A Fundação de Assistência Social (FAS) não esconde a empolgação com o programa Superação, projeto que substituiu o Acolhe Caxias e tenta reorganizar os serviços socioassistenciais para pessoas em situação de rua. Nos 120 dias de implantação do programa, completados amanhã, o novo sistema já colhe exemplos bem sucedidos. De 33 pessoas atendidas nesses quatro meses, cinco deixaram de viver na rua, cinco conseguiram oportunidades de emprego em outros municípios e quatro continuam recebendo acompanhamento. Os demais tomaram rumos diferentes (ver quadro abaixo).
O conceito do programa é aparentemente simples: tornar acessíveis políticas públicas à população de rua e apresentar perspectivas e metas para o futuro. A execução, no entanto, depende de um amplo trabalho, que começa no primeiro contato na rua, passa pela análise individual e do perfil de cada usuário que busca os serviços.
— A abordagem social respeita a vontade pessoal. Se a pessoa não quiser ser acolhida, é o desejo dela. Ainda assim, nos comprometemos a entregar os medicamentos diariamente a esse morador de rua — explica Eller Sandra de Oliveira, assistente social e responsável pela diretoria de Proteção Social Especial Alta Complexidade da FAS.
O procedimento inicia via Centro de Referência Especializado para População de Rua (Creas Pop Rua), que recebe homens e mulheres, seja por meio da busca espontânea ou em abordagens de assistentes sociais nas calçadas. O Pop Rua centraliza o atendimento básico e realiza avaliação técnica. A partir do acolhimento, há elaboração de um plano individual para cada pessoa conforme as necessidades específicas, podendo a ação ser direiconada para as áreas da saúde, educação, assistência social ou até qualificação profissional. O objetivo final é fazer com que os usuários tenham autonomia e possam ser desligados dos serviços de acolhimento.
— O diferencial é o tratamento singular, que permite analisar cada caso, respeitar as individualidades. É mais difícil para nós que trabalhamos no processo, sim, mas com certeza os resultados são muito mais positivos — afirma a presidente da FAS, Rosana Menegotto.
Apesar dos resultados e da disposição demonstrada por parte de moradores de rua, as barreiras para a reinserção social ainda são um entrave, conforme a diretora de Proteção Social, Eller Sandra de Oliveira.
— Temos dificuldades em conseguir a aceitação dessas pessoas (em situação de rua) em empresas. Apesar de o mercado de trabalho estar concorrido, o principal problema é ainda o preconceito e o estigma. Muitas vezes, ao informarem que residem em uma casa de acolhimento, elas são automaticamente descartadas nos processos de seleção — lamenta.
"Vou um passo de cada vez"
Um dos casos citados como exemplo de superação é o de Iago Mateus Moraes Boff, 22 anos. Frequentador dos serviços de acolhimento em Caxias desde os 17 anos, hoje ele trabalha como reciclador informal. Apesar de avaliar com cautela o própria situação, o jovem afirma ter ambições em conseguir um emprego com carteira assinada e concluir os estudos.
— Eu admito que antes me aproveitava do acolhimento, não tinha interesse com nada. Mas de uns tempos pra cá, mudei. Quero terminar meus estudos até o fim do ano e ter um serviço formal. Meu sonho é me tornar educador, mas vou um passo de cada vez — relata.
Usuário de drogas desde os 10 anos, ele comemora ter largado o crack há quase dois anos:
— Minha mãe me falou semana passada que eu posso viver com ela de novo se eu quiser. Isso é mais um sinal de que as coisas estão dando certo. Para mim, tudo isso foi mesmo uma superação. Cheguei ao fundo do poço com o crack, hoje, faz um ano e oito meses que não uso e aos poucos estou conquistando de volta tudo o que perdi — destaca.
A mesma dificuldade de Iago é replicada pelo artesão, Renato Debetio, que reclama da falta de oportunidades no mercado de trabalho. Desde que teve o material que permitia realizar a atividade de escultor furtado, ele afirma não ter mais conseguido uma renda fixa.
_ Além de todo o preconceito pela minha condição, ainda tenho que enfrentar preconceito devido à idade. Tenho 58 anos, sou qualificado, já fui gerente de transportadora, bancário, mas mesmo assim, as empresas me consideram velho demais.
Ele, que perdeu residência após a morte de parentes e do rompimento de vínculos familiares, considera o acolhimento que recebe na Casa de Passagem São Francisco, essencial para se reerguer na vida.
_ Sem ele eu estaria na rua. Agora mudando de estação é bom, mas o inverno é terrível. Morei um ano e três meses na rua, mas buscava me abrigar nas salas de espera do Postão e do Pompéia. Agora estou conseguindo voltar graças a esse incentivo _ comenta.
Já Everson Castoldi, 40 anos, está em situação de rua há cerca de seis anos. Ele relata que a perda de vínculos familiares e brigas por herança forçaram essa condição. Há quatro meses acolhido na Casa de Apoio Celeiro de Cristo, ele conseguiu terminar os estudos e buscar capacitação profissional. Ainda assim, ele vê dificuldades para estabelecer vínculo empregatício:
_ As pessoas gostam muito de dizer que gostariam de ajudar. Mas basta verem que você reside numa casa de apoio para o tratamento mudar. A sociedade gosta muito de jogar na sua cara o passado. Não importa o que você se tornou, para elas (as pessoas) você continua sendo um morador de rua.
Mudanças para 2018
A superação de cinco homens em situação de rua pode ser considerado um número baixo num universo de 322 pessoas que buscam atendimento todos os meses no Centro Pop Rua. Para a FAS, no entanto, as cinco pessoas que conseguiram a autonomia simbolizam uma grande vitória.
— São cinco indivíduos que estão encaminhados para um futuro. Fora os demais que conseguiram oportunidades em outros municípios e os que estão sendo acompanhados, que em breve devem se tornar independentes também. O plano individual de atendimento torna o processo mais lento, mas é o que humaniza e proporciona a perspectiva pra essas pessoas — defende a presidente da FAS, Rosana Menegotto.
Contudo, ela considera que há melhorias a serem realizadas.
— Estamos buscando aprimorar as abordagens noturnas. Hoje, é só a Guarda que faz esse serviço. Pretendemos colocar nossas equipes de assistência social para atender o período da noite — informa.
A medida, no entanto, só deve começar a partir de fevereiro de 2018.
Outras propostas para aperfeiçoar o programa visam a implementação do projeto de qualificação profissional, junto à Universidade de Caxias do Sul (UCS) com garantia de certificado. Também em parceria com a instituição de ensino, é planejada a execução de uma incubadora social para geração de renda. Para esse projeto, há inclusive garantia de R$ 100 mil em recursos federais.
— Queremos consolidar políticas públicas para o setor. Quando a população começa a enxergar com apatia e considerar comum moradores de rua comporem a paisagem urbana, é sinal de que algo está errado. Não podemos permitir isso. Queremos mudar essa realidade — conclui Rosana.