Pela primeira vez, uma moradora da Serra teve acesso gratuito a um exame que mapeia o câncer. A avaliação oncogenética, encaminhada pela Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) do Hospital Geral (HG), permitirá saber quais chances da doença crescer, reincidir e aparecer em outros membros da família de Marta Tonato, de 34 anos. Ela é uma das pacientes que apresenta maior risco de ter uma síndrome hereditária. Na área da genética médica, esse exame é uma das maiores contribuições para a detecção precoce do câncer, o que facilita tratamentos mais assertivos e informação à família inteira. A avaliação oncogenética ficou famosa após a atriz Angelina Jolie realizar uma mastectomia dupla para a retirada das mamas após o exame apontar a possibilidade de desenvolver câncer.
A iniciativa da Unacon só pôde ser viabilizada pela ajuda de voluntários que destinaram verba para o Banco de Perucas ao longo de 2017 e, principalmente, durante a campanha Outubro Rosa, que chama a atenção para o câncer de mama. Dessa forma, arrecadou-se cerca de R$ 22 mil, que bancou a compra de 10 avaliações oncogenéticas. O pacote consiste na consulta com um geneticista e o teste genético, feito em Caxias do Sul, por meio de uma parceria com o Laboratório Diagnose.
_ O teste genético não é contemplado no SUS. Nós temos um centro de referência em oncogenética no Hospital de Clínicas, na Capital, para onde encaminhamos os pacientes. Mas é um processo bastante moroso e raramente se consegue um teste lá. Das pacientes que encaminhei, até hoje, nenhuma voltou com o teste feito _ conta a médica oncologista Janaina Brollo.
Na prática, serão beneficiados com o exame pacientes tratadas na Unacon que tiveram diagnóstico de câncer de mama inicial, com idade menor a 35 anos e que apresentarem histórico familiar da doença: um familiar, em primeiro grau, com câncer de mama ou ovário, ou dois familiares em segundo grau. De acordo com a médica, a população que apresenta essas características tem maior risco de ter uma síndrome hereditária. O que permite que essas pacientes possam identificar se portam as mutações herdadas geneticamente. Dessa forma, é possível saber se o câncer pode voltar ou se desenvolver em outros lugares do corpo. A estatística é que de 5% a 10% dos cânceres de mama são relacionados a síndromes hereditárias. Por isso, as pacientes que tem maior risco de síndrome hereditária têm menos de 35 anos e com histórico familiar de câncer de ovário e mama. Uma vez que a paciente porta essa mutação genética, a chance de transmitir para o filho é de 50%.
_ Se a paciente tem a mutação, a chance de ela ter um novo câncer é muito grande. A família toda dela será rastreada. Por isso, o resultado do exame previne o câncer de uma evolução, tem o rastreamento da doença mais de perto e pode implicar em medidas preventivas, como cirurgia redutora de mama e ovário _ explica a médica.
Primeira beneficiada está confiante
O câncer de mama é uma doença ingrata e conhecida pela família da auxiliar administrativa Marta Tonato de Flores da Cunha. Aos 34 anos, ela já encarou o diagnóstico da mãe e de uma tia bastante próxima. Ambas tinham menos de 40 anos quando descobriram o nódulo. Nenhuma delas sobreviveu à doença _ histórico igual ao da atriz Angelia Jolie, que tornou a cirurgia pública após realizar uma mastectomia dupla para a retirada das mamas. Por isso, ao perceber um nódulo no seio direito, em setembro deste ano, a florense decidiu não dar chance para o câncer de mama. Menos de um mês após notar o nódulo durante o banho, já consultava a Unacon, no HG. A porta de entrada, a unidade básica de saúde (UBS), identificou a gravidade do caso.
— Não posso reclamar de absolutamente nada quanto ao atendimento pelo SUS até agora. É claro que meu histórico familiar contribuiu para a agilidade, mas desejo que todas as pacientes tenham esse atendimento — afirma.
A primeira beneficiada da parceria do HG com o laboratório Diagnose terá, portanto, mais qualidade no diagnóstico de uma doença tão presente em sua família. Foi ela quem perguntou à médica se existia a possibilidade de participar do teste oncogenético. Por ser jovem, estar com câncer e ter casos na família da doença, ela teve direito ao teste. Nesta semana, já fez a consulta com o oncogeneticista e coletou o material. O resultado ficará pronto em fevereiro, antes da cirurgia que deverá remover o nódulo de cerca de quatro centímetros. O conteúdo do exame definirá, portanto, qual será o procedimento mais indicado para o caso dela.
— Confirmando que ela é portadora de uma mutação genética, a indicação será a remoção das mamas, para que a doença não volte mais. Teremos muita informação para decidir os próximos passos do tratamento — diz a médica Janaina Brollo.
A paciente encara o processo com bastante positividade:
— Eu estou tendo acesso ao que há de mais moderno na medicina para rastrear o câncer. De graça e rápido, aqui próximo.
Como fazer
:: A avaliação oncogenética ficou famosa após a atriz Angelina Jolie realizar uma mastectomia dupla para a retirada das mamas. Casos como o de Angelina, em que mãe e tia morreram em decorrência da doença, tem cobertura obrigatória por planos de saúde.
:: Para requerer o exame, o segurado deverá receber a indicação de um médico para que procure um geneticista. De acordo com a norma publicada pela Agência Nacional de Saúde (ANS), é somente o geneticista quem poderá pedir o exame, após confirmação de necessidade e verificação de enquadramento nas diretrizes da agência.
:: Para se ter uma ideia, o custo do exame que identifica mutações no BRCA1 e BRCA2, as mais comuns para identificar câncer de mama, parte de R$ 3 mil e pode chegar a R$ 13 mil. O SUS não fornece o exame.
Como é o teste
:: É um teste com DNA e pode ser realizado por meio de amostras de sangue ou saliva.
:: Esses testes são realizados com pessoas em risco aumentado e detectam mutações em genes que podem predispor ao câncer. O exame detecta a mutação e, por consequência, a predisposição se essa pessoa poderá ou não desenvolver um câncer.
:: É importante ressaltar que a testagem genética detecta a predisposição hereditária a um câncer e não nos mostra dados a respeito dos cânceres não hereditários (por exemplo, aqueles com fator de risco ambiental conhecido, como tabagismo, álcool, etc).
:: Segundo bióloga molecular Jovana Mandelli, o material coletado pela paciente encaminhada pelo HG é enviado aos Estados Unidos e leva cerca de 30 dias para retornar ao Brasil. O médico recebe o laudo informativo e o paciente retorna para a consulta.
:: Esse exame investiga, além dos genes BRC1 e BRC2, outros 28 genes que identificam outros tipos de câncer como pâncreas, estômago e de pele, entre outros.
:: Segundo Jovana, o paciente inicia a investigação com a consulta com o geneticista, que aconselha exatamente qual o exame necessário.
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