Com caprichada grafia a bico de pena, um grupo de 25 senhoras registrou em ata a fundação da Associação Damas de Caridade. O grupo, que já havia trabalhado conjuntamente para adquirir recursos em prol do altar-mor da Catedral Santa Tereza, agora buscava se legalizar para angariar fundos para a criação de uma casa de saúde que atendesse os pobres.
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para os 100 anos do Hospital Pompéia
De início, conforme registros da época, a proposta foi adquirir uma ambulância que deveria socorrer os doentes em casa, fornecendo-lhes remédio, alimentos e roupas. Enquanto a diretoria se mobilizava para conquistar sócios - e dinheiro -, o conselho tinha por missão vigiar os doentes e avisar a diretoria, que se encarregaria de prestar o socorro necessário.
Nos primeiros anos, foram inscritos sócios com a módica contribuição mensal de 500 réis. Em vista do bom acolhimento por parte da comunidade, a associação conseguiu recursos para fundar o tão sonhado hospital, que atenderia a "indigentes enfermos e desamparados".
O primeiro prédio a ser adquirido pela entidade, em 7 de abril de 1919, ficava na esquina da Avenida Júlio de Castilhos com a Rua Marechal Floriano, chamado de Palacete Rosa. Pouco depois, foi adquirida a casa de saúde que pertencia aos médicos Cesar Merlo e Henrique Fracasso por 20 contos de réis e mais dois imóveis vizinhos. Estava plantada a semente para o futuro Hospital Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, inaugurado oficialmente em 24 de junho de 1920.
- Aquela era uma época diferente, as mulheres eram criadas para cuidar da casa e dos filhos, não se envolver em questões sociais e políticas. Criar uma associação de mulheres que saíam às ruas para fazer algo em prol das pessoas mais pobres não era uma coisa comum. Para mim, as damas eram mulheres de fibra, que se dispunham a pedir dinheiro pelos necessitados, que faziam acontecer - afirma o padre Claudio José Pezzoli, 53 anos, capelão do hospital.
De lá para cá, o hospital inaugurou diversas instalações, passou por mudanças profundas na administração, enfrentou dificuldades financeiras gigantescas, mas nunca fechou as portas. Durante todo esse tempo, a Associação das Damas de Caridade, transformada mais tarde em Pio Sodalício Damas de Caridade, em função de exigências legais, sempre se manteve firme com o Pompéia, não deixando que a instituição sucumbisse às muitas crises ultrapassadas em 100 anos de vida.
Com a saída da congregação das Irmãs de São José da administração do Pompéia, que passou a ser gerido por leigos, o papel das Damas foi se direcionando cada vez mais para ações sociais, voltadas ao bem-estar dos pacientes e dos funcionários. O projeto mais conhecido do Pio Sodalício (foto abaixo, com as integrantes de 2012), e que se mantém firme ainda hoje, é a distribuição de enxovais para mamães pobres que davam à luz no Pompéia, iniciado por volta de 1939, com as primeiras damas confeccionando roupinhas e cueiros.
Foto: Juan Barbosa, Agência RBS
- Até a década de 1940, as próprias damas faziam tudo em casa. Depois, passaram a se reunir no porão da dona Verônica Manfro Lunardi, sogra da dona Joaninha Lunardi, ex-presidente do Pio (entre 1970 e 1974) - recorda Adelaide Pezzi Verza, 83 anos.
Depois, o grupo começou a se reunir todas as quartas-feiras em uma sala do Círculo Operário, no Centro. Em junho de 2006, o grupo da costura, composto por cinco damas e mais de uma dezena de voluntárias, passou a cortar tecidos, costurar, arrematar e montar as peças em uma salinha no subsolo do Pompéia, também às quartas-feiras.
De acordo com Adelaide, 30 anos de Pio e 20 de grupo de costura, da qual é coordenadora, a produção gira em torno de 400 a 500 enxovais por ano. O balanço só é possível porque ela guarda anotados em um caderninho tudo o que é produzido pelas senhoras, além de datas e fatos que marcaram a história do grupo.
Formado por um grupo de 25 mulheres, o Pio Sodalício também mantém outro projeto que ajuda funcionários do Pompéia: o brechó solidário, inciativa que foi criada em 1983, na gestão de dona Paulina Moretto, que esteve à frente da entidade durante 20 anos. A cada dia de pagamento, o burburinho é geral na lojinha do subsolo. Roupas, calçados, acessórios, louças, panelas, brinquedos e muito mais estão à venda por precinhos camaradas.
- Esse espaço começou a nascer quando pessoas que eram atendidas aqui ofereciam algo em retribuição pelo atendimento. Parte dessas doações eram doadas a pacientes pobres que não tinham o que vestir, mas o excedente acabou vindo para cá. Hoje, recebemos coisas muito boas, novas, doadas por lojas ou malharias. Tem coisas que chegam até de outras cidades - revela Vanilda Curra Fanchin, 73 e 33 de Pio.
No último dia 5 de abril, a higienizadora Neura Cavalheiro, 41, complementava o enxoval do filho Gabriel com roupinhas da loja do Pio. Ela também ganhou o kit com 20 peças preparadas pelas voluntárias da costura, composto de conjuntos de calça e blusinha, cueiros, sapatinhos e casaquinhos, entre outros.
Os recursos obtidos com a venda das peças, afirma Vanilda, são revertidos para o grupo da costura, que compra tecidos, fios e materiais de costura para a confecção dos enxovais. As damas também são vistas ajudando na capela do hospital, por meio da pastoral da saúde. Todos os dias da semana, alguém leva a Eucaristia para os pacientes internados ou ajuda a preparar a celebração. Trabalho intensificado na gestão de dona Maria Alberti Cesa, e mais tarde, na da atual presidente, Maria Tereza Spalding Verdi, o apadrinhamento dos setores do Pompéia é levado a sério pelas damas.
- Nós procuramos dar um agradinho aos funcionários, entregamos lembranças em datas especiais como dia das mães, dos pais, Natal...É uma forma de valorizá-los, de mostrar sua importância para o hospital - afirma Maria Cesa, madrinha do bloco cirúrgico, incluindo UTI, sala de recuperação e farmácia interna.
Volta e meia, recorda ela, a associação voltava às origens promovendo desfiles, almoços e eventos beneficentes para angariar recursos para o Pompéia.
- Lembro de um desfile de noivas que fizemos, que foi um sucesso. Todos os estilistas da cidade enviaram peças para apresentarmos lá no Clube Juvenil - recorda Maria.
Outras usam seu talento para homenagear o Pompéia de várias formas: dona Dilva Conte, por exemplo, fez a escultura "Acolhimento", instalada na portaria laterial por ocasião do aniversário de 90 anos do hospital. Outra conhecida artista plástica caxiense, Rita Brugger já fez gravuras sobre o hospital para os festejos dos 80 anos e emprestou seu talento para confeccionar singelos cartões de Natal, distribuídos a funcionários e amigos do Pompéia.
- Tudo sempre deu certo porque as damas são muito unidas e trabalham em harmonia - acredita Maria Cesa.
Atualmente, a cada dois ou três meses, elas seguem se encontrando no Pompéia. Conversam, põem os assuntos importantes em dia. E, entre um gole de chá e outro, renovam o compromisso que as primeiras damas firmaram no longínquo 12 de agosto de 1913: ajudar ao próximo.
A ATA*
"Aos 12 dias do mez agosto de 1913, n'uma sala do Collegio S. José desta cidade, às 4 horas da tarde, presente os srs. Pe Vigário João Meneguzzi e Pe. Vicenzo Testani, foi resolvido funda-se uma sociedade catholica de beneficência, sob o título de Damas de Caridade. 1º A base essencial desta associação será de empregar todos os meio possíveis para diffundir a Fé de Cristo, afim que não morra pessoa em pecado, mas sim confortados pela nossa Santa Religião 2º Socorrer os pobres desvalidos, fornecendo-lhes, se necessário for, médico, medicamentos, mantimentos e leitos. 3º Para suprir as despesas, ficou resolvido organizar uma directoria para angariar associados, contribuindo com certa quantia mensalmente ou com outro qualquer donativo, não ficando estipulada taxa fixa, dando cada uma o que entender."
*Foi mantida a grafia original do documento da época.