O vaivém de carros e o barulho do trânsito que envolve diariamente a Rua Pinheiro Machado destoa da paz que reina na Casa Madre Teresa, situada na mesma rua, no bairro Lourdes, em Caxias do Sul. Dentro do local, a prece silenciosa é conforto a dezenas de homens e mulheres que recorrem ao serviço de solidariedade para saciar a fome, garantir uma peça de roupa em bom estado ou ainda obter medicação que está em falta em farmácias públicas. Outro item difícil de obter também é ofertado ali: compreensão. O serviço, oferecido por voluntários, é inspirado na bondade de Madre Teresa de Calcutá, religiosa que será canonizada neste domingo pelo Papa Francisco, no Vaticano. Pode- se dizer que o sonho da beata de diminuir a miséria é levado a sério por pelo menos duas centenas de voluntários caxienses.
– As pessoas chegam aqui buscando, principalmente, serem ouvidas – conta Celita Agostini Aver, voluntária há 15 anos.
O serviço da casa, que pode parecer tão modesto quanto sua estrutura, na verdade é capaz de mudar a realidade de pelo menos 1,8 mil pessoas a cada mês. A rede de solidariedade é mantida com doações e com verba da Catedral Diocesana. Os números impressionam: mensalmente, são distribuídas quase quatro toneladas de alimentos, 12 mil fraldas e centenas de peças de roupas. Grupos como soropositivos e gestantes recebem atendimento exclusivo. Mas não só eles: quem chega lá, obrigatoriamente, é acolhido individualmente. Passa por uma triagem que envolve conversa, abraço e encaminhamento para as principais necessidades. Nos casos em que há distribuição de cesta básica, a equipe vai até a casa da família conhecer a realidade e confirmar se aquele alimento fará, de fato, diferença. Não é só a garantia de que o alimento vai para as mãos certas: é uma visita de amigo.
– O serviço começou distribuindo sopas, e percebemos que a ideia não é oferecer coisas. É acolher e dar atenção, ajudar em absolutamente tudo o que for possível – afirma o pároco da paróquia Santa Teresa D’Avila, Oscar Chemello.
Maria Jesus de Melo Paim não soube sequer rubricar em seu documento de identidade, mas orgulha- se de que seu nome remete a dois personagens bíblicos. Aos 73 anos, ela fala tão pausadamente e baixinho que é difícil entendê- la. É voz de avó e de mãe, que mesmo vivendo sozinha em uma moradia precária no bairro Vila Ipê, segue até a Casa Madre Teresa para garantir medicamento a uma filha. Ela sobrevive com um benefício ( não soube detalhar o nome, mas garante que não se trata de aposentadoria) de cerca de R$ 700. É dinheiro bom, argumenta, o suficiente para emprestar aos vizinhos quando necessário. Dona Maria é uma das milhares de beneficiadas da Casa Madre Teresa. Na última quarta- feira, deixou o local após receber uma sacola de alimentos, medicação para problemas cardíacos e, claro, um abraço apertado das voluntárias. Ela se diz católica, mas confessa que frequenta outra igreja com a filha, para lhe fazer companhia. Isso tudo não é importante diante da gratidão que nutre pelas voluntárias. Quando questionada sobre conhecer ou não Madre Teresa, Maria estufa o peito e define:
– Ela é a santinha que me dá comida e remédio. Quero ela tão bem, tão bem...
Canonização terá missa em Caxias do Sul
A Catedral Diocesana de Caxias do Sul sediará neste domingo uma missa de ação de graças pela canonização de Madre Teresa de Calcutá. A cerimônia ocorre às 19h, e será celebrada por Dom Leomar Brustolin, bispo auxiliar de Porto Alegre. Haverá presença dos voluntários que atuam na casa e são coordenados por uma fiel seguidora do trabalho da beata Teresa: a irmã Eneida Lazzari, 73 anos. Eneida conheceu as caridades da congregação fundada pela madre na região nordeste do país e hoje pode repetir o socorro na instituição caxiense. Aqui, dezenas de voluntários elaboram fraldas infantis e geriátricas uma vez por semana. Outros trabalham na triagem de roupas.
Há quem seja responsável pelo acolhimento, e também mulheres que tricotam enxovais para gestantes que são beneficiadas ali. Mirian Gomes, 30, está no final da gestação de André Lucas. Ao pedir roupas na Fundação de Assistência Social ( FAS), recebeu a indicação de conhecer a Casa Madre Teresa. Desde então, semanalmente, tem encontros com nutricionista, ginecologista e psicóloga. De quebra, saiu do último encontro com um enxoval completo.
– Eu me sinto muito bem aqui. É meu lugar de conhecimento e desabafo – afirma.
Grupo ajuda público soropositivo
Sandra* descobriu que o marido era portador do vírus da Aids quando ele estava prestes a morrer, em 1998. O caminhoneiro com quem era casada havia 15 anos trocava de canal a cada chamada na televisão, não gostava de cogitar a existência da doença. Mas, sem tratamento, a doença abreviou a vida dele. Logo depois, exames confirmaram que Sandra também era soropositiva. Ela lembra que a perda de 20 quilos foi difícil de suportar, mas não a prejudicou tanto quanto o preconceito. Sandra, então, deixou um pequeno município da região e rumou a Caxias, em busca de tratamento médico e novos relacionamentos.
Nem imaginava que além de medicação, a solidariedade de gente que segue os ensinamentos de Madre Teresa daria um novo sentido ao seu caminho até então incerto.
– Me sinto tão bem lá. Frequento toda segunda- feira, desde 2008. Falo de tudo lá, menos da doença. Isso já é assunto superado – afirma a aposentada de 57 anos.
Ela integra o Grupo Esperança, exclusivo para soropositivos. É um trabalho realizado por meio de terapia ocupacional, que foca na qualidade de vida dos pacientes. Além de oficinas de artesanato, os integrantes recebem cesta básica, roupas, remédios complementares e outros benefícios.
– Eles colocam para fora as coisas boas e ruins, têm a liberdade de se manifestar, de aprender coisas novas, de estar à vontade – explica a coordenadora do grupo, Lorena Basso.
* O nome foi trocado a pedido da entrevistada
Histórico da santa
:: Madre Teresa, a "incansável benfeitora da humanidade", como foi chamada pelo papa João Paulo II, nasceu a 26 de agosto de 1910 em Skopje, território albanês, atualmente capital da Macedonia, e morreu em 1997 em Calcutá, na Índia no dia 5 de setembro.
:: Fundou as Congregações das Missionárias da Caridade e dos Missionários da Caridade.
:: Agnese Gonxha Bojaxhiu é o seu nome de batismo e recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1979 pelo seu trabalho missionário e caritativo.
:: Foi beatificada por S. João Paulo II, em 2003.
:: A primeira intervenção de Teresa teria ocorrido em benefício de uma mulher indiana um ano após a morte da religiosa, em 1998. A segunda teria beneficiado um engenheiro brasileiro que se recuperou após enfrentar oito abscessos no cérebro.
:: Há quem critique a postura conservadora, a cordialidade com ditadores como o haitiano Baby Doc Duvalier, à má qualidade no atendimento prestado nas chamadas "casas de moribundos" e à falta de ações destinadas a emancipar os pobres.