Após cancelar a revista nas mochilas dos alunos do turno da manhã da Escola Estadual Santa Catarina nesta sexta-feira, em Caxias do Sul, a diretora Ione Brandalise Biazus desabafou ao Pioneiro sobre os desafios do sistema educacional e do relacionamento entre pais, professores e alunos. Ela lamenta as críticas que recebeu após a polêmica da revista nas mochilas.
Confira a entrevista com a diretora.
Papel dos pais
É um desabafo do que todos os gestores sentem. E aqui no Santa tem algo diferenciado, porque todos querem entrar no Santa. A partir do momento que conseguem uma vaga no ensino médio, eles desaparecem da escola. É uma minoria de pais que vêm aqui participar. Todos são convidados desde a primeira reunião, na primeira semana de março. Os pais são convidados para participar do Conselho Escolar, para vir nas reuniões da Associação de Pais, para participar das atividades da escola. São sempre os mesmos pais que estão aqui. Só que no momento que precisamos dos pais, ao invés de vir somar, para juntos resolvermos os problemas, eles fazem o que fizeram quinta: ligam para a Brigada Militar. Nós estávamos resolvendo o problema com conversa, com diálogo. Então vai contra o que um jornalista do Pioneiro escreveu, que faltou diálogo. Eu fui muito destratada, muito ofendida por alunos cujos pais nunca vieram aqui.
Regras
A escola precisa de regras. A família abandona os jovens aqui e acha que nós temos que lidar com eles sem limite algum. No momento que tu faz reuniões, estabelece limites, tu quer formar uma pessoa melhor para a sociedade. Ele vai saber respeitar regras de trânsito, o idoso, pai e mãe, só que os pais na grande maioria abandonaram.
Papel da escola
A responsabilidade foi jogada para escola. Os políticos em campanha eleitoral dizem: "as metas tem que ser elevadas". Eu estou ouvindo desaforo de pais por telefone dizendo que eu tirei os melhores professores da escola. Eu não tenho autonomia nem para mandar os péssimos professores embora! Eu ouço da 4ª CRE: "é o que tem". Não tem professor para o mercado do Estado. Os bons professores vão para a área privada, porque lá eles são reconhecidos não só financeiramente.
Entorpecentes
Droga não é problema só do Santa, é de todas escolas. Mas enquanto eles (alunos) estão aqui, a gente quer zelar para que não usem. A partir do momento que eu tiver aluno drogado aqui dentro e a família não compareceu, vou fazer o quê? Só que mais alunos estão indo para esse lado! Os pais não estão olhando as mochilas, eles não vieram buscar boletim. Aí vieram questionar por que eu não chamei para pegar os boletins. Foi todo o calendário da escola com os filhos para casa, com todas as datas, e a família não aparece. Não aparece.
Valores
Eu fui aluna dessa escola. A minha família está apreensiva pelo que pode acontecer comigo, eu estou recebendo ameaças. Que valores são esses? A sociedade quer que tipo de jovem ali fora? Que está se matando com bebida, com droga? Depois mostram na TV "mais um jovem...". Tudo o que a gente está fazendo é educar, o que a família não faz. A gente faz palestra de bullying, palestra de droga, álcool, tudo isso. O que a família fez? Ficou contra a escola, ligou para a Brigada Militar quando revistamos mochilas.
Sentimento
Hoje (sexta) eu tive que abrir as portas da escola e fazer de conta que está tudo maravilhoso, só que não está. Se eu pudesse botava uma faixa ali fora "educação em luto", porque é assim que eu me sinto. Vontade de entregar meu diploma e dizer que sempre acreditei na educação. Que famílias são essas? Que não venham se queixar que querem baixar a idade para o voto, mas para ver o que eles fazem dentro da escola aí não existe regra? E os familiares que somem? Deixam os alunos aqui abandonados e estão em outra cidade. E só ligam e dizem "eu não posso comparecer".
Desafios
O Santa tenta propor inúmeras atividades, mostra fotográfica, de talentos, para ir numa área que os jovens gostam e conhecem. Por outro lado, eles não querem ser cobrados por nada. É uma briga com o uniforme, mas o uniforme é segurança. Semana passada tiramos pessoas uniformizadas aqui dentro que não eram da escola. E isso não é para dar medo? Mas eu falo isso para os pais e eles não acreditam! Eles precisam ver o que aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro, de alunos desequilibrados entrando, matando gente para fazer alguma coisa?
Os pais se revoltaram contra a direção. Que direção eles querem? Não tem problema algum eles chegarem e dizerem assim: "diretora, eu não concordo com isso". Mas venham nas reuniões e escutem, eu sempre fui transparente com os pais. "Está acontecendo isso, o que vocês acham? O que nós precisamos fazer?".
Preparo profissional
Falta muito preparo, o professor se sente impotente perante algumas situações. De aluno drogado tu nunca sabe a reação. Depende o tipo de droga que ele usou: ou ele vai estar paradão, ou vai estar muito agressivo. Tem professores que preferem ficar quietos, deixa ele dormindo lá, no estado que ele está por medo do que possa gerar se chamar atenção. Aí os professores muitas vezes passam a maior parte do tempo trabalhando problema disciplinar, menos atividades e conteúdos pedagógicos, porque tem problemas que não dá para fechar os olhos porque os pais fecharam. Eu cansei esse ano de ter pais aqui dizendo "diretora, encaminha meu filho ou filha para o Conselho Tutelar, porque eu não sei mais o que fazer. Eu descobri que embaixo do travesseiro do meu filho tem maconha ou cocaína". Eu disse "mãe, eu não posso fazer nada na sua casa". Os pais vêm pedir socorro. E quando a gente tenta pedir para que os outros olhem, para que os filhos que estão num caminho legal não caiam nisso, a escola é errada?
Futuro
Impotência e indignação. Essas palavras traduzem a semana. Assim ninguém mais quer ser diretor de escola. Vice-diretores eu estou trocando, com exceção da tarde e da noite, todo ano um. Ninguém mais quer ser vice-diretor, tanto é que estou sozinha de novo. A minha vontade hoje, sinceramente, é ir na coordenadoria e entregar meu cargo. Mas eu ainda acredito que a educação é o caminho. Eu acredito. Eu vou estar aqui no meu último ano de gestão, que vai ser o sexto, mas eu não sei como vai iniciar, até porque é um ano de mudança de partido, a gente não sabe que apoio a gente vai ter, de que forma a gente vai ter.
Frustrações
Tu acha que eu me sinto como vendo essa reportagem no jornal, na delegacia? Como se a escola tivesse levado eles para lá. Eu fui convidada com os alunos a ir lá prestar esclarecimentos. Eu não tinha nada a temer, eu fui lá esclarecer o que estava acontecendo. Em momento algum eu chamo a Brigada, eu chamo a Patrulha Escolar que resolve os problemas aqui, internos, como aconteceu o ano inteiro. Aí colocaram o trabalho do ano inteiro num jornal a nível de Caxias, de Estado, dizendo que a direção levou os alunos para a delegacia por causa do pijama. Não tem nada haver com um pijama. Foi pelas denúncias, foi pelo material ilícito que estava entrando na escola que foi feita, no caso, a revista. Era uma medida sócio protetiva. Eu preocupada com os filhos dos outros... Para quê? Para ser julgada como estão julgando.
Suspensão da revista
As revistas foram suspensas porque não poderia ter vistoria sem a presença da Brigada Militar. Estava tudo combinado que iria acontecer tudo igual a quinta, mas a Brigada não compareceu, nem a Patrulha Escolar, que era para hoje (sexta) os órgãos estarem aqui. Se a BM tivesse comparecido teria ocorrido revista.
Apelo
Nós temos 1.026 alunos inscritos para 2015 para o primeiro ano do ensino médio nessa escola. Teremos 157 vagas. O meu apelo é que os pais que conseguirem essas vagas mudem essa história e venham fazer com que o Santa recupere todos os valores que são importantes para formar uma pessoa melhor, porque esse era o nosso objetivo. Não adianta ter uma estrela no símbolo se eu não consigo fazer com que quem está aqui dentro vá para uma sociedade para ser pessoas diferentes, que tenham um olhar de respeito, de solidariedade, de compromisso com as leis e as regras da sociedade. Aos pais que conseguirem vaga aqui, é o meu apelo: que olhem de forma diferente para essa escola e venham para somar, não para dividir. Se não, já façam a matrícula em outra escola.