Se a enfermeira Terezinha Picolo Catelli, 68 anos, pudesse materializar sua trajetória de 36 anos de Hospital Pompéia, ela teria a forma de um disco de vinil, aqueles bolachões pretos que eram sucesso até a década de 1980.
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No lado A, seu preferido e "o mais tocado", Catelli colocou suas lembranças felizes. É nele, por exemplo, que estão as recordações do primeiro dia de trabalho: 9 de setembro de 1975.
- Fiz estágio lá e aquele hospital sempre me atraiu. Depois, quando terminei a faculdade e já articulava uma vaga em outro lugar, meus colegas de turma (da Universidade de Caxias do Sul) que já estavam no Pompéia conversaram com a chefia de enfermagem e foram lá em casa me chamar - recorda.
Até 2011, ano em que se aposentou, Catelli, que ficou conhecida pelo sobrenome porque havia muitas "terezinhas" no hospital, trabalhou como supervisora noturna no Centro Obstétrico, foi supervisora geral, chefiou o centro cirúrgico, o pronto-socorro e foi chefe de enfermagem por duas vezes.
O lado A também tem as memórias da criação da escola de formação profissional do Pompéia. A ideia, que partiu de um grupo de enfermeiros, era qualificar os funcionários da instituição e ainda formar novos profissionais.
- Na época, era raro haver auxiliares de enfermagem. Era mais comum ter atendente. Então, com estímulo do Coren (Conselho Regional de Enfermagem), o hospital foi se mobilizando. Graças à ajuda financeira do Estado, formaram-se as quatro ou cinco primeiras turmas - recorda Catelli, que acredita que a política de proporcionar o crescimento e a valorização de seus trabalhadores contribuiu para o surgimento da "família Pompéia".
A enfermeira incluiu no seu lado favorito de memórias as festas e comemorações que participou no Pompéia. Foi ela quem batizou de Estado de Choque o grupo de teatro formado. Sete ou oito funcionários encenavam peças nas noites culturais da instituição e até representavam o hospital em concursos pelo Estado.
- Acho que fiz umas cinco peças. Depois, não tinha mais tempo, os ensaios eram de meio-dia e a gente tinha de sair de casa para ensaiar e depois voltar...Tinha de ver os meus personagens. Eram uma comédia. O roteiro era do chefe do Recursos Humanos, que trazia peças prontas lá do teatro da UCS para nós. Teve uma vez que levei um alicate que usam lá no hospital mesmo, que o pessoal chama de ricardão, para cortar ferro, fios, e uma seringa grande que era usada para lavagens de bexiga. Eu ia fazer um dentista. Quando peguei o alicate, o auditório lá da Casa de Cultura veio abaixo... Aí, quando peguei a seringa, mais gargalhadas - recorda.
Não raro, a turma de funcionários (ou companheiros?) seguia de excursão para participar de torneios ou do concurso de miss dos hospitais.
- Íamos com os ônibus cheios, com torcida organizada, era uma loucura. Teve até uma funcionária do pronto-socorro que ganhou (leia abaixo depoimento da enfermeira Nivea Dias do Canto, que hoje vive em Santa Catarina). Era muito bonita, morena... Existia um envolvimento cultural muito grande de todos. E como nós nos divertíamos! Existia um espírito fraterno, não era só o trabalho - lembra.
Logo que chegou, Catelli também viu nascer a primeira unidade de terapia intensiva (UTI) de Caxias do Sul. No Pompéia, é claro.
- A gente tinha os aparelhos mais modernos da época. Dentro do possível, o hospital sempre foi se reformulando, se reestruturando, fazendo alguma melhoria. A chave para ter chegado onde chegou, aos 100 anos, é que a administração colocou pessoas técnicas em pontos-chave. Elas têm uma formação e uma visão diferente que faz as coisas acontecerem - pontua.
Lado B
Embora as coisas boas tenham espaço de destaque na memória de Catelli, lembranças tristes e marcantes também fazem parte de sua história no Pompéia. Como o dia em que reconheceu o choro do próprio filho na portaria do pronto-socorro.
- Ele queimou o braço quando jogou álcool em uma lareira com resquícios de fogo. A babá enrolou ele numa toalha e atacou o primeiro carro que passava na rua, pedindo para trazê-los ao hospital. Ouvi aquele choro e fui correndo para a porta. E era o Daniel com a manga da blusinha de lã grudada no braço. Ele ficou mais ou menos um mês tendo de fazer curativo - conta.
Linha de frente no atendimento aos pacientes e familiares, Catelli também vivenciou a dor de quem perdia familiares e dos pacientes que enfrentavam doenças terminais.
- Chorei muitas vezes com aquelas pessoas. Não tinha como não tocar o coração da gente. Teve uma vez que fui visitar uma ex-aluna (Catelli foi professora da UCS durante 26 anos) que estava internada e que acabou morrendo pouco depois. Ela me olhou e me disse: "profe, me ajude." Aquele olhar me doeu muito, nunca vou esquecer. É assim que a gente se dá conta das nossas limitações, né? Mas foi por isso que escolhi a enfermagem, para poder cuidar das pessoas, oferecer-lhes um pouco de conforto, ajudar a amenizar a dor. Isso, aliás, é uma coisa que sempre ensinei aos meus funcionários. Vejam o que podem ajudar, tenham sensibilidade. Quem trabalha em hospital tem de ter muita sensibilidade porque senão a gente se torna duro, seco, não valoriza o ser humano - acredita.
E mesmo procurando contornar os problemas, Catelli não escapou de apanhar uma vez quando trabalhava no pronto-socorro:
- Tomei um coice no estômago, mas não me machucou, só me jogou longe. Acho que o paciente estava alcoolizado ou sei lá, não estava de bom humor. É só no pronto-socorro que acontecem essas coisas porque chegam muitos pacientes alcoolizados, pessoas em surto. Mas para mim foi um aprendizado - afirma Catelli.
Hoje, como aposentada, Catelli doa seu tempo à família, aos filhos, que não quiseram seguir a profissão da mãe, paparicando os netos e convivendo mais com os amigos. Agora, longe do trabalho, ela torce para que as histórias bonitas e alegres sejam maioria nas dependências do Pompéia.
O meu dia de rainha
Trabalhei no Hospital Pompéia entre abril de 1998 e dezembro de 2001. Fui enfermeira na UTI adulto e também professora do curso técnico de enfermagem. Adoro o Rio Grande do Sul, especialmente Caxias do Sul, onde fui muito feliz, principalmente em função do meu crescimento profissional. Em Caxias, com o apoio do Pompéia, fiz minha especialização em Gerência de Enfermagem. Conhecendo a realidade de Caxias, não poderia ter escolhido local melhor do que o Hospital Pompéia. Vesti a camisa e ali vivi grandes momentos. Um deles foi ter vencido o concurso de rainha do hospital em 1999. Depois, com o apoio do Pompéia, concorri a Rainha da Indústria e Comércio do RS junto com outras 71 candidatas. Apesar de não ter vencido, esse concurso me trouxe muito orgulho por estar representando o hospital que eu tanto gostava. No concurso, foram quatro dias de entrevistas e visitas a empresas da Serra, com o desfile no último dia. Foi com muita alegria que representei o hospital. Apesar de eu não ter vencido, me senti acolhida por toda a equipe do hospital, sendo que nem gaúcha sou. Sou catarinense de Araranguá e é aqui que estou hoje, casada, com um filho, trabalhando na UTI móvel do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Adoro esse hospital e sempre o enalteço perante meus colegas de Santa Catarina.
Nivea Dias do Canto Teixeira, enfermeira e ex-funcionária do Hospital Pompéia
Dedicação
"Por isso que escolhi a enfermagem, para poder cuidar das pessoas", conta a enfermeira Terezinha Picolo Catelli, que trabalhou por 36 anos no Hospital Pompéia
Até 2011, trabalhou como supervisora noturna no Centro Obstétrico, foi supervisora geral, chefiou o centro cirúrgico, o pronto-socorro e foi chefe de enfermagem por duas vezes
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