Ir às 3h da madrugada para a fila de uma unidade básica de saúde (UBS) nem sempre tem garantido a ficha para uma consulta médica em Caxias do Sul. É o que segue acontecendo em postinhos de bairros como Forqueta ou até mesmo na área central. A situação se agravou porque há grande número de médicos afastados por pedido de exoneração ou aposentadoria, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), e, por isso, não há previsão para que a situação seja resolvida.
Ainda que a secretaria não estime quantas UBSs operam com redução de profissionais, sabe-se que Forqueta, Centro, Desvio Rizzo, Mariani, Vila Ipê, Cruzeiro, Bela Vista e Santa Lúcia Cohab apresentam déficit de profissionais, principalmente de clínicos gerais.
_ Há muitos profissionais pedindo aposentadoria e, até que o sistema não efetive a saída deles, não podemos encaminhar a substituição porque a vaga não está aberta. Por isso há tanta demora, no serviço público as coisas funcionam assim. Mas notamos que a situação tem melhorado _ defende a diretora de Atenção Básica da SMS, Maria Elenir Anselmo.
O Pioneiro noticiou o drama dos moradores de Forqueta no início do mês de setembro. Cerca de 40 moradores e o presidente da Associação de Moradores de Bairro (Amob), Dagoberto dos Santos Júnior, reuniram-se com o titular da SMS, Geraldo da Rocha Freitas Júnior, para reivindicar mais um médico, enfermeiro, estagiário e auxiliar de enfermagem. Passados cerca de 20 dias, a comunidade segue com atendimento de apenas uma clínica geral, que atende 12 horas semanais, com acréscimo de algumas horas extras. A medida é insuficiente e revoltante, critica Dagoberto:
_ O maior problema é que Forqueta é longe do Centro, e nossos moradores nem sempre têm a possibilidade de ir ao Postão ou até a UPA para atendimento. Ainda estamos esperando um retorno da secretaria de Saúde.
Segundo a diretora de Atenção Básica da SMS, a vaga para clínico geral de Forqueta está aberta e aguardando contratação.
_ O que aconteceu ali é que a outra médica e a técnica de enfermagem se exoneraram do cargo, e a enfermeira está em licença saúde. Nós conseguimos uma enfermeira que permanece oito horas por dia na UBS, amenizando a situação _ explica Maria Elenir Anselmo.
Na fila às 3h, sem consulta
Para tentar aplacar as dores e incômodos que a sinusite tem causado na sua rotina, a dona de casa Maria Janete Alves, 33 anos, tenta, há quase uma semana, consulta na UBS Forqueta. Ela sai de casa e ruma até a UBS ainda no escuro. Mas chegar às 3h na fila pode ser tarde.
_ Quando eu chego, já tem quatro pessoas na fila. Algumas são de idade e estão lá, no relento, esperando. Quatro era o número de vagas que tinha para hoje (ontem), ou seja: perdi a vez.
Maria Janete tentou ainda ir ao Pronto-Atendimento 24 Horas. Chegou às 6h e saiu ao meio-dia de ontem sem ter conseguido uma consulta, porque não podia esperar mais. Na tentativa de contornar o problema, adquiriu um nebulizador e usa o equipamento várias vezes ao dia, por conta própria. Pagar uma consulta particular está fora de cogitação para a dona de casa, cuja família sobrevive com a renda do marido.
_ Nosso postinho era tão bom que sabíamos que vinha gente de fora tentar consulta. Uma vez, tinha até 10 vagas de manhã. Agora são, no máximo, cinco. Nunca tem agenda, e ninguém vê que a gente precisa muito _ lamenta.
_ Não vou de madrugada na fila, me nego. A gente fica mais doente esperando a vaga no frio. Quando precisei, há um mês, paguei uma clínica popular para ter direito a consulta _ conta a zeladora Veroni Gassuri, moradora de Forqueta há 12 anos.
Para psicólogo, demora é de um ano
No Centro de Saúde, os dois médicos que atendiam 33 horas semanais cada um, aposentaram-se. O terceiro pediu exoneração. Portanto, há consultas apenas no turno da manhã, e a demanda segue insuficiente. O dentista que atendia há anos na UBS também se aposentou. Na tarde de ontem, Ionice Andrade da Silva, 27 anos, deixava a UBS decepcionada.
_ Eu não consigo marcar dentista, e tenho orientação médica para terapia com psicólogo. Acabaram de me avisar que preciso retornar na sexta-feira para entrar na fila de consulta da terapia, que deve levar, em média, um ano para me atender. Estou apavorada, indignada _ reclamou.
A titular do Conselho Municipal da Saúde, Fernanda Borckhardt, adianta que a situação da rede básica é um dos temas que será tratado na pauta de uma reunião extraordinária, agendada para a próxima segunda-feira. Pela primeira vez, a reunião precisará ocorrer na Câmara de Vereadores.
_ Nós recebemos uma notificação que não podemos mais usar o espaço do conselho no prédio da SMS. Então faremos na Câmara, e iremos discutir todo plano municipal de saúde, com diversos representantes dos bairros_ adianta Fernanda.