunidade de Forqueta para os jogos e foi um dos mentores da prova mini-48 (derivada da bocha). Ele conta que era um orgulho, à época, ver um jogo criado na localidade ser encampado pela Festa da Uva.
— As Olimpíadas eram divertidas, movimentavam o interior. E agora, sem mais nem menos, ficamos sabendo que não vai mais ter. Na minha opinião, é um atraso — diz.
"A Festa não acontecia nos Pavilhões, mas na cidade"
Era início da década de 1990. Após a Festa da Uva de 1991, que buscou repensar a própria programação, o município adquiriu as cotas da empresa Festa da Uva que pertenciam ao Estado e decidiu resgatar uma comissão comunitária como organizadora dos festejos, como era nos primórdios.
O grupo, presidido pelo empresário Nestor Perini, começou a preparar a Festa de 1994, com o mote Uma História que Vem de Longe. Foram listados listou três públicos prioritários e ações para serem desenvolvidas junto a cada um: o urbano, com o Tirando o Pó (resgate de memórias por meio de objetos de família antigos que recuperassem a história da cidade); o jovem, com a Gincana Cultural (com tarefas voltadas à cultura ítalo-gaúcha); e o rural, com as Olimpíadas Coloniais.
— A gente entendeu que a Festa não acontecia nos Pavilhões, mas na cidade — lembra um dos cocriadores do projeto e coordenador do Marketing de Relacionamento da Festa da Uva nas edições de 1994 e 1996, Juarez Tonietto.
A gincana teve poucas edições, depois, na análise de Tonietto, foi extinta por ter cumprido seu papel. O Tirando o Pó, valorização da memória afetiva do público urbano, começou com cerca de 150 espaços espalhados pela cidade, subiu para mais de 200 e continuou com força até 2010, quando 153 empreendimentos comerciais participaram do projeto, expondo o material em suas vitrines. Houve uma pausa nas edições de 2012 e 2014, sendo retomado em 2016. Neste ano, também não deve acontecer.
A mais duradoura das três iniciativas foi justamente as Olimpíadas Coloniais. Originalmente, conta Tonietto, elas foram pensadas para serem feitas apenas na área rural. Porém, houve pedidos para que ocorresse também na zona urbana:
— Era feito o convite nas comunidades, que respondiam, se organizavam. Algumas tiveram provas próprias, dependendo de suas características culturais. Começamos com os jogos de bodega, fazer bígoli, corrida de carriola, arremesso de queijo e corrida de tuc-tuc, mas em alguns lugares tinha também corrida de cavalinhos e tiro de estilingue em latinhas, por exemplo.
Essa apropriação pela comunidade era, justamente, o objetivo da comissão. Logo as soberanas da Festa da Uva foram se integrando também, e passaram a abrir as Olimpíadas em muitas comunidades, que se sentiam valorizadas pela presença do trio e se divertiam em vê-las, por exemplo, amassando uva com os pés.
— Era uma festa, podia terminar num almoço, num baile, numa janta — conta.
Tonietto lembra que, na edição de 1996, nas comemorações dos 120 anos da imigração italiana, uma centena de repórteres nacionais e internacionais veio a Caxias do Sul cobrir a Festa da Uva e o projeto das Olimpíadas:
— Era efetivamente a Festa da Uva reconhecendo que a festa começava na colônia.
Para comissão, valorização do interior segue contemplada
A confirmação de que a Festa da Uva 2019 não incluiria as tradicionais Olimpíadas Coloniais foi dada na segunda-feira, durante o anúncio da programação oficial desta edição. Na ocasião, a presidente da comissão comunitária, Sandra Randon, declarou que, "no formato que acontecia, (as Olimpíadas) não trouxeram o mote que nós estávamos esperando".
Procurada ontem pela reportagem, a comissão optou por enviar uma nota via assessoria de imprensa, na qual declara que diversas iniciativas da programação oficial visam valorizar os hábitos e costumes da Serra. Entre eles, cita a Vila dos Distritos, em que "a cultura, o turismo, a gastronomia e a produção dessas localidades estarão em evidência, com comercialização de produtos agrícolas, de artesanato e divulgação de eventos". A nota lembra ainda que prosseguem as competições de bocha (pontobol e areia) e o torneio de quatrilho.
"Sendo assim, com uma ampla programação voltada para valorizar as tradições dos distritos e das comunidades do interior, nesta edição, as Olimpíadas Coloniais, não serão realizadas", finaliza o texto.
Sem Som e Luz
Outra atração tradicional da Festa da Uva que não se repetirá nesta edição é o espetáculo Som & Luz, que contava a história da colonização e era apresentado junto à Réplica de Caxias 1885.