É quase sempre assim: estava tudo certo, transcorrendo na maior calmaria quando, de repente, a relação virou de pernas para o ar. O bebê começa a chorar como se o mundo estivesse acabando, foram-se as noites de sono de toda a família, a alimentação fica mais difícil, e os pais (ah, os pais!) passam a colecionar cabelos brancos de tanta preocupação.
– Alguma coisa está errada com meu filho – é o que dizem assim que se sentam na cadeira em frente ao pediatra.
E frequentemente acalmam-se logo em seguida. Não há nada errado com a criança. Ela só está passando por mais uma fase de desconforto, necessária ao seu amadurecimento.
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Desde o nascimento até completar três anos, são pelos menos seis os possíveis momentos de "crise" – sendo dois deles os mais frequentes: a chamada angústia da separação, que costuma aparecer no oitavo mês, e a famosa fase terrible two, a "terrível" adolescência do bebê, que tem seu auge aos dois anos. Podem ser períodos de muita manha e birra, mas é importante que se saiba que estão relacionados aos saltos de desenvolvimento e picos de crescimento da criança.
– Toda crise ocorre porque o bebê vai sofisticando a sua maneira de ver o mundo à medida que vai se desenvolvendo. Ele assimila uma situação e entra em desiquilíbrio, o que é fundamental para que chegue à etapa seguinte, que é a da adaptação – afirma Ana Márcia Guimarães Alves, integrante do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Nem todas as crianças passam por esses momentos. E nem todas as que passam os enfrentam da mesma maneira – há as mais sensíveis e as menos incomodadas com as novas situações. Para algumas, duram apenas alguns dias, para outras, os períodos em que nada parece estar bom perduram por meses. Tudo normal. Não há motivo para desespero, necessidade de medicamento ou fórmula certa para contornar a situação. As únicas recomendações dos especialistas envolvem afeto e compreensão dos pais.
– Eles devem aprender a curtir cada momento pelo qual os bebês estão passando. Tem que ter equilíbrio, bom senso, tranquilidade e um ambiente saudável e acolhedor. Podem ser momentos difíceis, mas são tão marcantes e dão tanta felicidade para as famílias que precisam ser curtidos. Toda crise é um excelente momento para crescer – sugere a pediatra Desirée de Freitas Valle Volkmer, chefe do Serviço de Neonatologia do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre.
Aqui fora é tão diferente! – Primeiros dias
Foram nove meses de um escurinho aconchegante. O lugar não era lá muito grande, mas suficiente para abrigá-lo com conforto e segurança. Fazia calor na medida certa, havia o embalo ideal para tirar a constante soneca. O som de fundo não podia ser mais agradável: o dos batimentos cardíacos da mãe. Não tinha mesmo do que reclamar. Só que um dia faltou espaço, e foi preciso nascer.
O bebê deixou o útero e foi tomado por uma luz branca, característica dos hospitais. Médicos e enfermeiros o levavam para lá e para cá. Recebeu carinho da mãe e do pai. E foi para casa (uma bem diferente daquela em que morou por cerca de 40 semanas) com a missão de se habituar a uma nova rotina: mamar no peito, ouvir barulhos diferentes, ser embalado por um monte de gente que não via a hora de conhecê-lo.
Se for considerada a série de mudanças repentinas pelas quais são desafiados, há de se concordar que ser bebê não é tarefa assim tão fácil. E aí os pais, que idealizavam o "serzinho" perfeito, têm de entender o chororô, que pode se intensificar lá pelo quarto ou quinto dia de vida.
– Ele perdeu todas as referências que tinha: os limites do espaço onde estava, a forma como se alimentava, passa a ter uma experiência sensorial com o mundo, tem de conviver com a luz. É normal que fique um pouco mais agitado, afinal, precisa se adaptar a um novo ambiente – afirma a pediatra Desirée Volkmer.
Aos pais inexperientes, trata-se do primeiro aviso: é melhor irem se acostumando. As fases de desenvolvimento das crianças nem sempre são feitas de paz. Mas nunca devem receber o rótulo de aterrorizantes. É preciso calma e conhecimento, principalmente até os três anos, quando o pequeno passa a ter plenas condições de expressar seus sentimentos. Diante do primeiro desafio, segundo Desirée, o segredo para enfrentá-lo é um só:
– É quase instintivo: a gente pega o bebê no colo, segura firme, bem enroladinho em um cobertor. Sem nos darmos conta, estamos reproduzindo exatamente o ambiente intrauterino. Damos as leves batidas na bundinha, que é parecido com o som do ritmo cardíaco que ele ouvia na placenta. E embalamos, em movimento similar ao que o bebê estava acostumado dentro da barriga da mãe.
É como cair em um mundo novo sem muitos recursos para desvendá-lo. Sem ainda enxergar muito bem – somos todos míopes quando nascemos e só passamos a ver melhor por volta dos seis meses –, o conhecimento é absorvido e as relações se dão principalmente por meio dos sons e do tato. E, nesta fase, toda reclamação vem expressa em choro, um meio de comunicação bem eficiente: com ele, as fraldas são trocadas, o banho é providenciado, o soninho é embalado e a amamentação é iniciada quase que instantaneamente. É só abrir o berro que a mágica se faz.
Eu não sou a mamãe? – Fim do primeiro trimestre
Dizem que o bebê passa por dois nascimentos. O primeiro deles é o biológico, aquele do parto. O segundo ocorre por volta do terceiro mês, o nascimento psicológico. Durante todo o primeiro trimestre, conhecido também como período simbiótico, o bebê tem a sensação de que ele e a mãe são a mesma pessoa – uma espécie de "mãefilho", um ser só.
No fim deste período, já se passaram três meses de vivências e evoluções. A vida parece estar se organizando. O bebê mama melhor, a mãe está mais confiante. A criança começa a olhar fixamente para os olhos dela e sorri com as brincadeiras. Até que começa a suspeitar de que não está enroscada no "tronco da árvore", que é a mãe, mas que está perto dela. O bebê passa a ter a percepção do "primeiro outro", que, na maior parte das vezes, é a própria mãe.
– Ele sai da simbiose total para a primeira consciência de que existem outras pessoas, de que o mundo não é somente ele. Aí pode sentir a necessidade de ter a mãe mais por perto. E mamar pode não ser mais só um exercício para matar a fome, mas também uma forma de voltar a ter aquela segurança que ele sentia no primeiro trimestre – explica a pediatra Desirée.
Nesta fase, além de lidar com os choros mais frequentes, a mãe pode ter a impressão de que o bebê está mamando mais vezes e de forma mais rápida. Na verdade, ele está mais distraído, olhando o mundo que o cerca, e gasta menos tempo para se alimentar porque consegue sugar o peito mais facilmente – ele tem mais força, e a mãe, mais leite. Portanto, se a criança estiver se desenvolvendo, ganhando peso sem ajuda de qualquer complemento, não há motivos para preocupação. É só mais uma fase de adaptação – e oportunidade de acompanhar mais um passo do crescimento do filho.
Não somos só nós dois – A partir do quinto mês
Se não fosse pelo provável nascimento dos dentinhos, essa não teria por que ser uma fase muito dolorosa. Afinal, é por volta do quinto e do sexto mês que o bebê se dá conta de que faz parte de uma família.
Muitos pais tiveram só cinco dias de licença quando o filho nasceu. O bebê, ainda sem muita capacidade de percepção, viveu agarrado à mãe. Até que se deu conta de que não eram uma única pessoa. E desenvolveu seu potencial de perceber o outro, passou a brincar mais, a ficar mais tempo acordado – aumentando sua relação com o pai, sentindo a vontade de estar com ele, uma figura que também o acolhe nos momentos de insegurança.
– O bebê passa a perceber o vínculo familiar, que pode ser um triângulo. Ou um quadrilátero, quando já existe um irmãozinho. Nesta fase, ele começa a se abrir para novas relações familiares e, não raramente, apaixona-se por seus irmãos – afirma Desirée.
E onde está a crise nessa história? Acontece que, de dia, o bebê desperta o interesse para as pessoas que, entende, fazem parte de seu vínculo familiar. Pode estranhar um pouco, às vezes. O dente nascendo pode provocar coceira e dor na gengiva, o que contribui para uns resmungos ali, outros aqui. Mas, à noite, é a mãe que ele vai procurar. Afinal, ele precisa ainda saber que ela está ali.
Onde está a mamãe? – A partir dos oito meses
Sofia sempre foi muito sorridente e tranquila. Não via qualquer problema em passar de um colo para outro. Comportava-se quando saía com a mãe e ficava sem choro na creche.
– Era muito sociável – define a mãe, Juliana Lagoas Coelho, 32 anos, organizadora de eventos.
Só que, do nada, Sofia mudou. Assim que completou oito meses, começou a estranhar pessoas que não estavam diretamente vinculadas a sua rotina. Não quer mais ir no colo de ninguém. Chora quando é deixada na escolinha. Em casa, não pode ver a mãe sair do seu campo de visão que se desespera – nem os afagos do participativo pai, o funcionário público Douglas Mafra, 33 anos, consolam a menina.
– Parece que o mundo vai acabar – resume Juliana.
A menina está passando por um momento característico entre o oitavo e o nono mês: a chamada "angústia da separação", que muitos bebês enfrentam, geralmente durante um período que pode durar de duas semanas até três meses. Na casa dos Coelho, já passa de 30 dias. Para o pediatra Renato Santos Coelho, do Comitê de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, de todas as "crises" pelas quais as crianças podem passar, esta é uma das mais frequentes.
– Todos que tiveram um bom vínculo com a mãe enfrentam um processo difícil quando chega o momento de se separar. Para o bebê, vai caindo a ficha de que ele e a mãe não são a mesma pessoa. Nesta fase ele já se senta, brinca sozinho na sala e, de repente, vê a mãe sumindo pelo corredor. Só que ele não sabe que ela vai voltar. Pode ser um período complicado e intenso, com distúrbios no sono e perda de apetite – afirma o pediatra.
Pais de primeira viagem podem se apavorar e crer que estão diante de um problema mais sério. Nada disso. A fase pode até ser incômoda, mas é necessária para o desenvolvimento da criança. Afinal, ela precisa saber que a presença da mãe pode ser seguida de pequenas ausências, principalmente quando a licença-maternidade chegou ao fim.
Sofia passou a dormir pior. Antes, acordava duas vezes de madrugada para mamar, agora são no mínimo quatro. A excessiva vontade de ficar no peito da mãe é outra característica dessa fase. E isso pode não significar fome.
– Mamar é o momento mais íntimo entre uma mãe e um bebê. Então, ele quer mamar para ficar perto, porque qualquer outro alimento, como papinha e fruta, passa a significar uma separação em relação à mãe – explica o médico Renato Coelho.
Para que esta etapa do crescimento do filho passe com maior tranquilidade, é fundamental que os pais evitem alterar a rotina da criança. Uma das dicas dos especialistas é não trocar de cuidador ou de creche. O período já é de adaptação extrema para o bebê. Além disso, uma boa tática pode ser brincar de esconde-esconde, fazendo com que, aos poucos, o filho vá se acostumando a se separar da mãe. E, se ele tiver algum objeto ou brinquedo com o qual tenha afinidade e possa permanecer sempre junto, melhor ainda.
Entre o querer e o poder – Um ano
Chegou o primeiro aninho, e o bebê quer caminhar, ser independente. Engatinha um pouco, esboça os primeiros passos, cai. Cai várias vezes. Ele deseja muito se erguer e sair explorando a casa toda – almeja bagunça, abrir gavetas, jogar tudo no chão. Mas seu corpo ainda não está completamente preparado para isso. E, aí, cada tombo pode ser uma frustração, desencadeando crises de irritabilidade. É o aparecimento de um conflito ambivalente: entre o querer e o poder.
– O bebê fica mais intolerante, chorando mais, comendo menos, com alterações no sono. Isso acontece porque ele começa a ter alguma independência, seu corpo está se preparando para isso, mas ainda tem medo. É mais uma fase em que os pais devem dar segurança e apoio, sendo afetuosos, simpáticos e comemorando cada conquista – recomenda a pediatra Ana Márcia Guimarães Alves.
O receio e a angústia diante da incapacidade nesta fase podem se refletir durante o sono, que fica mais agitado. Aos pais, cabe estimular os primeiros passos dos filhos, mas não tentar antecipá-los. Para a pediatra Desirée Volkmer, esta é uma etapa que depende do bebê, sem cobranças dos adultos. Afinal, muitos deles já estão assumindo vários compromissos de gente grande nesta altura do campeonato: acordam cedo, vão para a creche, estão cheios de horários.
– Os bebês precisam estar preparados para caminhar e têm o tempo deles para isso. Os pais não devem se preocupar com a performance, nem comparar o desenvolvimento do filho com o de outras crianças. Andar mais cedo não é sinal de mais inteligência ou de maior colocação no futuro. A criança perto de um ano está mais esperta e curiosa, mas ela precisa estar preparada – diz a médica.
Os terríveis dois anos – Entre um ano e meio e três anos
– Laura, por favor, não bate a boneca no armário – pede o pai.
A menina, de dois anos e sete meses, finge que não é com ela.
– Vamos colocar o tênis, Laura? – sugere a mãe.
– Não!
– Laura, não pode andar descalça. Coloca o tênis – argumenta o pai.
– Não!
A sequência de respostas negativas para qualquer pedido dos pais é sinal de que seu filho está chegando à fase do próprio reinado: tudo terá de ser do jeito dele, ele não poderá ser contrariado, ou... armará o maior barraco, seja no chão da sala ou do supermercado. Desobediência e choro fácil marcam uma das crises mais famosas da infância: a chamada terrible two, ou os terríveis dois anos.
– É quando digo aos pacientes: "O seu filho está começando a imitar o filho dos outros" – brinca a pediatra Desirée, em alusão à famosa frase "meu filho nunca vai ser assim", expressa diante de uma cena de teimosia em público.
Ah, se vai. Para os pais, a administradora Tailise e o contador Diogo Martins, Laura sempre foi uma criança tranquila. Até que, pouco antes dos dois anos, passou a ter mudanças de comportamento bruscas, pisar forte e resistir a cada pedido.
O período crítico de birra pode começar pouco depois de a criança completar o primeiro ano e se estender até o terceiro, afirma Simone Sudbrack, professora da faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e pesquisadora do Instituto do Cérebro (InsCer).
– A criança fala com o corpo até desenvolver a linguagem, aos três anos. Nesse período, ela se comunica gritando, chorando e atirando-se no chão, principalmente quando está desconfortável. É uma fase na qual não adianta explicar muita coisa, o importante é impor limites. Temos de dar carinho, abraçá-la e também dizer que ela não conseguirá nada com aquele comportamento – sugere Simone.
Respirar fundo virou tarefa cotidiana para os pais de Laura. Metódico, o casal combinou que, diante das pirraças da menina, aquele que estiver mais nervoso deve sair do ambiente, deixando que o outro dê conta da situação. É preciso manter a linha, senão a coisa piora, sabem eles.
– Ela passou pela crise da angústia perto de um aninho, e a gente ficava com mais pena. Agora, temos que cuidar para não nos irritarmos. É uma pessoinha de dois anos e meio, de nem meio metro de altura, nos enfrentando. E olha que ela é boa de argumento – brinca a mãe.
A fase terrible two é conhecida como a adolescência dos bebês – um momento em que estes pequenos arteiros parecem não ter limites. E não têm mesmo, quem deve colocá-los são os pais. A criança precisa entender que quem manda não é ela.
– A imposição de limites só está em segundo lugar em uma relação entre pais e filhos porque em primeiro vem o amor. Parece que a criança não quer ser regrada pelo pai e pela mãe. Mas ela precisa saber que tem hora para tomar banho, hora para comer, e o que vem depois. A organização da rotina dá a ela conforto e segurança – justifica Desirée.