O câncer de pulmão, o tipo de tumor que mais mata no Brasil, com estimativa de 30 mil novos casos por ano, será tema de um workshop nesta quinta-feira e sábado no Hospital Geral (HG), em Caxias do Sul. O evento será no auditório Censi Florense e é destinado a profissionais e acadêmicos da área da saúde. As vagas estão esgotadas.
O objetivo é fomentar a discussão de avanços recentes no cenário do câncer, como, por exemplo, o conhecimento genético da doença, que permite tornar os tratamentos mais personalizados. Além disso, a intenção é consolidar Caxias do Sul como um centro formador de opinião. A organização é do diretor de Ensino e coordenador da Unacon, André Reiriz, e do chefe de cirurgia do Hospital Geral, Darcy Pinto Ribeiro.
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O evento traz a Caxias especialistas que vão apresentar novas terapias para a doença. Entre eles, está o oncologista e pesquisador André Márcio Murad, que atua na Universidade Federal de Minas Gerais. Ele vai apresentar processos inteligentes no tratamento contra o câncer que substituem a quimioterapia.
Com doutorado em genética e pesquisador da área do câncer há 27 anos, Murad é pioneiro e referência internacional em estudos clínicos de novos tratamentos para a doença, responsável pela morte de mais de 8 milhões de pessoas em todo o mundo anualmente.
Autor de três livros, ele garante que o diagnóstico e o tratamento do câncer passaram por profundas e extraordinárias mudanças nos últimos 12 anos.
A esperança de vida dos pacientes com a doença – no Brasil, as estatísticas apontam que em 2017 devem surgir cerca de 600 mil novos casos, segundo o Instituto nacional do Câncer (Inca) – está no estudo genético, aponta o especialista. Confira abaixo trechos da entrevista concedida por André Murad ao Pioneiro.
"Os avanços caminham a passos largos"
Pioneiro: Há esperança para a cura do câncer?
André Marcio Murad: Sim. Ela está no diagnóstico precoce da doença. Se todos os recursos terapêuticos forem utilizados, pelo menos metade dos pacientes vai ser curada. Quando o tumor for diagnosticado em sua fase avançada ou metastática, a cura não é possível para a maioria dos casos. Entretanto, graças aos tratamentos mais modernos, como a quimioterapia, o tratamento alvomolecular e a imunoterapia, a sobrevida dos pacientes tem sido prolongada. A tendência num futuro próximo é de que boa parte destes cânceres seja controlada através de um processo de "cronificação", tal qual acontece com o tratamento para aids com os modernos antirretrovirais. Com estes avanços, a sobrevida de pacientes portadores de câncer de pulmão, melanoma ou câncer de rim, por exemplo, passou de uma média de sete a nove meses com a terapia convencional para quatro a seis anos com a utilização de drogas alvomoleculares ou imunoterápicas. Os avanços caminham a passos largos.
Quais os avanços da última década?
O diagnóstico e o tratamento do câncer passaram por profundas e extraordinárias mudanças nos últimos 12 anos. A terapia convencional, usualmente baseada em agentes quimioterápicos que atuam em células de crescimento rápido, independentemente de serem tumorais ou normais, tem sido substituída pela moderna terapia alvomolecular, que atua especificamente nas células tumorais. Por essa técnica, as células normais são preservadas e, com isso, o tratamento é menos tóxico e mais efetivo do que a quimioterapia convencional. É a chamada oncologia personalizada ou oncologia de precisão, que passa a ser oferecida nos mais modernos e avançados centros de oncologia mundiais. Tumores apresentam diferentes perfis genéticos e, portanto, têm de ser tratados de forma personalizada ou customizada. A escolha da medicação mais apropriada deve se basear na análise deste determinado perfil genético, ou seja, "um paciente, um perfil genético, um tratamento". Essa é a grande mudança de paradigma da oncologia contemporânea.
O estudo genético de uma pessoa pode prevenir o aparecimento de um câncer?Sim. Não apenas o tratamento como a prevenção do câncer passaram a contar com uma poderosa ferramenta: a análise genética para a identificação de mutações responsáveis pela predisposição hereditária ao câncer. Identificando-se estas predisposições, que podem ser responsáveis por até 32% dos casos de câncer, uma estratégia de prevenção pode ser personalizada ou individualizada para cada paciente. Vários genes podem ser rastreados por meio de exames de sequenciamento genético, realizados com material de saliva ou sangue. Uma vez detectada a predisposição, podemos individualizar medidas preventivas e de rastreamento precoce específicas para o câncer ao qual o indivíduo está predisposto. Estas medidas variam desde modificações dietéticas e de hábitos de vida até o emprego de exames periódicos de imagem ou endoscópicos. Até mesmo cirurgias conhecidas como "redutoras de risco", como a remoção preventiva de mamas, ovários, tireoide ou intestino grosso, são indicadas.
Como a tecnologia genética pode ajudar na cura do câncer?
Nos casos dos pacientes com cânceres já diagnosticados, o mapeamento genético dos tumores pode estabelecer o prognóstico, orientar o tratamento, muitas vezes indicando terapias específicas para mutações então identificadas (a chamada terapia alvomolecular). Do mesmo modo, pode até contraindicá-los, pois determinadas mutações apresentam resistência a certos tipos de medicamentos. A moderna imunoterapia também é indicada ou contraindicada de acordo com a presença de mutações específicas, instabilidade genômica dos tumores e hiperexpressão de determinadas proteínas, como o ligante da proteína PD-1. O DNA das células tumorais circula pelo sangue periférico, e hoje já há tecnologia disponível para extraí-lo e também sequenciá-lo. É a chamada biópsia líquida. Esta ferramenta permite não só o diagnóstico molecular tumoral como também o monitoramento do tratamento, detectando com precisão a resposta, a remissão molecular e a recaída ou a resistência tumoral.
Os mais variados tipos de câncer podem ser detectados pela tecnologia genética?
Sim, embora nem sempre mutações ou variações gênicas relevantes sejam identificáveis nos tumores estudados. Mesmo quando mutações ou variações gênicas são identificadas nos tumores, em apenas 20% a 25% dos casos teremos drogas específicas para tratá-los de forma específica. Já as mutações herdadas, ou seja, aquelas que predispõem a cânceres, podem ser identificadas em até 32% dos casos. Esse diagnóstico guiará medidas preventivas nos portadores, incluindo seus familiares.
Como é feito o mapeamento genético?
Modernas tecnologias identificam, estudam e mapeiam os genes presentes no DNA ou RNA, tanto das células tumorais (mutações somáticas ou tumorais) quanto das células sadias, naqueles casos com suspeita de síndromes de predisposição hereditária ao câncer (mutações germinativas). Os genes podem ser estudados tanto individualmente, usualmente através da tecnologia de PCR (reação de polimerase em cadeia) quanto em grupos, através do chamado sequenciamento genômico. A revolucionária tecnologia de sequenciamento genético de nova geração (NGS) consegue estudar vários genes e sequências de DNA ao mesmo tempo, ou até mesmo todo o exoma tumoral ou germinativo, detectando com precisão mutações e variações gênicas causadoras de câncer ou promotoras do crescimento e da multiplicação tumoral. O exoma é o conjunto de éxons, ou seja, a parte do genoma com uma função biológica ativa, como as regiões codificantes de todos os nossos 20 mil genes. Nessa porção, portanto, encontra-se a grande maioria das alterações responsáveis pelas doenças genéticas, incluindo o câncer.
As novas drogas descobertas para o tratamento do câncer estão disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou somente pelos planos de saúde ou particular?Infelizmente, os tratamentos mais modernos para o câncer atingem custos elevados. É o caso das drogas alvomoleculares e da imunoterapia de última geração. O SUS não consegue acompanhar a brutal e rápida elevação de custos com os tratamentos e muitos destes medicamentos não são oferecidos na rede pública, a não ser por via judicial. Mesmo alguns planos de saúde têm dificuldades em oferecê-los. Por isso a importância de os centros oncológicos no Brasil estarem envolvidos em protocolos de experimentação clínica ou programas de acesso expandido destas medicações. Nestes casos, os medicamentos passam a ser fornecidos de forma gratuita aos pacientes. Para o câncer de pulmão, no momento, nem os imunoterápicos (anti -PD-1) nem as drogas alvomoleculares são disponibilizados regularmente pelo SUS.