Pegas de surpresa por notificação da direção da Festa da Uva S/A, oito empresas e entidades que ocupam atualmente réplicas das primeiras casas de Caxias do Sul terão de deixar, em 30 dias, o parque onde ocorre o evento. A alegação é que elas estão abandonadas e até mofadas, e serão destinadas para um novo empreendimento, que ainda não foi definido. Os ocupantes, porém, falam que se trata de uma retaliação política e dizem que um grupo de empresários deve investir nas casinhas de madeira.
Espaços tradicionais, como o Bodegão de Vivaldo Vargas da Silva e o Museu do Comércio, mantido pelo Sindilojas, serão desativados. As notificações (veja na imagem abaixo) foram encaminhadas para a Exposul, Conci Turismo, Museu do Comércio, Bodegão, Arte do Turismo, Clube de Bochas, Milonga Casa Gaúcha e uma oitava entidade, cujo nome ainda não foi divulgado.
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Conforme o diretor da Festa da Uva, Cleiton De Bortoli, a empresa estuda transformar o parque em ponto turístico para o ano inteiro e cogita assumir o custo de atrações como a Casa de Rolhas e o espetáculo de Som e Luz, com terceirização ou licitação. A intenção é que as réplicas sejam utilizadas para abrigar atrativos relacionados à cultura do município.
– O prefeito queria uma empresa autossustentável e o fomento do turismo para o parque. Estamos pensando alternativas. Do jeito que está, não dá para ficar. As casas estão se deteriorando, sempre fechadas e mofando. Temos de colocá-las em funcionamento. Hoje o turista vai para as cidades vizinhas. Que atrações ele teria aqui? Ele quer ver um pouco da história, da cultura, e a ideia é fazer um pacote com Som e Luz, Casa de Rolhas e as réplicas – afirma De Bortoli.
Ele informou que o material do Museu do Comércio será colocado em uma sala no Palácio do Comércio até que um novo lugar para o acervo seja encontrado. Inaugurado em 2000, ele armazena objetos como móveis, rolos de fumo, ferrarias e chapéus, além de alimentos que reproduzem fielmente um estabelecimento comercial da época em que os imigrantes chegaram à cidade. O presidente do Sindilojas, Sadi Donazzolo, critica a falta de diálogo:
– Há cerca de um mês, mandaram um e-mail ajustando o aluguel em quase 300% (de R$ 300 para R$ 850), e pediram para que mantivéssemos o museu aberto. Mas, entre o aluguel e o custo com funcionários, gastaríamos R$ 70 mil por ano. Nesta semana, quando diretores foram lá conversar sobre o assunto, um servidor apenas nos entregou a carta para sair.
"Foi uma facada nas costas"
Com lágrimas nos olhos, o proprietário do Bodegão lamenta o que considera uma "facada nas costas". Vivaldo Vargas da Silva, 67, dedicou os últimos 16 anos de vida para atender turistas e caxienses na réplica de número 11 do parque. Com bom humor, muitas histórias para contar e um acervo vivo do evento, ele reproduz fielmente um comércio típico da colônia, de onde veio.
Entre pasteis, salames, cafés, graspas, vinhos caseiros e outras especiarias da Serra Gaúcha, Vivaldo conversa com os clientes e mostra a evolução da Festa da Uva por meio de fotos, recortes de jornais e da própria memória. Nas paredes, as imagens de personalidades que passaram pela casinha demonstram a ligação do comerciante com Caxias do Sul.
– É triste, eu choro. De repente, a gente recebe uma notícia dessas... É horrível. Nunca explorei a Festa da Uva, sempre prestei serviço. Eu disse para ele (prefeito Daniel Guerra): se você quer movimentar o turismo, deixe a gente e arrume as casas que estão fechadas. A minha está aqui, conservada. Não tem nada podre. A gente procura manter tudo em ordem – lamenta.
A réplica está sempre aberta aos sábados e domingos, das 14h às 18h. Entre os estrangeiros recebidos por Vivaldo, há gente da Austrália, China, França, Coreia do Sul e dos Estados Unidos. Pessoas que pesquisam sobre Caxias na internet e acabam se interessando pelo Bodegão por causa dos comentários de clientes.
– Eu não tiro meu sustento daqui. Faço de coração. Há fins de semana que não ganho R$ 10, mas o meu prazer é ficar aqui com os turistas. A minha satisfação é contar a história de Caxias e ouvir um muito obrigado – relata o comerciante.
Outra casa que será desativada é a da Arte do Turismo, de número 13, que trabalha com turismo receptivo.
– Temos até o dia 20 de abril para sair, estamos correndo. Diria que fiquei anestesiada. Estou aqui diariamente, das 8h às 19h, há sete anos. Espero que seja por uma coisa boa, porque temos uma estrutura grande que o pessoal adora e elogia. Nossos clientes são os hotéis e as próprias agências da cidade. Vendemos toda nossa região para quem vem e promovemos a Festa da Uva desde 2006 – diz Mônica Leigue Della Torre, diretora da empresa.
De Bortoli argumenta que "ninguém está sendo expulso" e defende a competitividade contra municípios como Garibaldi e Bento Gonçalves:
– Estamos vendo que alguns serviços estão se deteriorando dentro do parque, atrações que só funcionam no período da Festa da Uva. Esses espaços pagam um valor simbólico para estarem ali, cerca de R$ 200 ou R$ 300 mensais. A decisão é para deixar o parque atrativo, para que os turistas fiquem em Caxias.