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Com 100% do território atendido pela coleta seletiva, Caxias do Sul pode ser vista como um exemplo na gestão dos resíduos sólidos. No entanto, muita coisa acontece depois que o lixo é depositado nos contêineres amarelos ou nas lixeiras onde não há coleta mecanizada: os materiais têm que passar por uma nova trajetória para que sejam, efetivamente, reaproveitados.
De acordo a Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca), são coletadas 90 toneladas de resíduos seletivos por dia na cidade. Destes, 67% pela coleta mecanizada. Das cerca de 58 toneladas diárias recolhidas por meio do sistema, porém, 60% acabam no aterro sanitário junto com as outras 360 toneladas de resíduos orgânicos, onde podem demorar décadas para se decompor. Nas áreas de coleta manual, a taxa de reaproveitamento dos resíduos sobe para 80%, mas a quantidade recolhida é menor. Mesmo assim, 6,5 toneladas são desperdiçadas por dia na modalidade.
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O problema acontece, principalmente, pela forma como o lixo é descartado, segundo o gerente operacional da Codeca, Igor Rossi.
— A gente nota bastante que a população descarta de forma incorreta. E os contêineres estão localizados na área central, que é área de passagem, e há a ação dos catadores. São muitos elementos — aponta.
Os resíduos seletivos recolhidos pela Codeca são encaminhados a 13 associações de reciclagem conveniadas com o município. Ali, é realizada a triagem dos materiais que serão aproveitados pela indústria e constituirão novos produtos. O dinheiro da venda dos materiais é distribuído entre os membros das entidades.
Para que seja reaproveitado, o lixo seco precisar estar limpo, na medida do possível, e de maneira nenhuma misturado a resíduos orgânicos. A atenção com o lixo produzido em casa influencia diretamente nas condições de trabalho de pelo menos 400 recicladores e outros tantos catadores informais.
— Tem de tudo, papel higiênico, fraldas, jornal usado para os dejetos do cachorro... O principal problema é a falta de educação da população. Tem que pensar que depois de sair de casa, alguém vai trabalhar com aquele material — diz Estela Marcondes, tesoureira da Associação de Recicladores Serrano.
A associação é uma das reciclagens mais bem equipadas da cidade, mas isso não impede que os trabalhadores tenham que atuar em condições insalubres, mesmo que a função sirva para impedir que o lixo seco cause danos à natureza e diminua o impacto ambiental.
Cerca de 70 toneladas de resíduos são levadas por mês pela Codeca até a reciclagem no bairro Serrano. O material é separado pelos 31 cooperados e encaminhado para a venda. Descontadas as despesas, uma jornada de oito horas e meia rendeu cerca de R$ 5 por hora trabalhada a cada um deles no último mês.
“É de virar o estômago. Nós deixamos muito para o aterro”
Para ajudar os recicladores do Serrano e de outras associações, basta seguir dicas simples, diz Estela Marcondes.
— Se é muito sujo (o resíduo), contamina os outros (materiais). É melhor botar no orgânico — orienta a trabalhadora.
A vice-tesoureira da associação, Valdete Sodré, conta que animais mortos e até lixo hospitalar costumam ser descartados com o lixo seletivo.
— É de virar o estômago. Também já se machucaram com seringa e agulha. Do jeito que está, a gente deixa muita coisa passar para o aterro — lamenta.
Mesmo assim, os recicladores gostam do trabalho. Para André Bissani, 25, que se juntou à associação há dois meses, a atividade foi a alternativa de sustento encontrada após quase dois anos de desemprego.
— Só pedimos que joguem o seletivo no seletivo, e não misturem vidro com o resto — indica.
Em alguns países desenvolvidos, a separação do lixo em categorias básicas (papel, plástico, metal e vidro) é exigida já no descarte. Cada tipo é coletado separadamente. No entanto, conforme o gerente operacional da Codeca, o custo desse modelo é inviável para o município.
— O modelo (dos contêineres) talvez não seja o ideal, comparado a países de primeiro mundo, mas é eficiente e adequado para nossa realidade, para fazer a coleta e o remanejo em locais onde se verifica excesso de lixo, por exemplo — explica Rossi.
Por isso, a separação depende fundamentalmente da conscientização da população.
— Dá para ver que boa parte da população separa da forma correta, pelo aproveitamento nas áreas com coleta manual. Mas buscamos trabalhar essa conscientização junto às crianças, nas escolas. Os filhos acabam cobrando isso dos pais. Para que o modelo funcione, depende muito das pessoas — defende.
Quantidade para separação é insuficiente nas associações
Se as condições de trabalho dos recicladores dependem diretamente do descarte correto do lixo, a quantidade de materiais que chega às associações é outra dificuldade enfrentada pelas associações conveniadas com o município.
O problema parece paradoxal, dada a quantidade de lixo coletada diariamente pela Codeca, mas se explica pelo aumento no número de catadores informais e recolhem os materiais antes dos caminhões da Codeca. São pessoas que passam pelos contêineres com carrinhos manuais ou até veículos motorizados.
— Do material dos contêineres, aproveitamos 30%, 40% no máximo. Tem muita coisa misturada e passam os catadores antes e levam os materiais — relata Estela Marcondes, da Associação de Recicladores Serrano.
Segundo Estela, a atuação dos catadores se intensificou desde o ano passado.
— Teve semanas que trabalhamos dois dias e meio e tivemos que ir para casa, porque não tinha material. No último ano, achamos que não íamos conseguir sobreviver — lembra.
Na última terça-feira, o Pioneiro contou quatro catadores buscando materiais no mesmo contêiner em apenas uma quadra da área central de Caxias, no intervalo de uma hora. Estela não culpa, porém, os trabalhadores pelo problema.
— Acho que é muito desemprego, né? Todo mundo tem que sobreviver — resume Estela.
Por conta do aumento de resíduos gerados com as festas de fim de ano, o galpão da reciclagem no bairro Serrano ainda está abarrotado de materiais neste início de 2018. Contudo, os cooperados temem que o baixo estoque de seletivo se repita nos próximos meses.