Dos inúmeros legados musicais que a obra de Adelar Bertussi deixa, um é mais especial. Gilney Bertussi é o segundo filho do acordeonista e há mais de 25 anos toca em frente o projeto Os Bertussi. O grupo tem uma agenda de shows sempre cheia, ecoando em todo país a tradição por trás do sobrenome que se tornou símbolo de baile bom.
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Muito abatido com a perda do pai, ocorrida na manhã deste sábado por problemas cardíacos, Gilney Bertussi falou rapidamente com o Pioneiro por telefone.
— Posso dizer que a vida inteira, desde gurizinho, sempre estive com ele, me ensinou a ser músico, me passou todo o legado dele. E eu estou levando adiante esse legado, agora ele me deixou sozinho — lamentou.
Gilney contou que o pai estava internado num hospital de Curitiba (cidade onde vivia com a família) havia 22 dias. Há pelo menos 20 dias, o músico estava na UTI em decorrência de problemas cardíacos. O corpo de Adelar Bertussi será transladado até a localidade de São Jorge da Mulada, em Criúva, comunidade do interior de Caxias onde os irmãos Honeyde (1923-1996) e Adelar cresceram e onde existe um memorial de resgate da história da família Bertussi.
Antes de desligar o telefone, Gilney fez questão de, de certa forma, acalentar os fãs de Adelar com uma perspectiva otimista:
— Quero dizer que ele saiu daqui para ir tocar e cantar no céu!
O velório de Adelar Bertussi deve começar na manhã deste domingo e se estender ao longo de todo o dia e noite, em São Jorge da Mulada. Uma homenagem está marcada para ocorrer as 16h, com um encontro de gaiteiros. O sepultamento está marcado para as 10h da segunda-feira, na mesma localidade.
O músico Adelar Bertussi é uma unanimidade, seja entre músicos de veia mais popular, seja entre os considerados mais eruditos. Uma prova do livre trânsito entre as duas vertentes é a própria trajetória do acordeonista. Ao lado do irmão Honeyde, Adelar era autor de mais de 400 composições, muitas delas consideradas clássicos absolutos do cancioneiro gaúcho. Ao mesmo tempo, o acordeonista era um virtuose no seu instrumento, publicou livros, fazia exercícios diários e influenciou centenas de músicos com sua técnica apurada. Em 2011, o músico foi personagem do documentário O Tropeiro da Música Gaúcha, dirigido por Lissandro Stallivieri, que contou sua impressionante trajetória na música. Em 2013, o caxiense recebeu o Prêmio Açorianos pelo conjunto da obra.
Abaixo, veja a repercussão da perda de Adelar Bertussi:
"Na década de 1950 e início dos 1960, a música gaúcha claudicava, quase não existia a não ser a obra do Pedro Raymundo. Aí eles (Irmãos Bertussi), de uma forma inédita e com muita valentia e destemor, começaram a se aprofundar no estudo da música e se aventuraram em gravações no Rio de Janeiro, quando não tinha gravadoras no sul. E foram abrindo caminhos. Eles foram modelos, inspiração para muitos artistas. Como eles tocavam com frequência na nossa região, Bom Jesus, nós fomos muito influenciados. (...) O Adelar, junto com o Honeyde, mas também com o Itajaiba Mattana, se dedicou à música regionalista, à música baileira e fandangueira, compôs inúmeras músicas que repercutem até hoje e sempre vão repercutir nos bailes gaúchos.(...) Em qualquer iniciativa ligada à música, o Adelar sempre estava pronto para ajudar, com aquela simplicidade dele e sempre de muito bom-humor."
Edson Dutra, acordeonista e líder do grupo Os Serranos
"Para a música gaúcha é um momento triste porque o Adelar era um grande acordeonista, que influenciou não só uma, mas várias gerações, inclusive a minha, que sou mais das antigas. Realmente é uma perda muito grande. Ele se manteve muito lúcido até o fim e presente na vida artística do Rio Grande do Sul, principalmente na dos gaiteiros. Além de tocar muito bem, tinha uma técnica muito apurada, uma maneira de tocar muito peculiar e um cara muito propagador da música serrana."
Paulinho Cardoso, acordeonista do projeto Rock de Galpão
"Hoje mesmo postei no Facebook um vídeo de gravação de Oh de Casa que os Fagundes fizeram e o tio Nico dizia que Os Bertussi são pioneiros num toque especial da música do Rio Grande do Sul. Além da questão das duas gaitas, eles foram pioneiros em introduzir a bateria na música do Rio Grande do Sul. O grande legado que deixam é com a qualidade da música, tanto no toque do acordeom, quanto num contexto geral de uma banda. Nos deixam um legado de muita responsabilidade com a qualidade musical, de que cada vez mais temos que inovar e caprichar, sabendo das nossas origens, seja na Criúva, seja no Inhanduí."
Ernesto Fagundes, músico, compositor e cantor do conjunto Os Fagundes
"Lembro que quando ia nos rodeios, eu tinha uns 15 anos, me chamava atenção o sistema de tocar do Adelar. E ele fazia isso não só nas músicas gaúchas, mas também com clássicas e até russas. Era um virtuosismo que é o que acabei desenvolvendo. Mas não um virtuosismo gratuito, para aparecer. Um virtuosismo realmente musical. Posso dizer que ele é muito responsável pela forma como eu toco hoje."
Renato Borghetti, acordeonista
"Minha admiração pelo Adelar sempre foi muito grande, não só pelo músico, mas pela pessoa. Tinha um domínio de palco como poucas vezes eu vi. Foi uma influência direta na minha carreira. Quando comecei a tocar, aos 12 anos, era o que a gente ouvia no rádio. Ele e o Honeyde eram os ídolos da minha família. Não existiria a música gaúcha dos Campos de Cima da Serra sem os Bertussi. Onde ele chegasse era uma pessoa muito carismática. Nem sempre um artista deixa uma impressão assim como uma pessoa amável."
Oscar dos Reis, acordeonista