Começava a vigorar há 10 anos uma das leis que mais impactou na rotina dos motoristas: a Lei Seca. Desde que foi aprovada, em 19 de junho de 2008, a legislação endureceu a punição contra quem dirige sob efeito de álcool, impondo mudanças no comportamento de motoristas e, consequentemente, reduzindo a mortalidade no trânsito.
A principal mudança foi a chamada tolerância zero, ou seja, não há mais uma quantidade mínima para a ingestão de bebida alcoólica por motoristas (antes, quem apresentava até 0,3 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões no teste do bafômetro era liberado).
Desde 2011, quando a fiscalização de trânsito da prefeitura de Caxias do Sul passou a organizar as ações dentro do programa Balada Segura, foram flagrados 6.712 motoristas dirigindo embriagados. Dentre as interpretações sobre esse número, há uma observação importante: 55% destes motoristas se negaram a fazer o teste de bafômetro. Desde 2016, a penalidade passou a valer também para quem se recusava a fazer o exame.
— Aos poucos, a lei foi adequada na medida em que apresentou dificuldades até para a nossa fiscalização. Essa evolução é ligada, principalmente, à negação do bafômetro. Antes, a pessoa se negava ao teste e ficava por isso mesmo. Hoje, não. A negação é um sinal contundente de que ela está embriagada, e responderá da mesma maneira — pondera o comandante do Grupo Rodoviário de Farroupilha, tenente Marcelo Stassak.
A maioria dos motoristas flagrados alcoolizados é do sexo masculino, conforme aponta estatísticas apresentadas pelo gerente de Educação para o Trânsito da Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade de Caxias do Sul, Carlos Beraldo. A idade também chama a atenção: parte dos 21 até os 35 anos.
— Você percebe que são jovens, mas não com a carteira de habilitação recém-feita. E o número de mulheres bêbadas ao volante é infinitamente menor, mas notamos, ano a ano, que cresce timidamente — avalia Beraldo.
A mudança de comportamento do motorista é outro ponto importante: o hábito de deixar o carro em casa e buscar alternativas de transporte para eventos em que se sabe que haverá bebida só trouxe ganhos ao trânsito. Dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, indicam que houve uma redução em mais de 14% do número de mortes por acidentes de trânsito no país. Em 2008, quando a lei foi implementada, o SIM registrou 38.273 óbitos por essa causa. Em 2017, dados preliminares, apontaram queda para 32.615 casos. Ainda que Caxias do Sul não tenha números, sabe-se que em janeiro deste ano, por exemplo, não foram registradas mortes nas estradas que cortam a cidade. A última vez que isso havia acontecido no mês foi em 2007.
Taça de espumante custou caro para vendedora
De acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um em cada quatro motoristas assume dirigir após ingerir bebida alcoólica. O início da Lei Seca foi conturbado em Caxias do Sul: no primeiro fim de semana em que a lei vigorava — 21 e 22 de junho de 2008 —, foram flagrados sete motoristas bêbados.
Neste último sábado e domingo, dos 55 veículos abordados, em quatro os condutores haviam bebido.
O início da Lei Seca também foi conturbado em todo o país em razão de proibir a venda de bebida alcoólica em bares, casas noturnas e restaurantes que ficassem às margens de rodovias.
— Em Caxias do Sul, inclusive, houve casas noturnas e restaurantes que, para não configurar a venda de bebida na estrada, abriram acesso para os clientes no terreno de trás. Isso foi em 2008, quando começaram as primeiras restrições. As leis começaram a apertar, ano após ano, a partir daí — lembra o gerente de Educação para o Trânsito, Carlos Beraldo.
Diante da pressão de empresários, que se sentiam prejudicados com a lei e punidos pelo mau comportamento dos clientes, a lei mudou e liberou a venda.
Apesar da redução ainda tímida na combinação álcool e volante, a expectativa é que, com o passar dos anos, os motoristas entendam o recado. Foi o que aconteceu com uma vendedora de 47 anos perdeu a carteira nacional de habilitação, a CNH, neste ano. Pega em uma blitz na Rua Os Dezoito do Forte, ela preferiu não assoprar o bafômetro porque havia tomado uma taça de espumante minutos antes, em uma confraternização com amigas.
— Nunca havia levado uma multa na minha vida, foi um susto muito grande. Mas não quero mais saber de tacinha de espumante nem nada: nunca se sabe o que pode acontecer. Sem dúvida, fui pega de surpresa mas aprendi a lição — reconhece.
Além do transtorno de ficar sem a habilitação, ela precisou arcar com a multa de R$ 1.930 e terá de desembolsar mais R$ 750 para pagar o processo de reciclagem da CNH.
O advogado especialista em trânsito Juelci de Almeida afirma que a penalização para os que decidem não se submeter ao bafômetro nem sempre é justa.
— É claro que pessoas bêbadas precisam ser banidas do trânsito. Elas matam e morrem. Mas nenhum órgão está aplicando o dinheiro que reverte das multas em sinalização, condições do trânsito. Às vezes, parece que o Estado só se preocupa com as consequências dos acidentes, e não na fiscalização para prevenir _ opina.
EM CAXIAS
:: De 2011 a 2017, desde que iniciou o programa Balada Segura, 83.510 veículos foram abordados. No total, 1.863 pessoas multadas por se negarem a fazer o bafômetro, 3.756 que fizeram bafômetro confirmaram estar bêbadas e 1.093 estão respondendo por crime de trânsito, por apresentar teste com índice acima de 0,34 miligramas de álcool por litro de ar expelido.
:: Estima-se que 90% dos condutores bêbados sejam homens. A faixa etária predominante é dos 21 aos 35 anos, tanto entre homens quanto mulheres. Estima-se que a maior parte dos homens flagrados dirigindo bêbados tenha de 21 a 25 anos. Nas mulheres, o maior percentual é dos 31 aos 35 anos.
:: A blitz da Balada Segura envolve uma operação com Brigada Militar, fiscalização de trânsito, Guarda Municipal, Grupo Rodoviário da Brigada Militar, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Civil.
A LEGISLAÇÃO
:: Em 1997, o Código de Trânsito Brasileiro não punia quem apresentasse até 0,6 gramas de álcool por litro de sangue ou 0,3 miligramas de álcool por litro de ar expelido no bafômetro. A multa para quem ultrapassasse esse índice era considerada gravíssima, e o valor de R$ 955 era multiplicado por cinco. Na época, a pena máxima por expor outras pessoas ao perigo era de até seis meses de detenção.
:: Com a aprovação da Lei Seca, em 2008, a tolerância de concentração do álcool diminuiu para 0,2 gramas de álcool por litro de sangue e 0,1 miligramas de álcool por litro de ar expelido no bafômetro. A multa permaneceu a mesma, mas em caso de reincidência, ela é dobrada. A penalização permaneceu: é considerado crime acima de 0,34 miligramas por litro de álcool no sangue.
:: Em 2012, a legislação ficou ainda mais rigorosa: qualquer concentração de álcool no sangue ou acusada no bafômetro passou a ser considerada infração. A multa gravíssima aumentou para R$ 1.915, e pode ser multiplicada em até 10 vezes dependendo do caso, além de penalização em dobro se houvesse reincidência.
:: Em 2016, quem bebe e dirige passou a ter de desembolsar uma multa mais salgada. O valor subiu para R$ 2.934,70 e a penalidade passou a ser aplicada mesmo com a recusa do bafômetro. Foi aprovado neste ano também a Lei 13.546, que aumenta de cinco para oito anos de prisão a pena para o homicídio culposo (quando não há intenção de tirar a vida da vítima) causado por motorista que está sob efeito de álcool ou outras substâncias psicoativas.