A guerra entre criminosos do bairro Euzébio Beltrão de Queiróz (Zona do Cemitério) e um assaltante do Vale do Rio Pardo que se mudou para Caxias, onde constrói alianças para o tráfico de drogas, estaria por trás do aumento dos assassinatos na cidade. É o que respondem as autoridades policiais, quando questionadas sobre o porquê da disparada no número de homicídios.
Como neste ano já foram assassinadas 86 pessoas, há uma tendência de que seja superado o recorde de 2006, quando 121 pessoas tombaram. Nos quatro anos, pelo menos 50 pessoas teriam morrido em nome do tráfico. Outra certeza da polícia é de que as mortes têm sido tramadas dentro da Penitenciária Industrial (na frente do Hospital Geral), onde há grupos rivais identificados com os criminosos da Zona do Cemitério e com o temido assaltante natural de Santa Cruz do Sul.
Mais: as facções já teriam contaminado as galerias da distante Penitenciária Regional do Apanhador, inaugurada há dois anos na divisa com São Francisco de Paula para servir de modelo para o sistema prisional gaúcho. A vítima mais recente da guerra entre criminosos e traficantes seria Marcelo Roberto de Oliveira Gomes, 24 anos, preso no Apanhador e irmão do criminoso que veio para Caxias.
O apenado teria morrido de mal súbito, em julho, mas novas investigações apontam que ele foi asfixiado com um saco plástico. Método idêntico teria sido usado para matar, um mês antes, o companheiro de cárcere Vilmar Silva da Silva, 29. Segundo a ocorrência policial e o laudo médico, ele foi vítima de um infarto agudo do miocárdio, tese que estaria sendo desconstruída pela polícia.
Aliança criminosa
O criminoso do Vale do Rio Pardo, preso do regime semiaberto (deve comparecer uma vez por dia no presídio para assinar uma ficha) é suspeito de ser o autor de pelo menos cinco mortes de detentos da mesma situação penal, todos executados no último ano quando saíam ou chegavam na Penitenciária Industrial.
Ele também é suspeito de ser aliado de um traficante de drogas preso pela Polícia Federal há cinco anos, responsável pela distribuição mensal de 40 quilos de cocaína em Caxias, que hoje está em semiliberdade e circula com um carro blindado. A primeira das cinco mortes é a de Leandro Dagoberto Ramos, o Mão Leve, 29. O rapaz, ex-colega de prisão do criminoso, morreu em um bar, na manhã de 30 de novembro do ano passado, quando tomava café.
A mando do traficante preso pela PF, João também teria assassinado Daniel Junior Suzin, 26, preso do semiaberto. O crime aconteceu no amanhecer do dia 21 de março, no Jardim América. Suzin seguia para casa de moto, acompanhado da também apenada Kelen Thais de Oliveira, 25. Na Rua São Paulo, foram interceptados por um veículo, que os derrubou da motocicleta. Suzin estava de colete à prova de balas e foi executado com sete tiros na cabeça.
Kelen escapou por ter se fingido de morta. Mas Kelen, em prisão domiciliar após o atentado, não escapou do segundo encontro com criminoso rival e dois comparsas, no dia 14 de junho. Ela e o novo namorado, o detento Rafael de Oliveira Cavalheiro, o Quinhentos, 26, foram mortos pelos três, supostamente por divergências quanto à posse de uma submetralhadora.
Mais ousadia
Na semana que antecedeu sua morte, Marcelo Roberto recebeu, dentro da prisão, ligações do irmão, que informava estar em guerra com "o pessoal da Vila do Cemitério". Seu alvo seria o homem que comanda o tráfico no bairro, um foragido do sistema prisional.
Na noite de 6 de julho, a gangue do criminoso voltou a agir. Diferente das outras ações, quando as mortes eram em emboscadas, o assassinato de Deivid Rodrigues da Silva, o Dentão, 26, aconteceu diante de testemunhas. O ex-morador do Vale do Rio Pardo aguardava para assinar o livro de presença na Penitenciária Industrial, quando Dentão chegou de carona com a namorada, também para assinar o livro na portaria.
Ligado ao grupo das imediações do Cemitério Municipal, Dentão foi executado na frente do presídio. Na mesma noite, começaram a circular, em celulares dentro dos dois presídios, fotos de Dentão morto.
Para vingar a morte, na mesma noite houve uma reunião na galeria B do Apanhador, quando foi decidida a execução de Marcelo Roberto. Na manhã seguinte, quando plantonistas abriram as celas, um jovem morador da Zona do Cemitério condenado por três homicídios chamou Marcelo Roberto para rezar pela morte de Dentão em uma das celas da galeria. Religioso, o rapaz carregava a Bíblia e, antes que pudesse abri-la, foi dominado por 10 presos.
Os detentos sufocaram Marcelo Roberto com um cobertor e apertaram seu pescoço até ele desmaiar. Em sua boca foi despejada uma mistura de 10 gramas de crack diluída em água, na tentativa de simular uma overdose. O jovem entrou em convulsão e os algozes usaram uma sacola plástica para matá-lo.
Após a morte, os detentos avisaram os agentes penitenciários que Marcelo Roberto estava passando mal. O jovem foi encaminhado ao hospital, onde chegou sem vida. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) instaurou uma sindicância, ainda sem conclusão. Marcelo Roberto não foi o primeiro a ser morto por asfixia com uso de uma sacola plástica.
Vilmar Silva da Silva, foragido até três semanas antes de sua morte, em 3 de junho, foi vítima do mesmo método, embora no laudo conste infarto. Depois de capturado, ele foi levado à Penitenciária Industrial, onde foi espancado. Debilitado, pediu para ser levado ao presídio do Apanhador, sob uma condição: não ser colocado na galeria C, onde estavam seus desafetos. Silva da Silva foi colocado justamente na galeria C. Ele chegou a ser levado ao hospital, mas não resistiu.
Geral
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