Apesar do aumento no número de pessoas que têm acesso ao tratamento contra o HIV, a diretora do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids Brasil), Georgiana Braga-Orillard, ainda verifica que há pacientes sem acesso aos coquetéis antirretrovirais. Em entrevista ao Pioneiro, Georgiana aborda o aumento de jovens com a doença e a falta de importância que se dá ao assunto nos dias de hoje. Confira:
Pioneiro: Estatísticas mostram aumento do número de pessoas em tratamento contra o HIV. Isso significa um aumento do número de pessoas com a doença ou apenas mais pessoas procurando medicação?
Georgiana Braga-Orillard: O aumento é resultado dos esforços globais para ampliação da oferta do tratamento como parte das metas de aceleração da resposta à epidemia pelo Unaids. Apesar de registrarmos uma estabilidade ou ligeiro crescimento das novas infecções entre adultos, o ritmo de crescimento do acesso ao tratamento é bem maior. Em 2010, 7 milhões de pessoas estavam em tratamento. Hoje, seis anos depois, esse número mais que dobrou e está em 18 milhões. Este aumento é também é reflexo de mudanças no protocolo da Organização Mundial de Saúde (OMS) que hoje recomenda que os países ofereçam tratamento a todas as pessoas diagnosticadas com HIV, independentemente da contagem de CD4 (células de defesa que se transformam em “fabricantes” do vírus no organismo). O Brasil foi um dos primeiros países a adotar a abordagem de “testar e ofertar” em 2013, antecipando as mudanças do protocolo da OMS. É importante celebrar esse sucesso. Porém, tão importante quanto isso é termos consciência de que mais da metade das pessoas vivendo com HIV ainda não têm acesso ao tratamento antirretroviral. Por isso, temos trabalhado para que os países, os governos estaduais e municipais construam suas cascatas de tratamento e garantam que, até 2020, 90% das pessoas com HIV estejam testadas e cientes de seu diagnóstico positivo e em tratamento antirretroviral.
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O aumento dos adolescentes com Aids revela descuido ou falta de informação?
O jovem de hoje é, sem dúvida, o mais conectado e mais inundado de informações da história da humanidade. A juventude nunca teve tanto acesso à informação. Ao mesmo tempo, ela nunca esteve tão despreparada para lidar com esse fluxo de informação ao ponto de dar um sentido, filtrar de forma adequada e assimilar isso para suas decisões da vida cotidiana. Mas não podemos olhar essa situação e apontar o dedo para os jovens. A educação em sexualidade, que inclui a prevenção do HIV e de outras infecções sexualmente transmissíveis, como a sífilis, deve ser reforçada nas escolas, orientada pelas evidências científicas e adaptadas para as diferentes idades e gêneros dos estudantes. Contudo, o papel de transmitir informações adequadas aos jovens para que tomem decisões seguras sobre a vivência de sua sexualidade não deve recair somente à escola. O que falta é um pacto social em que famílias, escolas, mídia, governos e sociedade civil possam desenvolver um diálogo franco e aberto sobre vida sexual e reprodutiva, sem tabus, sem meias palavras e sem hipocrisia.
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Há uma percepção de que as pessoas não se preocupam mais com a Aids. É apenas uma impressão ou é fato?
O avanço médico e o sucesso da resposta nos últimos anos certamente passou a garantir às pessoas com HIV uma qualidade de vida muito melhor. Hoje, portadores do vírus têm estimativa de vida semelhante à de uma pessoa não infectada pelo vírus. Em parte, esse sucesso tirou da sociedade os “rostos da Aids” que éramos acostumados a ver nas décadas de 1980 e 1990, quando a maioria ainda morria por complicações relacionadas à doença. Nos focamos na ciência, nas novas descobertas e esquecemos o debate sobre sexualidade nas escolas e em diversas outras esferas. Isso nos tornou alheios e distantes da epidemia. Outro ponto importante é o preconceito e a discriminação. Depois de mais de três décadas lidando com a Aids, já deveríamos ter eliminado essa barreira. O preconceito afasta as pessoas dos serviços de saúde, provocando o isolamento, a falta de informação e até mesmo o medo de se descobrir soropositivo.