O serviço de táxi-lotação em Caxias do Sul é uma daquelas questões em que são muitas as dúvidas e poucos os esclarecimentos. As perguntas dos usuários sobre a situação do serviço nos últimos tempos são por que os táxis-lotações são sucateados, atrasam e têm poucas linhas. Mas o que é mais curioso é que as respostas para essas questões vêm em forma de outros questionamentos: por que esse sistema de transporte, concebido para ser seletivo, é mais barato do que o de ônibus urbanos? Por qual motivo o serviço funciona há quase 20 anos sem licitação no município? E o que faz com que o projeto de lei que deverá revogar a legislação atual e regrar o assunto daqui para frente está tramitando na Câmara de Vereadores há cinco meses?
Para entender o contexto é preciso voltar a 1999, quando o município lançou um edital para escolher os concessionários que prestariam o serviço em Caxias. O processo chegou a ser finalizado, mas foi contestado judicialmente por pessoas que participavam do certame. A Justiça, até a terceira instância, decidiu por anular a licitação porque infringia o princípio da isonomia da livre concorrência. Na prática, significa dizer que a Justiça entendeu que os critérios listados no edital direcionavam o processo, beneficiando alguns candidatos e prejudicando outros.
Mesmo assim, quatro anos após a decisão transitada em julgado, em 2010, a prefeitura autorizou os permissionários à época a continuarem atuando, de forma provisória, até que novo processo licitatório fosse concluído. Uma outra tentativa de licitação até chegou a ser feita, por parte do município, em 2014. Porém, mais uma vez, o processo foi contestado e anulado pelo mesmo motivo do anterior.
Passadas quase duas décadas do início do serviço na cidade, o cenário ainda é esse, de prorrogações de contratos originários de uma licitação inválida.
Em despacho, a juíza da 2ª Vara Cível de Caxias, Maria Aline Vieira Fonseca, cita trecho do acórdão que ilustra o entendimento do Judiciário sobre o tema: "Com efeito, possível ao licitador inserir cláusula no sentido de resguardar a população, objetivando que a empresa concessionária de transporte tenha condições de proporcionar, de maneira adequada, segura e dentro das melhores condições possíveis o serviço de transporte público da cidade, sem causar prejuízo ao ente público. Todavia, cláusulas não podem ser desproporcionais ou desarrazoadas, restringindo a participação dos licitantes, medida que, se adotada, contrariaria os interesses da própria administração, diminuindo a competitividade no certame licitatório".
Esse processo transitou em julgado em fevereiro do ano passado.
Impasses acabam por prejudicar os usuários
Cerca de 130 mil pessoas utilizam táxis-lotações para se locomoverem em Caxias, mensalmente, segundo a Associação dos Usuários de Transporte de Passageiros (Assutran).
Silvia Oliveira, 68 anos, sabe bem o que é ir até determinado ponto para pegar um táxi-lotação e aguardar por 40 minutos ou até uma hora para conseguir embarcar e seguir ao seu destino. Por mais de uma vez, ela desistiu de esperar e utilizou um táxi para o transporte, pagando quatro vezes mais pelo mesmo trajeto. Segundo ela, entre os dias 10 e 15, os atrasos na linha Aeroporto foram recorrentes. Ela conta que no dia 13 foi ao local de embarque, na Rua Visconde Pelotas, no Centro – um ponto comum aos estudantes que vão até a Universidade de Caxias do Sul (UCS) –, onde o micro-ônibus costuma passar por volta das 14h20min. Ela chegou às 14h10min e o transporte só apareceu às 15h15min.
Segundo a Secretaria de Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana, o problema ocorreu porque quatro veículos apresentaram problemas mecânicos e a empresa concessionária retirou-os de circulação. Com frota menor, os horários ficaram mais espaçados, e os usuários, irritados.
Questionada sobre que providências seriam tomadas, a prefeitura, que é o órgão fiscalizador do serviço, disse que não tem o que fazer no momento. É que a atual legislação que rege o serviço não prevê que os concessionários tenham veículos reservas para a reposição. Além disso, o secretário Cristiano de Abreu Soares alegou o caráter precário dos contratos com os permissionários.
— O que acontece na prática é que os veículos, realmente, estão muito velhos e não tinha previsão, lá atrás, quando se fez a licitação para esse serviço, de veículo reserva. Toda vez que se retirar um veículo da linha, vai atrasar. Isso é uma consequência do regramento antigo — constatou o secretário.
Essa é uma das coisas que devem mudar a partir da nova licitação. A previsão do secretário é otimista, de que o edital seja lançado ainda neste ano. Só que, para licitar, a prefeitura precisa esperar a aprovação da nova lei pela Câmara de Vereadores.
— A partir disso (nova lei), corrigimos, inclusive, a forma de atuar da fiscalização de trânsito — disse o secretário, se referindo ao fato de que, atualmente, não tem amparo legal para cobrar reposição de veículos, entre outras exigências.
O edital está em fase final de elaboração.
Já o promotor Delson Manzke diz que, mesmo agora, com o transporte sendo realizado de forma precária, cabe ao município fiscalizar a prestação de serviço, nem que para isso tenha que se basear na lei federal de concessões.
– Como é um transporte público necessário, se tem em mente sempre o interesse do usuário. O município prorroga (contratos) de forma precária, para que a comunidade não fique sem o serviço. Mas, claro, questões de itinerário, descumprimento de horário e má qualidade, o município pode fiscalizar. Isso compete a ele – afirma o promotor.
PONTOS QUESTIONADOS
- A lei atual prevê tarifa para o táxi-lotação 40% superior à do transporte coletivo urbano. Atualmente, ela é 10% inferior, R$ 3,60, ante os R$ 3,95 do transporte coletivo. A Associação dos Usuários de Transporte de Passageiros (Assutran) defende que a passagem do lotação fique no mínimo 30% maior que a dos ônibus. Já os vereadores defendem percentual de 30% a 50% superior. A prefeitura defende no mínimo 20% a mais. Já a Associação Caxiense de Táxi-Lotação (ACTL) defende um novo modelo, de transporte complementar ao coletivo, com mesma tarifa dos ônibus urbanos e com integração de passagens (ou seja, uma bilhetagem que sirva para ambos os sistemas).
- O número atual de táxis-lotações é 21. A prefeitura propõe que seja, no máximo, 20% da frota de ônibus, o que equivaleria a um teto de 64 veículos. A Assutran acha que deveria ser menos do que isso, 15%. Mesma quantidade defendida pelos vereadores. Para a ACTL, poderiam ser em torno de 100 veículos.
- O projeto de lei permite, e a prefeitura defende, a concessão de lotações para pessoas físicas. Algo que o Ministério Público também recomenda. A Assutran defende que a participação de pessoas seja permitida, mas não individualmente, e sim em cooperativas ou associações. Os vereadores são favoráveis a concessão de permissões a pessoas físicas, desde que seja determinado um quantitativo que pode ser o número de linhas para cada modalidade. A ACTL também defende a participação de pessoas físicas.
- O sistema de biometria não está previsto no projeto de lei, mas deve ser incluído no edital de licitação, segundo a prefeitura. A Assutran acredita que a ferramenta deveria constar já no projeto, inclusive, com prazo estipulado de 180 dias, a partir da aprovação da lei, para o começo de operação de todo o serviço. Além disso, defende sistema de bilhetagem eletrônica. A ACTL defende biometria e bilhetagem.
- A implantação de uma estação de integração foi sugerida pela Assutran, mas não deve ser realizada em um primeiro momento, conforme a prefeitura. Os vereadores dizem que não há informações sobre esse ponto, o que deveria constar em um plano diretor de transporte seletivo, com planejamento e cronograma de ações. A ACTL acredita que coletivos e complementares (táxis-lotações) devem fazer parte de um mesmo sistema integrado.
- O projeto de lei proposto pelo município tem previsão de criação de um fundo de subsídio para o transporte coletivo. Funcionaria assim: caso a tarifa calculada fique menos de 20% acima do transporte coletivo (índice máximo defendido pela prefeitura), a diferença seria destinada a um fundo que serviria para custear as gratuidades dos ônibus urbanos. Os vereadores acham que o cálculo contradiz o que defendem que é de índice de 30% a 50% superior a tarifa dos ônibus. A Assutran defende a criação do fundo para subsidiar o coletivo, mas com recursos vindos de publicidade tanto do seletivo quanto do coletivo. A ACTL acha que o assunto tem que ser mais discutido.
Transporte coletivo
Após audiência de conciliação, em maio deste ano, quando foi definida a nova tarifa para o transporte coletivo urbano (Visate) de R$ 3,95, o número de linhas de ônibus foi reduzido de 335 para 320.