Na noite de 18 de maio, o vendedor João Marcos dos Santos levou um tiro no rosto ao reagir durante um assalto em Caxias do Sul. O rapaz ficou 18 dias internado em um hospital e decidiu contar sua experiência no Facebook incentivado por familiares - ele assina como Marcus Almeira. Ao contrário de muitas vítimas da violência, que preferem o anonimato, a rede social virou o divã de Marcos, uma espécie de consultório para desabafo e alívio do trauma.
O crime aconteceu numa rua de pouco movimento no bairro Rio Branco. O vendedor foi abordado por um homem armado e reagiu. O bandido revidou apertando o gatilho. Dois disparos erraram o alvo, mas o terceiro atingiu o rosto do rapaz. O projétil passou a milímetros do olho de Marcos, entrou pelo nariz e saiu no pescoço. O jovem pensou que iria morrer.
Desde então, a rotina do rapaz mudou. Graças aos textos que contam parte da recuperação, Marcos fez amizades e encontrou forças para não cair em depressão. Mais: passou a ver a criminalidade de um jeito diferente.
O tiro arrebentou o maxilar de Marcos, fazendo-o perder a capacidade de sentir o sabor da comida no lado direito da boca. O ferimento também prejudicou o olfato. Os médicos implantaram três placas de platina e 18 parafusos para corrigir a mandíbula. Ele não consegue mastigar e se alimenta basicamente de líquidos e comida pastosa.
- Roubaram metade do meu riso, pois um lado da minha boca está paralisado. E para quem o ladrão vai vender a metade do sorriso que roubou? - brinca.
Marcos ainda não sabe explicar por que reagiu. Lembra que na mesma semana outras três pessoas foram baleadas no rosto por assaltantes em São Paulo, mas todas morreram. Os detalhes do crime são nítidos. Ele voltava do trabalho para casa pela rua que percorria há sete anos. Percebeu dois homens logo adiante. Um deles se aproximou, armado. Marcos jogou a sacola de pães que carregava contra o criminoso.
Ao levar o tiro, o vendedor caiu e sentiu o sangue escorrendo pelo nariz e pela boca. Os ladrões fugiram sem levar nada. O rapaz conseguiu pegar o celular e discou para o 190 da Brigada Militar. Informou que havia sido baleado. O atendente orientou que ligasse para o Samu. A vítima disse que não tinha condições de concluir outra ligação e repassou os pontos de referência. A Brigada pediu que ele permanecesse no local até a chegada de uma viatura.
Marcos imaginou que a ajuda demoraria e reuniu forças para caminhar. Acenou para um carro que passava. O condutor deu marcha à ré, mas foi embora. Um motoboy também passou, parou um pouco adiante e ficou olhando. Também não ofereceu ajuda.
O jovem caminhou três quadras, até uma pizzaria na Avenida Rio Branco. Pessoas que estavam na recepção ou em frente ao prédio se assustaram e saíram. Alguns funcionários, porém, o acolheram.
- Uma funcionária me manteve acordado até a chegada da ambulância. Ela dizia que eu não podia dormir. Hoje somos amigos.
Os médicos explicaram que o bala poderia ter atingido a coluna cervical ou uma artéria. O projétil ficou preso na manta que o rapaz usava naquela noite e foi encontrado por uma cunhada durante a limpeza da roupa suja de sangue, dias depois.
Do leito hospitalar postou fotos com ataduras no rosto. Queria provar que estava vivo. Em troca, recebeu mensagens de apoio. No hospital, conheceu funcionários do Hemocentro Regional, que procuravam voluntários para doar sangue. Aprendeu a primeira lição: perdera muito sangue e sua sobrevivência dependia de duas bolsas do estoque.
- Só doei duas vezes na vida, é muito pouco. As doações que fiz no passado de alguma forma me ajudaram, por ironia. Penso em quantas pessoas dependem disso. É o momento de me engajar nessa campanha e mostrar o quanto isso é importante.
Neste domingo, o sobrevivente da violência comemorará 29 anos.
O bolo terá apenas uma vela. Afinal, Marcos nasceu de novo.
Violência
Vendedor que escapou da morte durante um assalto em Caxias do Sul compartilha história de recuperação na internet
João Marcos dos Santos levou tiro no rosto
Adriano Duarte
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