"Nunca desista de seu sonho: se terminou em uma padaria, procure em outra". Apesar de muito boa, a frase não é minha. Opa, isso soou prepotente. O que eu queria dizer era: a frase, apesar de boa, não é minha. Não, espera, deu no mesmo. Continua soando estranho. Fica parecendo que o leitor imaginaria poder ser minha a frase, de tão boa que ela é, como se fosse natural este mundano cronista que vos escreve ser capaz de parir frases luminosas como essa. Mas assim, bem o sabemos, não se dá. Tentemos, então, de novo: a frase é boa, mas, infelizmente, não é minha. Ou melhor: a frase é boa, mas não é minha. Isso. Era isso o que eu queria dizer.
Queria mesmo era dizer a frase boa, mas faz-se imperioso que eu revele sua devida autoria. Ela pertence a Apparício Torelly (1895 - 1971), o famoso jornalista e humorista gaúcho que ficou conhecido em todo o país pelo apelido autoimpingido de Barão de Itararé. Essa, entre muitas outras, integra o inabarcável cabedal de frases de efeito criadas pelo genioso e surpreendente escritor, ao longo de sua longa e divertida carreira na imprensa nacional. O humor com o qual tecia as sentenças que o caracterizavam servia de conduto a profundas verdades, como, aliás, sói acontecer com todos aqueles que se valem da leveza do humor para abordar de escanteio as profundezas da alma.
Como o Barão de Itararé. Como Apparício Torelly. Como Stanislaw Ponte Preta, como Luis Fernando Veríssimo, como João Bergman (o Joatbê), como Jimmy Rodrigues, como Ítalo Calvino, como Fabrício Carpinejar e tantos outros.
A frase lapidar do Barão de Itararé nos permitiria discorrer aqui sobre a relação metafórica entre os sonhos de padaria, que alimentam o corpo, e os sonhos acalentados pelos anseios das almas das gentes, que preenchem vidas. Poderíamos, mas não podemos, porque a frase não nos pertence, e o cronista que vos escreve, apesar de mundano, não pretende incorrer na falta (crime de lesa-literatura) configurada pelo roubo das ideias e frases alheias, sendo que Apparício Torelly não é nenhum alheio, ressalte-se.
Só o que posso dizer, frente a isso tudo, é que eu, não sendo um frasista como o Barão, contento-me em me fazer mero visconde e a perseguir sonhos pelas confeitarias e padarias daqui do bairro, mesmo. Às vezes, encontro algum consonante à minha fome.
Opinião
Marcos Kirst: poderíamos, mas não podemos, porque a frase não nos pertence
O humor com o qual tecia as sentenças que o caracterizavam servia de conduto a profundas verdades
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