Os sete primeiros meses de 2018 terminaram com um balanço – se não positivo, menos grave – nas estradas da Serra. Segundo levantamento do Pioneiro, 81 pessoas perderam a vida em acidentes de trânsito na região, 14 a menos do que no mesmo período do ano passado. Quando comparado com 2016, porém, os registros seguem altos: são 20 mortes a mais, um aumento de 25%. A imprudência dos motoristas – expressa por ultrapassagem em local proibido, excesso de velocidade e uso do telefone celular ao volante, por exemplo – segue sendo o principal fator responsável por tragédias que abreviam histórias de motoristas, caroneiros e pedestres. Dentre as rodovias da região, a ERS-122 é a mais mortal, com 18 vítimas.
O perfil das vítimas muda pouco ano a ano: são mais homens e jovens que morrem em acidentes. A faixa etária que mais aparece nas ocorrências é dos 19 aos 29 anos. Abril é o mês mais violento nas estradas, com 22 vítimas, enquanto o dia da semana com mais ocorrências fatais é o sábado.
– O que acaba diferenciando é que os acidentes estão muito mais violentos. É claro que temos muitas fatalidades, mas o que precisamos bater forte é a questão da velocidade – opina o comandante do Grupo Rodoviário de Farroupilha, tenente Marcelo Stassak.
Em Caxias, apesar do número de vítimas ainda ser significativo, houve uma redução de 38%: foram 18 mortes até o fim de julho, contra as 29 registradas até o final de julho de 2017. Destas, cinco foram por atropelamento. Embora esse tipo de ocorrência seja menor, os dados indicam que são proporcionalmente mais graves e com alto índice de fatalidade. Estudos mostram que praticamente um terço dos óbitos em acidentes nas regiões Sul e Sudeste do país são decorrentes de atropelamentos.
Ainda assim, a Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade pode enxergar pontos positivos no comportamento dos motoristas de Caxias. Os seis primeiros meses de 2018 os menos violentos nos últimos 11 anos – em 2010, o número de vítimas chegou a 40, contra as 18 de agora. É difícil precisar a razão desta redução, mas para a secretaria, é resultado de ações de fiscalização que acabam alterando o cenário de mortalidade no trânsito da cidade.
– Além da redução das mortes, nós notamos que os próprios equipamentos de trânsito, como semáforos e até paradas de ônibus, têm sido menos atingidos, o que mostra que há menos acidentes também – exemplifica o secretário de Trânsito, Cristiano de Abreu Soares.
A equipe atua, pelo menos, quatro vezes por semana com blitze espalhadas pela cidade, em caráter itinerante.
– É a sensação de estar sendo fiscalizado que inibe o mau condutor. Saber que há fiscalização ali, que está sendo observado e, quem sabe punido, é o que muda o comportamento do motorista – pondera o fiscal de trânsito Carlos Beraldo.
“Não me conformo com uma morte tão cruel”
Entre as 18 vítimas fatais de acidentes em Caxias do Sul neste ano está a aposentada Mercedes Pereira, 80 anos, que morreu atropelada no dia 26 de julho. Dona Mercedes foi atingida enquanto caminhava para o trabalho, por volta das 7h, na ERS-122, na altura do bairro Pioneiro.
Inquieta e insistente, ela não admitia faltar um dia sequer ao emprego em uma indústria de móveis, sua ocupação nos últimos 40 anos. Dona Mercedes não precisava do salário, já que vivia tranquilamente com sua aposentadoria e uma pensão após a morte do marido. Mas era para manter a mente ativa e usufruir do convívio dos colegas que insistia com a família em seguir trabalhando.
Por isso, despertava diariamente às 5h, fazia um bom café da manhã para os filhos e seguia a pé por cerca de 1,5 quilômetro entre sua casa e a empresa. Usava um atalho que desembocava na ERS-122, quase em frente da fábrica. No entanto, precisava atravessar as quatro faixas da rodovia, duas de cada lado, ao menos duas vezes ao dia. Aos 80 anos, atravessava a via uma vez às 7h, outra depois das 17h, quando encerrava o expediente.
– A satisfação dela era ficar trabalhando. Ela me dizia que se parasse de trabalhar, já podíamos comprar o caixão. E repetia que, se morresse trabalhando, ia morrer feliz – lembra o filho Francisco Pereira Santos Antunes, o Chico, 61.
Os cinco filhos e os oito netos ainda não aceitaram a forma brutal como Mercedes morreu. Naquela manhã de tempo chuvoso, ela seguiu as orientações da família: atravessou na faixa de segurança. Das quatro faixas que a levavam para o trabalho, duas já haviam sido cruzadas. Restavam outras duas. Quando deu os últimos passos para chegar defronte à empresa, uma Fiorino atingiu a idosa e a arremessou por cerca de 30 metros. Há informações de que um segundo carro teria passado e atropelado a vítima novamente. No entanto, não há confirmação da participação de um outro motorista no crime. A Delegacia de Trânsito investiga a ocorrência.
– Não me conformo com uma morte tão cruel. Nós queremos justiça, queremos a coisa certa. Eu disse que ali precisaria uma lombada eletrônica. Para nós, que ficamos aqui todo dia, é difícil acordar sem o barulho dela de manhã cedo – desabafa o filho.
A Secretaria de Trânsito passou a fiscalizar o trecho onde a idosa morreu. De acordo com a pasta, na tarde de ontem, dois veículos foram flagrados trafegando com velocidade 113% acima do limite permitido na via (60 km/h). Naquele ponto, um carro foi flagrado a 128 km/h. Pouco tempo depois, outro veículo foi flagrado trafegando a 113 km/h.
Quando há conscientização, índices podem zerar
O segundo semestre se inicia também violento: agosto já contabiliza cinco vítimas de mortes nas estradas da Serra. Apenas ontem, foram dois acidentes fatais. O mais recente foi registrado na RSC-453, entre Carlos Barbosa e Garibaldi. A colisão entre três veículos resultou na morte de Luis Claudio Eifert, 41 anos. A vítima estava em uma Ford Ranger, que colidiu com uma carreta e um Etios. Ainda não estão esclarecidas as circunstâncias do acidente. O passageiro da camionete ficou ferido e foi encaminhado ao Hospital São Pedro de Garibaldi, mas passava bem. O trecho onde ocorreu o acidente é em uma curva, com pista dupla, nas proximidades de um pardal.
A outra morte ocorreu de madrugada, na ERS-112 em Antônio Prado, e causou a morte de um caminhoneiro. O veículo saiu da pista e caiu em um barranco por volta das 2h, no km 112. A vítima foi identificada como Adriano Braz de Queiroz, 46.
Ainda que rodovias configurem o maior índice de acidentes em toda a Serra, quando mudanças na organização do trânsito são colocadas em prática por meio de grandes obras, há resultados bastante expressivos. Exemplo mais recente é o até então temido trevo da Telasul, que fica no entroncamento da RSC-453 com a BR-470, em Garibaldi.
Desde que ele foi inaugurado, no fim do ano passado, nenhuma morte foi registrada no ponto. Antes da melhoria, além de acidentes fatais, colisões quase diárias eram atendidas pela equipe do Corpo de Bombeiros Voluntários de Garibaldi. A realidade mudou após a obra ser entregue, e quem sentiu os efeitos positivos é a comunidade.
– Nós notamos uma redução de quase 100% no número ocorrências e acidentes com vítimas no trevo. Há maior conscientização das pessoas, e também há um trabalho impecável de patrulhamento e fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na rodovia. Isto faz toda diferença – pontua o comandante dos bombeiros de Garibaldi, Jorge Castro.