Ao mesmo tempo em que a prefeitura quer incentivar o uso do transporte coletivo, surge um debate que parece contrariar tal objetivo: a redução dos itinerários nos bairros. A sugestão, que ainda está no campo da discussão, é limitar a circulação dos ônibus às ruas principais de cada comunidade. A medida diminuiria a quantidade de paradas e exigiria que as pessoas caminhassem mais para embarcar num ônibus.
O prefeito Alceu Barbosa Velho introduziu o assunto durante a apresentação dos novos ônibus do Sistema Integrado de Mobilidade (SIM Caxias), na semana passada.
- Precisamos parar com essa cultura de querer que o ônibus pare na porta da nossa casa - sentenciou Alceu.
É opinião compartilhada pelo diretor-superintendente da Visate, Fernando Ribeiro, que considera a possibilidade um fator determinante para diminuir a espera nos pontos de embarque e ampliar a frequência das linhas, já que os coletivos sairiam e retornariam ao bairro muito mais rápido. A inspiração para a mudança vem de outros países, caso de Barcelona, na Espanha, que restringe o transporte coletivo para as vias principais.
Não será fácil, contudo, convencer líderes comunitários e a população, pois a luta sempre foi pela aproximação do ônibus ao local de trabalho ou de casa. Tania Menezes, diretora do departamento de mobilidade da União das Associações dos Bairros (UAB), vê a alternativa com desconfiança. Para ela, não se pode retirar direitos que os passageiros já conquistaram.
A possível alteração, que deve pautar futuras discussões nas comunidades, é amenizada pelo secretário municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade e também presidente do Conselho Municipal de Trânsito, Manoel Marrachinho. Segundo ele, esse é um debate que tem foco no futuro da mobilidade urbana.
O secretário, porém, garante que a mudança não será uma ação a curto prazo.
O que pode mudar
- Pela sugestão da Visate, é possível diminuir a extensão dos itinerários nos bairros. Por exemplo: um ônibus da Zona Oeste, que fará parte do SIM Caxias, percorre atualmente 24 ruas para embarcar e desembarcar passageiros em 57 paradas dentro e fora do bairro.
- A partir da implantação do SIM Caxias, em abril, o mesmo ônibus só levará passageiros do bairro até a Estação Floresta, deixando de ir até o Centro. Isso significará cerca de 10 paradas a menos no itinerário.
- Pela sugestão da Visate, a mesma linha teria condições de reduzir ainda mais o itinerário dentro do bairro. Ou seja, além das 10 paradas a menos a partir da implantação do SIM Caxias, o ônibus só circularia pelas principais ruas do bairro, o que reduziria a quantidade de paradas pela metade. Dependendo do local, os passageiros seriam obrigados a caminhar de três a quatro quadras para chegar a um ponto de ônibus.
- Por outro lado, o mesmo ônibus percorreria o itinerário mais rapidamente, pois deixaria de circular em ruas secundárias, segundo a Visate. Em tese, os passageiros da linha também não sofreriam mais com os atrasos de hoje, pois a frequência do ônibus seria maior.
Opiniões
- As pessoas pagam a passagem e geralmente já caminham uma quadra ou duas para chegar ao ônibus. Se for mais do que isso fica complicado por questões de segurança e também pelo tempo que a pessoa vai levar para se deslocar até a parada.
Cassiano Jorge Fontana, integrante da Associação dos Usuários do Transporte de Passageiros de Caxias do Sul (Assutran)
- Houve uma redução do número de pessoas que utilizam o transporte público porque ele não é pontual, não leva onde as pessoas querem ir, aos fins de semana os horários são muito reduzidos e a passagem é muito cara. As pessoas querem otimizar o tempo, então, para mudar o comportamento das pessoas, para elas trocarem o carro pelo coletivo, primeiro elas precisam ser atraídas com vantagens.
Tânia Menezes, diretora do departamento de mobilidade da União das Associações dos Bairros (UAB)
- A pessoa que quer o ônibus passando na frente de casa, no fundo do bairro, é a mesma que reclama quando o ônibus atrasa. Fica mais fácil se as pessoas se deslocarem até determinado ponto e dali partirem juntas. Sem o serpenteamento dos ônibus no bairro, todos chegariam mais rápido aos seus destinos.
Fernando Ribeiro, diretor-superintendente da Visate
- Temos muita coisa a melhorar tanto em gestão como na operação do sistema antes de falar em reduzir a circulação. Isso só pode ser atingido num estágio muito adiantado do sistema, com a adição de novos modais, como lotações e bicicletas. A cidade precisa garantir que a pessoa consiga sair de um ponto próximo de casa e se deslocar a um ponto central do bairro, por exemplo.
Manoel Marrachinho, secretário municipal de Trânsito
Modelo para o país, Curitiba adota o sistema
Parece incômodo caminhar mais para ter acesso ao ônibus. Nos grandes centros, porém, a alternativa debatida em Caxias é uma realidade.
Conhecido mundialmente e considerado um modelo para o país, o sistema do transporte coletivo de Curitiba, por exemplo, parte do pressuposto de que o deslocamento médio a pé até um ponto de ônibus pode ser de até 500 metros, o que não acarretaria transtornos para o passageiro.
- Se o ônibus tiver um trajeto muito sinuoso ele demora muito mais para chegar ao destino e se torna mais caro - defende o gestor de operação do transporte coletivo de Curitiba, Luiz Filla.
Ele destaca que a cidade iniciou o processo de melhorias em 1974, quando tinha 600 mil habitantes - hoje, são para 1,8 milhão. Segundo Filla, o transporte coletivo é um dos serviços públicos mais bem aceitos dentro do município.
- Em geral, o sistema funciona muito bem e as reclamações são atípicas e pontuais. Por exemplo, quando temos uma via bloqueada e os coletivos atrasam. É claro que, nas audiências públicas de bairros, as pessoas pedem mais linhas e querem o transporte público mais perto.
Quanto à segurança supostamente proporcionada pelo ônibus na porta de casa, Filla diz que é incoerente enfrentar a violência por meio de comodidades no transporte coletivo.
- O transporte coletivo é indutor de crescimento e precisa estar integrado ao plano diretor. Quanto antes se inicia o sistema planejado, melhor - explica o diretor, ressaltando que a qualidade desse serviço é fundamental para estimular a adesão da população.
Além da comodidade, outro motivo é apontado para que as pessoas queiram o ônibus mais perto de casa: a falta de segurança nas ruas.
Conforme Tania Menezes, nos bairros muitas famílias buscam os filhos na parada de ônibus, quando retornam da faculdade ou da escola à noite, por medo de assaltos.
Com um trajeto maior a pé, surge o temor de exposição a roubos e outros crimes.
- Essa é uma questão muito complicada, no inverno, tanto de manhã bem cedo quando no fim da tarde, é muito escuro. Muitas paradas ficam em local com pouca iluminação e temos dificuldade de policiamento - explica.
Para Fernando Ribeiro, o funcionamento do sistema não deve depender da segurança:
- O problema da segurança não pode ser resolvido com o transporte - afirma.