Há exatos 20 anos, Caxias do Sul ganhava um serviço pioneiro: a Pastoral de Apoio ao Toxicômano Nova Aurora (Patna), baseada na filosofia do Amor Exigente (e seus 12 princípios) e no tripé espiritualidade/trabalho/disciplina. Concebida por um grupo de voluntários quando o tratamento a dependentes químicos na cidade ainda era incipiente, a pastoral acolhe dependentes de álcool, drogas e também seus familiares, por meio de grupos de ajuda e prevenção.
O trabalho, que se iniciou pequeno, em salas alugadas e com apoio apenas de voluntários lá em maio de 1994, cresceu e se tornou reconhecido. Hoje, além dos encontros na sede principal, na Rua Pinheiro Machado, a Patna mantém duas comunidades terapêuticas (CTs) - para adultos e adolescentes - no Travessão Santa Tereza, emprega 23 pessoas e recebe apoio de 60 colaboradores.
Em duas décadas de atuação, mais do que indicar o caminho da recuperação, a Patna representa a esperança do recomeço. Interno há nove meses e meio, Mateus*, 31 anos, enfrenta sua primeira estada no CT da Patna. Usuário de maconha e álcool desde os 13 anos, Mateus conta que cresceu sem saber o que era certo ou errado. Aos 21, já usuário de cocaína, foi internado em uma comunidade terapêutica evangélica em Três Coroas durante seis meses. Recaiu quatro meses depois. Foi parar na rua, viciado também em crack. Encontrando forças onde ele mesmo não sabe, mudou-se de Caxias do Sul para o Paraná. Ficou seis anos limpo, começou um relacionamento, virou instrutor de autoescola, foi aprovado em um concurso público em uma prefeitura. Sem saber como lidar com os problemas no casamento e mergulhado totalmente no trabalho, fracassou mais uma vez.
- Eu dava aula, bebia e chorava. Além da dependência, a depressão também tomou conta de mim - conta.
Depois de largar o emprego público, a mulher e de mudar de cidade por várias vezes na tentativa de se livrar do vício, Mateus voltou a Caxias do Sul. Chegou ao fundo do poço no ano passado, depois de se ver roubando o telefone celular da própria mãe para comprar droga.
- Depois daquilo, me dei conta do que estava fazendo. Fiquei com raiva de mim mesmo, por ser fraco, por me aproveitar de alguém que estava ao meu lado. Foi aí que finalmente tive coragem de pedir socorro novamente - lembra.
Prestes a concluir o tratamento, Mateus quer continuar no CT, ajudando outras pessoas que como ele não conseguem abandonar o vício.
- Aqui, eu aprendi a me entender, a conhecer os meus sentimentos, as minhas limitações - reconhece.
E se Mateus ainda tem um longo caminho a percorrer, a história de João*, 52, prova que a reabilitação é possível. Usuário de drogas desde os 17 anos, quando ainda morava em sua cidade natal, no Norte do Estado, João mergulhou fundo na cocaína depois que se mudou para Caxias do Sul, aos 22 anos.
- Tinha uma profissão boa, que me garantia um bom salário. E tudo o que consegui adquirir com meu trabalho, coloquei fora usando cocaína e pagando festas para os "amigos". Perdi meus clientes, meu carro, minha casa, minha dignidade. Eu virei um especialista em mentir, em enganar quem quer que fosse. Inventava qualquer coisa para pedir dinheiro emprestado. Vendia objetos pessoais, passava os finais de semana drogado, às vezes por vários dias sem dormir. E chegava em casa depois que a minha mulher saía para trabalhar, para não ter de enfrentar os problemas - relembra.
Apresentado à Patna quando tinha 32 anos, João frequentou uma ou duas reuniões e achou que aquilo não era para ele. Seis meses depois, um episódio mudou seu destino:
- A gente sempre acha que sabe tudo, que consegue se virar sozinho, que é mais esperto do que os outros. Mas quando um amigo quase morreu de overdose dentro do meu carro, achei que estava na hora de parar com aquilo tudo. E voltei à Patna, passei a levar as reuniões a sério, abracei a causa. Frequentei os encontros por mais oito anos e reconquistei tudo o que perdi.
Hoje, com o apoio da família que nunca o abandonou e contando com a força da fé, ele se mantém limpo, firme e vivendo o milagre da recuperação dia após dia.
Presidente da Patna, a psicóloga Neura Maria de Boni dos Santos trabalha como voluntária há 18 anos. Nesse tempo, já perdeu a conta de quantas vezes acompanhou os sucessos e recaídas do processo de recuperação.
- Sempre digo que quem trabalha aqui precisa ter uma alta tolerância à frustração - afirma.
A experiência vem das estatísticas: de cada quatro dependentes em recuperação, apenas um não recai após o tratamento. Além da dificuldade de reinserção social e de aprender a lidar com emoções e frustrações da vida sem a anestesia da droga, a mudança no perfil dos usuários também interfere no sucesso do tratamento.
Conforme Neura, os jovens estão usando entorpecentes cada vez mais cedo, e provando substâncias que interferem diretamente na construção de sua personalidade e na capacidade de aprendizado.
- Antes, era uma escalada mais lenta. Começava com o álcool, depois vinha a maconha, os medicamentos e depois a cocaína e o crack. Hoje, muitos começam fumando o crack, uma droga altamente viciante, no cigarro de maconha - exemplifica.
Como presta atendimento gratuito e conta com a ajuda de voluntários, além de uma pequena verba de convênios, a Patna precisa de donativos constantemente. Os mais necessários são alimentos, material de higiene e limpeza. É possível ainda contribuir com valores em dinheiro, para o custeio de despesas de manutenção. Os recursos podem ser depositados no Banrisul (ag 0606, conta 060013033-7) ou entregues na sede da entidade, na Rua Pinheiro Machado, 1.000.
*Os nomes são fictícios
>> A PATNA
Onde fica: Rua Pinheiro Machado, 1.000, bairro Lourdes
Telefone: (54) 3222.0876
Grupos de apoio para a família e dependentes químicos
Terças, quintas e sextas-feiras: 19h30min às 21h30min
Quintas: 14h30 às 16h30min
Grupos de prevenção para crianças de 6 aos 12 anos
Terças e quintas: 19h30min às 21h30min