
Depois de mais de seis horas em poder de um assaltante e de ter sido obrigado a ajudar a praticar um assalto, um morador do interior de Santa Tereza ainda assimila o que aconteceu. Giovani Dallé, 27 anos, foi levado por um criminoso no início da tarde de segunda-feira, logo depois de uma família vizinha ter sido baleada. As moradias ficam em Linha Pederneira Baixa, interior de Santa Tereza, município a 28 quilômetros de Bento Gonçalves.
- Eu só pensava que tinha que fazer tudo o que ele mandasse. Eu não reagi - contou o homem, na manhã desta terça-feira.
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Dallé foi obrigado a dirigir por diversas cidades, como Caxias do Sul, Farroupilha, São Marcos e Flores da Cunha. Ele só foi libertado no início da noite de segunda-feira, após o criminoso render uma mulher em Criúva, interior de Caxias, e obrigá-la a guiar o veículo dela. Nessa ação, Dallé teve de se passar por assaltante, usando uma espingarda sem munição. O homem foi libertado em Farroupilha. O criminoso seguiu com a mulher como refém, liberada horas depois.
Abaixo, confira o relato de Dallé sobre como tudo aconteceu:
Como tudo começou?
Eu não sabia de nada do que estava acontecendo na casa deles (a família Girotto, baleada). Diz que chegaram ali às 9h, mas eu não sabia. De meio-dia vim descansar como sempre e levantei para ir a Santa Tereza (centro da cidade) pagar umas contas. Aí um vizinho ligou para cá para dizer que tinha assaltante e que tinham ferido a vizinha. Começamos a fechar as portas mas esquecemos de fechar essa aí (mostra a porta da frente da casa). Nisso começamos a ligar para outros vizinhos, eu entrei no quarto para ligar para a polícia. Quando vi ele (bandido) já tinha entrado e estava rendendo a mãe. Eu pedi calma. A mãe desmaiou. Aí ele disse "pega a chave do carro e vamos". Tinha o meu carro e o do meu irmão. A chave que estava ali era a do carro do meu irmão, aí ele mandou pegar essa.
Ele estava armado?
Sim, acho que era um 38 (revólver), mas eu não conheço. Ele pegou uma espingarda calibre 36 que nós tínhamos ali e levou também.
Quem dirigiu?
Sempre eu. Ele primeiro disse para ir a Lajeado, mas quando chegamos na estrada (a poucos metros da casa), ele disse "vamos no sentido a Farroupilha".
Que horas tudo começou?
Acho que era uma hora da tarde.
Ele apontava a arma para você?
Ele apontou até eu embarcar. Ele embarcou pela porta do motorista, apontando a arma, pensando que eu ia fazer alguma coisa. Aí ele foi entrando e sentou no carona. Depois ele abaixou a arma em cima da perna. Ele estava ferido, tinha um corte no braço esquerdo. Ele disse "acelera e vai, não tenta bancar o engraçadinho".Então ele quis ir a Caxias, no bairro Cruzeiro, mas não achou ninguém que ele queria lá. Aí foi no Bom Pastor.
No bairro Cruzeiro ele bateu em alguma casa?
Não, nós só circulamos numa vilinha, nem sei que lugar era, mas ele não viu ninguém. Ele queria comprar um celular para ligar para alguém. Ele disse que tínhamos que achar o bairro Bom Pastor mas ele não sabia onde era, nem eu. Fomos pedindo informação até que achamos o bairro Bom Pastor.
O que ele dizia ao pedir informação?
Escondia a arma e dizia que tinha se acidentado no trabalho e eu estava levando ele, e que ele precisava de documentos que estavam com uma prima dele em Caxias. Ele pedia o telefone emprestado para as pessoas para se comunicar com essa guria. Três emprestaram o celular. Então ele mandou ir no Vila Ipê, mas não encontramos esse bairro. Então ele disse para ir ao município de Ipê. Fui andando, mas como não conheço, acabei entrando em Flores da Cunha e quando vi estávamos no centro da cidade. Ele disse para pegar a rodovia em direção a Antônio Prado.
Nesse momento a intenção dele era ir a Ipê então?
Sim. Aí descendo a Serra ele disse para prestar atenção em uma estrada de chão, um acesso secundário. Mandou eu ir devagar para entrar. "Aqui, aqui, tu entra aqui", ele disse. Aí passamos uma ponte de ferro e andamos, andamos, andamos. Na metade da estrada ele disse "nós não achamos o bairro Vila Ipê, que era onde eu ia fugir, então tu vai ter que me ajudar a assaltar uma casa". Eu tinha que concordar com tudo, né. Ele perguntou "tu já assaltou?" e eu disse que não. Na estrada ele foi me ensinando.
Ele foi dizendo o que você deveria fazer?
Sim, e me deu uma arma descarregada. E disse "eu vou entrar atrás de ti". Mas antes ele quis ir num escritório de advocacia em São Marcos, onde uma guria iria levá-lo para Foz do Iguaçu. "Aí tu vai ficar mais um pouco comigo e eu te libero". ele disse. Ele também disse que ali no centro de São Marcos era mais fácil (de assaltar), porque no interior o pessoal tem arma e é mais perigoso. E que se o escritório de advocacia não estivesse aberto, nós teríamos que ir para o interior. Fazer o quê. Como ele viu que estava fechado, me mandou seguir. Eu entendi que era um escritório de advocacia que a pessoa trabalhava sozinha, mas estava fechado.
O tempo todo ele sabia onde ir?
Sim, ele já sabia. Então fomos para o interior e disse que se a gente não conseguisse assaltar teria que dormir para tentar no outro dia (terça-feira), porque ele precisava de dinheiro. Eu pensei "bom, vou fazer o que ele quer".
Para onde foram?
Para o interior de São Marcos, onde tinha essa família. Quando chegamos no topo de um morro ele disse "olha, está vendo aquele trator e aquela casa? É lá que nós vamos". Ele mandou eu ir devagar e passar normal, para ver se tinha alguém. Passei normal, ele ficou olhando, olhando, e me mandou voltar e estacionar na rua, na estrada de chão, abaixo da casa. Ele me mandou desembarcar, pegar a arma e ir na frente.
Que arma ele te deu?
A espingarda descarregada. Ele disse "se tu fizer alguma coisa contra mim, eu te mato. E se os caras vierem para atirar em mim, tu vai te colocar na frente e eles vão te matar". Então eu não tinha escolha. Chegamos na casa, entramos ele foi me empurrando. Entramos na cozinha e uma mulher e duas crianças de uns três e oito anos estavam lá.
Tinha mais alguém na casa?
Não. Quando ele viu que eram só eles, passou na minha frente, rendeu a mulher e mandou eu ficar no banheiro. Ele disse para a mulher que sabia que tinha arma. A mulher buscou a arma, acho que era uma espingarda carregada. E mais o dinheiro, ele sabia que tinha dinheiro em casa e um carro bom, um Corolla. O dinheiro eu acho que era uns R$ 15 mil, ele mandou eu colocar numa sacolinha. Ele disse para a mulher dirigir até Foz do Iguaçu. As crianças a mulher deixou sozinhas em casa.
Então vocês partiram no Corolla?
Sim, ela dirigindo, eu do lado e ele atrás. Até um certo ponto ela achou que eu era assaltante, depois ele falou para a mulher que eu era vítima também. Ele pegou a espingarda que estava comigo e colocou uns tapetes em cima. Primeiro ele dizia para ir a Foz do Iguaçu, depois Porto Alegre. Num certo ponto ele disse que queria ir a Garibaldi, na rótula da Fenachamp.
Para onde seguiram?
Ele pegou o celular dela, me fez entrar num posto comprar um chip, Coca-Cola e cigarro, ali em Forqueta (Caxias do Sul). Trocou o chip do celular da mulher para poder se comunicar. Ele ficou cuidando quando fui comprar, disse que se eu falasse alguma coisa, ele matava ela e depois vinha atrás de mim. Nunca pensei em reagir, nada.
Você conseguiu comprar tudo?
Sim, comprei tudo. Embarquei no carro e ele disse para ir pelo desvio, ele não queria passar no pedágio (antigo pedágio de Farroupilha). Ele também encheu o tanque do Corolla nesse mesmo posto, e disse que iria me soltar logo adiante. Ele falou só para mim. Aí ele ligou para alguém e disse para a mulher que iam viajar mais umas quatro ou cinco horas e liberar ela também.
Então ele te liberou?
Sim, numa tenda ou mercadinho, acho que ali em Buratti (Farroupilha), ele me mandou desembarcar. Ele disse "tu fez a tua parte, agora vai embora. Tu vai precisar de dinheiro para ir para casa". Eu falei que não precisava, que eu me virava. Ele disse que sabia que eu iria precisar e me deu R$ 70. Ele disse para ela "nós vamos viajar mais um pouco".
Que horas eram?
Umas 19h30.
Como você contatou a sua família?
Pedi telefone emprestado na tenda. Contei que fui sequestrado e liberado. Fiquei esperando meu primo me buscar.
Como conseguiu manter a calma durante todo o tempo?
Às vezes passava na cabeça fazer alguma coisa, mas eu pensava "não, vou seguir viagem, fazer o que ele quer". Eu vi que ele estava nervoso, queria achar uma pessoa não conseguia.
Ele te machucou?
Não, nada, nada.
Como a sua família passaou a noite em casa?
Sem dormir, qualquer barulhinho tu já pensa no que aconteceu.
O lugar onde moram costuma ser tranquilo?
Sim, mas na véspera do Natal subiram dois carros aqui, um com som e outro sem. Foi um disfarce. Meu irmão desconfiou e olhou ali fora. Ele não viu nada na hora. Depois viu um carro na estrebaria, onde temos um trator. Eles passaram em alta velocidade e não roubaram nada. Ficaram zanzando por ali uma meia hora no asfalto. Era umas 2h30min da madrugada. Tentamos ligar para a polícia, mas foi como ligar para um número que não existe, ninguém atendia. Liguei até para Encantado. Nem registrar ocorrência no dia seguinte na Brigada em Bento conseguimos, meu irmão foi duas vezes e estava fechado. Os brigadianos de Santa Tereza e Monte Belo do Sul, ficamos esperando eles virem dar uma volta por aqui ver se estava tudo bem e fazer a ocorrência. Ficamos esperando ate ontem, quando aconteceu isso tudo.
Apuramos que há apenas dois brigadianos em Santa Tereza...
Sim, e trabalham só de dia.
O que pensa em fazer agora?
Precisamos de mais segurança. E eu só quero ir lá naquela casa, com a polícia, pedir desculpa e dizer que eu não queria fazer aquilo.