O caso de um adolescente de Farroupilha que fez parte do perverso jogo Baleia Azul serve de alerta para pais e comunidade escolar sobre uma possível onda de casos na cidade e região. A mãe do jovem procurou a Polícia Civil na segunda-feira para revelar o envolvimento do filho numa desafio virtual que poder levar ao suicídio.
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A denúncia trouxe à tona outros relatos que chegaram ao conhecimento do Conselho Tutelar da cidade. Uma campanha está sendo organizada para conscientizar a população sobre os perigos do jogo. As "missões diárias" seriam orientadas por um curador pela internet, que verificaria se os resultados alcançados pelos jogadores são satisfatórios, e apresentariam graus de dificuldade variados: assistir a filmes de terror, acordar de madrugada, desenhar baleias, criar inimizades e se automutilar. O 50º e último desafio seria o de tirar a própria vida.
Ainda que não tenha chegado até a última tarefa que resultaria no suicídio, o adolescente farroupilhense deu sinais que levaram colegas de escola a procurar a direção do colégio. Conversas no WhatsApp em tom de despedida e braços machucados despertaram a atenção. O adolescente teria dito aos amigos também que iria aproximar-se mais da família para que sentisse mais saudades dele quando partisse. Em conversa com a diretora e a mãe, o jovem teria negado sobre a existência do jogo e dos planos de suicidar-se. No entanto, no contato apenas com os pais, ele confessou que seguia, de fato, as ordens da "brincadeira".
O menino passará por acompanhamento psicológico a partir desta quarta, e os envolvidos serão ouvidos pela polícia. A mãe do jovem alerta para a velocidade com que tudo aconteceu: em menos de uma semana, o menino mudou o comportamento de forma brusca e também apareceu com ferimentos no braço. Ele teria chegado somente até a quinta tarefa.
– A gente sabe que é muito dificil de ser adolescente, mas queremos que eles saibam que pra tudo na vida tem uma saída. E que ao destruir a vida deles, eles acabam destruindo dezenas de outras vidas que estão ao redor – diz a mãe.
O desfecho da história poderia ser trágico caso os alunos não notassem as mudanças de comportamento do colega.
– Ele ficava muito nervoso quando tocávamos no assunto porque não podia falar sobre ele. O sigilo seria regra do jogo – descreve a diretora.
O Conselho Tutelar não divulga o número de ocorrências envolvendo o jogo em Farroupilha, mas já emitiu um comunicado para chamar a atenção da população sobre a existência e gravidade do desafio. A prefeitura e outros órgãos públicos articulam uma mobilização para orientar e prevenir que atitudes como esta se repitam e pedindo que pais fiquem mais atentos ao comportamento dos filhos.
Conforme o conselheiro tutelar Dilço Batista Rodrigues, os adolescentes que teriam participado do jogo estão sendo encaminhados para atendimento com assistentes sociais, psicólogas e psiquiatras. Além disso, os pais são orientados a restringir qualquer tipo de acesso a internet dentro e fora de casa.
– Nos impressiona o aumento no número de casos e, por isso, estamos buscando estratégias capazes de banir a prática desse desafio no município. O alerta é para que as famílias e escolas fiquem atentas ao comportamento destes jovens e tentem identificar a presença do jogo o quanto antes – explica Rodrigues.
Trabalho conjunto em escolas
O caso do adolescente fez com que as secretariais municipais de Saúde, Educação e Assistência Social, além do Conselho Tutelar, produzissem uma cartilha com linguagem clara sobre as regras do jogo e as consequências que ele causa em uma família. A ação da prefeitura deve unir-se ao trabalho do Ministério Público e da Brigada Militar na próxima semana. A intenção é traçar estratégias de trabalhar o programa junto às escolas do 5º ao 9º ano, segundo a secretária de Saúde, Rosane Inês Bourscheidt da Rosa.
Ainda que tenha causado preocupação ao poder público, o caso não é tratado como novidade. Isto porque, segundo Rosane, grupos de jovens que estimulam o suicídio ou que se entitulam como "psicopatas" já foram identificados na cidade.
_ São grupos que falam sobre automutilação. Não é novo o assunto na cidade, mas ele chega agora com outro nome ou jogo. Precisamos nos articular em grupos de prevenção que ajam nas escolas e UBSs_ afirma a secretária.
Em sala de aula, a orientação é que os professores não provoquem o debate sobre a Baleia Azul, exceto quando surgir dúvida dos alunos. Os casos devem ser registrados pelos colégios em delegacias de polícia. O aluno, por sua vez, deve ser encaminhado à rede pública de saúde. Outra orientação é para pais ou professores informem o Conselho Tutelar, segundo a coordenadora da Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar, a Cipave, Marivane Carvalho da Rosa:
_ O ideal é não falar do assunto de forma curiosa porque desperta a vontade de ser falado. Mas também o adolescente não pode ficar sem esclarecimentos, sem ajuda_ aconselha Marivane.
De acordo com o delegado Rodrigo Morale, a princípio, colegas e professores do garoto haviam estranhado a mudança de comportamento dele e, então, alertado a mãe do adolescente, que já tinha conhecimento sobre o desafio. A mulher procurou a polícia na tarde de segunda-feira.
_ Pretendo ouvir o menino nos próximos dias para iniciar uma investigação. Sabemos que é uma rede bem fechada, mas a ideia é chegar até os organizadores do jogo _ afirma Morale.
Em 2016, oito pessoas tiraram a própria vida em Farroupilha _ não foi informado a faixa etária das vítimas.
FIQUE ATENTO
Mudanças de comportamento em jovens que podem indicar tendências ao suicídio:
z Falar sobre morte e suicídio, mesmo que indiretamente, como vontade de "sumir", "desaparecer", "ir embora";
z Isolamento (afastar-se da família, dos amigos);
z Perda do interesse em atividades que costumava fazer;
z Perda do interesse nas pessoas;
z Mudança no hábito de sono (insônia ou aumento das horas dormidas);
z Mudanças dos hábitos alimentares (perda ou aumento de apetite);
z Irritabilidade, crises de raiva;
z Piora no desempenho escolar;
z Recusa em ir à escola;
z Comportamentos autodestrutivos (automutilação, uso de álcool e drogas, exposição a situações de riscos);
z Ter tentativas de suicídios anteriores;
z Mudanças de comportamento em geral;
z História de suicídio ou tentativa de suicídio na família;
z Diagnóstico prévio de doença mental;
z Exposição à violência;
z Situação de bullyng;
z Abuso sexual prévio ou recente;
z Postagem de baixo autoestima nas redes sociais;
z Interesse anormal por filmes de terror, passando horas assistindo;
z Preocupações repentina com mortes, morrer e violência.
*Fonte: Conselho Tutelar de Farroupilha
Origem do jogo não está clara
A origem do jogo não está clara. No ano passado, especula-se que mais de uma centena de suicídios na Rússia e até alguns casos no Brasil tenham ligação com a brincadeira macabra, uma espécie de gincana com tarefas a serem cumpridas ao longo de 50 dias. Os desafios são enviados via redes sociais.
No Rio de Janeiro, a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) está traçando o perfil dos participantes da Baleia Azul. Uma avaliação preliminar indica que os convidados a entrar no jogo são adolescentes entre 12 a 14 anos, em média, e com tendência à depressão. A maioria resiste em sair do jogo por temer ameaças dos administradores. Contudo, há dúvidas sobre a existência de pessoas que estão orientando ou monitorando os jogadores no cumprimento das tarefas.
A Polícia Civil instaurou, na semana passada, um inquérito para averiguar a possível atuação de curadores do jogo no Rio Grande do Sul. Segundo o delegado Rodrigo Bozzetto, diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), a investigação foi motivada por "possíveis e prováveis casos de automutilação e suicídio" no Estado.