O inverno, quando chega, traz consigo essa injusta expectativa que carrego, de que se iguale aos melhores invernos da minha vida. E três meses depois, quando se vai, deixa a frustração de não ter sido - como se eu não soubesse que a memória sempre bate o presente nessa disputa desigual. Por que me fazem tanta falta os melhores invernos que já tive, se já está tão claro que nunca voltarão?
Tenho lembranças de vagar com os amigos pelas noites tapadas de neblina da minha cidade; de manter aceso madrugada adentro o fogão a lenha, enquanto lia alguns dos livros que mais me marcaram; de passar manhãs abraçado a um amor que não durou; de descobrir os melhores blues e jazz em tardes aquecidas a café. E embora seja preciso aceitar que a vida se reinventa e ciclos se encerram, como não vou ser exigente a cada novo inverno que se anuncia?
Os caminhos que percorremos transformam a vida de forma que nada volta ao que um dia foi. Isso ser bom ou ruim está na forma como nos relacionamos com as lembranças. Mas é tão difícil não ter a ilusão tola de voltar, como se a vida não fosse esse conjunto de memórias romantizadas, mas sim um seriado numa caixas de DVDs, pronto para ser revisitado a qualquer momento.
Ciclos bons deixam saudade sem fim de momentos que sequer dão chance de despedida. E que por ser uma espécie de morte deixam, além de certa solidão, a ilusão de que podem voltar. Quanto a mim, vou morrer sem deixar de ser esse cara que viveu o presente com a saudade de nada ser mais como um dia foi.
Mas enquanto estiver aqui, quero apenas aprender a amar toda parte boa de mim que já morreu. Sem pedir a cada novo inverno que me faça ser de novo um pouco do que já fui. Sabendo que, no fim das contas, não é nada sobre a estação. Mas tão somente sobre mim.
Crônicas de inverno
Andrei Andrade: como uma morte sem despedida, bons momentos deixam certa solidão e a ilusão de que podem voltar
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