As cenas fortes de maus-tratos contra animais geralmente provocam comoção e revolta em redes sociais e, na maioria dos casos, os bichos são resgatados, mas nem sempre a tempo de serem salvos. Essa é a realidade enfrentada diariamente tanto pelo Departamento de Bem-Estar Animal da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) quanto pelas ONGs de proteção animal e pelos protetores independentes.
Para tentar reduzir o número de casos, a Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra os Animais (ASPCA) definiu abril como o mês dedicado à conscientização sobre os maus-tratos aos animais. Nas redes sociais circulam fotos do laço laranja para apoiar a luta a favor dos bichinhos. Em Caxias, estão programadas palestras sexta-feira na Escola Municipal Ensino Fundamental Machado de Assis, no bairro Reolon, para sensibilizar alunos e professores.
Mas só a conscientização pode não ser suficiente. Há brechas que permitem que esse ciclo se perpetue. Um deles é a falta de informação para conduzir situações complicadas, pois a população não sabe a quem recorrer ao ver um animal atropelado ou abandonado. Também há questionamentos sobre o atendimento prestado pelo Departamento de Bem-Estar Animal, o que confunde os defensores dos bichos e o público em geral.
Nos quatro primeiros meses de implantação do serviço público, inaugurado em janeiro de 2017, 80% das denúncias feitas pelo telefone eram falsas e, muitas vezes, a equipe se deslocava em vão para atender um caso e deixava de socorrer um animal que realmente precisava de ajuda em outro canto da cidade. Para evitar que esse tipo de problema voltasse a ocorrer, o departamento decidiu receber as denúncias por meio de um formulário disponível pela internet. Integrantes de ONGs afirmam que esse modelo acabou colocando em risco o atendimento de urgência. Em casos de atropelamentos, por exemplo, o socorro demora mais para chegar. Entretanto, a diretora do departamento, Marcelly Paes Felippi, esclarece que ainda é possível encaminhar denúncias urgente por telefone.
— Quando a pessoa liga sobre um atropelamento, nós temos condições de saber pela voz se a situação é verdadeira, conseguimos filtrar e, então, deslocamos a equipe para socorrer, mas precisamos também do registro no site para justificar nosso deslocamento. Já em casos de maus-tratos, é preciso foto porque mobilizamos toda a equipe e acionamos a Patram para nos acompanhar, por isso, tem que ter essa prova que ocorrem os maus-tratos — justifica Marcelly.
Sobre situações e reclamações frequentes sobre denúncias que não são verificadas porque a pessoa não tem como registrar com fotos ou casos no site, Marcelly ressalta que o serviço está de portas abertas para receber as pessoas e conversar sobre cada caso e encontrar uma solução.
— Nós estamos aqui para ajudar. Há momentos em que não temos carros aqui, mas nunca vamos omitir socorro ou nos negar a verificar as denúncias. Se não tem fotos, nos liguem ou marquem um horário para vir aqui e conversar. Em nenhum momento, deixamos de ir porque não queremos fazer, estamos aqui para ajudar de verdade, estamos aqui pelos animais — afirma a diretora.
Falta de plantão
Outra brecha é a inexistência de um plantão à noite e nos finais de semana para socorrer animais, período em que, segundo as ONGs, ocorrem a maioria dos casos. O socorro fica por conta da comunidade que, por sua vez, recorre às organizações em busca de ajuda. Assim, as ONGs assumem os custos e a responsabilidade de cuidar dos bichos até que eles estejam recuperados e sejam devolvidos aos donos ou doados. A prefeitura não informou se pretende criar um plantão para atendimentos.
NÚMEROS
:: Segundo a prefeitura são registrados em média três pedidos de socorro por semana para cães ou gatos atropelados. Já as ONGs Na Rua Nunca Mais e Amor Vira-Lata recebem ao menos seis pedidos por semana, sendo que há períodos em que é registrado mais de atropelamento por dia.
:: De 5 de janeiro de 2017 até o dia 12 deste mês, foram registradas 591 denúncias, online ou presenciais, sobre maus-tratos no Departamento de Bem-Estar Animal. Destas, 16 denúncias estão aguardando baixa porque já foram averiguadas com algum tipo de encaminhamento: o dono do animal foi notificado e está no prazo de informar que tipo de ação adotou para cessar o problema.
O QUE FAZER
:: O atendimento do Departamento de Bem-Estar Animal é para bichos de rua ou de vulnerabilidade social. O serviço é destinado para casos de maus-tratos, abandono, doenças e atropelamentos. O atendimento também é feito para animais que têm donos sem condições de pagar por um atendimento veterinário ou outros cuidados.
:: Para fazer denúncias de maus-tratos, é necessário entrar no site da prefeitura (caxias.rs.gov.br). No canal "Denuncie Maus-Tratos", é possível encontrar formulários para registrar a denúncia. Após preencher os dados, é necessário incluir fotos que comprovem ou levantem a suspeita sobre os maus-tratos. Em seguida, basta enviar o material para o e-mail: bemestaranimalcaxias@gmail.com. A denúncia será averiguada pela equipe do departamento. O tempo de atendimento varia conforme a demanda, podendo ser realizado no mesmo dia, durante a mesma semana ou quando for possível.
:: Em caso de urgência, como atropelamentos ou outras situações que coloquem a vida do bicho em risco, é possível ligar para o Departamento de Bem-Estar Animal e conversar com os veterinários para explicar a situação e solicitar ajuda. O atendimento é no horário comercial pelo telefone (54) 3901-1431. Não há plantão à noite ou finais de semana.
"A lei tem que ser mais rígida"
O crescente número de casos de abandono e atropelamentos de cães e gatos, principalmente, com omissão de socorro é um reflexo do descaso dos donos. O número aumenta a cada dia devido às inúmeras ninhadas de cães e gatos que são descartadas pela população, sendo que muitos animais jamais tiveram a chance de ter uma família e seguem na rua com os filhotes. Alguns bichos têm a sorte de serem resgatados, outros tantos são mortos ou abandonados à própria sorte.
Para uma das fundadoras e voluntária da ONG Amor Vira-Lata, Heloisa Nardino Gazzola, a castração pode salvar muitas vidas.
— Animais não são mercadorias e jamais devem ser abandonados. Se não há a possibilidade de continuar cuidando, temos a obrigação de delegar a outro. Devemos tratar os animais com ou sem raça definida com a dignidade que deve ser tratado um ser vivo e dependente do homem. Castrar sempre, pois para ajudar muitos, basta castrar um — aponta Heloisa.
A fundadora e presidente da ONG Na Rua Nunca Mais, Paula Terres, afirma que a luta para manter os animais em segurança é diária:
— Muitas pessoas estão mudando de casa e deixando os animais para trás. Eles têm ficado na rua sobrevivendo de lixo, passando fome, frio, sentindo medo, estão à própria sorte. Nos casos de atropelamentos que a ONG socorre, é raro localizar os donos. A lei tem que ser mais rígida para que o abandono e os maus-tratos não fiquem impunes e não voltem a acontecer — enfatiza Paula.
PROJETO
O Departamento de Bem-Estar Animal elaborou um projeto de lei voltado ao direito dos animais que, entre os artigos, prevê multa ou detenção por maus-tratos ou abandono, a exemplo da lei federal. A proposta também atribui ao município a responsabilidade pela castração de cães e gatos de rua ou dos animais que estão sob a responsabilidade das famílias de baixa renda. Hoje, o munícipio tem um programa de castração, mas não existe legislação sobre o assunto. O projeto deve ser encaminhado à Procuradoria-geral do município nos próximos dias e prevê também multa ou detenção por maus tratos ou abandono. Após, deve ser levado para a apreciação da Câmara de Vereadores.
SAIBA MAIS
Os atos de maus-tratos e crueldades mais comuns envolvendo animais são:
:: Não alimentar ou não dar água diariamente
:: Não procurar um veterinário se o animal estiver doente
:: Abandono
:: Manter animal preso por muito tempo sem comida e contato com seus donos ou responsáveis
:: Deixar animal em lugar impróprio e anti-higiênico
:: Envenenamento
:: Agressão física, covarde e exagerada
:: Mutilação
:: Utilizar animal em shows, apresentações ou trabalho que possa lhe causar pânico e sofrimento
:: Atropelar e fugir do local sem prestar socorro
LEGISLAÇÃO
Abandono e maus-tratos de animais são crimes, segundo o artigo 32 da Lei Federal nº. 9.605, que trata sobre crimes ambientais
Pena: detenção de três meses a um ano e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um 1/6 a um 1/3 se ocorre morte do animal.