De bermuda, camiseta e chinelo de dedos, observando o movimento na Rua Bolívar, no coração da praia de Copacabana, no Rio, a duas quadras do calçadão mais famoso do Brasil, o traficante gaúcho Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão, 51 anos, congelou ao ver três homens estaqueados ao seu lado. - A casa caiu - disse um deles, o delegado Luis Fernando Martins, do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), com uma voz conhecida do chefe do tráfico da Vila Maria da Conceição, em Porto Alegre.
O relógio na esquina com a Avenida Nossa Senhora de Copacabana marcava 23h40min na abafada noite carioca de quarta-feira, e pouca gente na rua percebeu a ação policial. A cena aconteceu bem em frente ao tradicional edifício do Cine Roxy, onde Paulão morava.
Chegavam ao fim os 18 meses de fuga de um dos criminosos mais procurados pela polícia do Rio Grande do Sul, em dívida com a Justiça por crimes de tráfico e homicídios.
Surpreendido, Paulão não reagiu. Baixou a cabeça e permitiu ser algemado por Martins e pelo delegado Cléber dos Santos Lima, e subiu com os policiais até o apartamento 901, onde vivia com duas gaúchas.
Na moradia, nada que pudesse lembrar a presença de um perigoso traficante como armas ou drogas, a não ser jornais de Porto Alegre com notícias sobre Paulão guardadas em uma gaveta. Resignado, o traficante demonstrou apenas uma preocupação: não queria ver seu nome escrachado na imprensa carioca.
O temor era de ver sua imagem abalada entre amigos que conquistou por lá. Morando no Rio havia um ano, como ele próprio admitiu aos policiais que o capturaram, Paulão circulava pela Cidade Maravilhosa com a desenvoltura de um empresário do meio artístico, se misturando, em especial, à gente da música, frequentando quadras de escolas de samba, casas de shows e badalados bares noturnos, alguns deles bem perto do apartamento onde morava.
Só quem sabia da verdadeira condição de fugitivo de Paulão eram outros amigos menos conceituados, do mesmo ramo dele, donos de bocas de fumo nos morros da Mineira e do Salgueiro, onde Paulão foi visto em bailes funk e ensaios para o Carnaval. Nesses locais, Paulão teria contatos e receberia proteção de megatraficantes ligados ao Comando Vermelho - facção de criminosos fluminenses.
Paulão deve ser reconduzido ao Central, 28 anos depois
Conforme o delegado Martins, desde o tempo em que Paulão se estabeleceu no Rio, o Denarc estava no seu encalço. Seguiram as pegadas do traficante grampeando telefones de pessoas que conviviam com ele e vasculhando sites de relacionamentos, nos quais foram postadas fotos de Paulão em momentos de lazer, uma delas em uma praia de Natal, capital do Rio Grande do Norte.
De acordo com Martins, durante o período que esteve foragido, Paulão viajou por diversos Estados, mas nos últimos dias se manteve em tempo integral no Rio, o que permitiu à polícia localizar o seu endereço com exatidão. Na noite de quarta-feira, a equipe do Denarc viajou ao Rio, convicta da captura do foragido, que usava o nome falso de Valdir Rodrigues da Silva.
- Tínhamos certeza de que ele seria pego ontem (quarta-feira) ou hoje (ontem) até ao meio-dia - afirmou o delegado.
A captura acabou ocorrendo 40 minutos após a chegada dos delegados e de três agentes do Denarc ao Rio. Estavam sem viaturas e pediram apoio a policiais cariocas para "guardar o preso". Levado de carro para a Delegacia Antissequestro, no bairro do Leblon, Paulão pernoitou na carceragem local, onde esperou até as 15h30min de ontem para embarcar de volta a Porto Alegre.
Paulão desceu do voo 1892, no Aeroporto Salgado Filho, que chegou às 17h28min. O criminoso foi colocado em uma viatura, que saiu em um comboio em direção à sede de Denarc, no bairro Navegantes, onde foi apresentado como um troféu. Mais tarde, seria reconduzido ao Presídio Central de Porto Alegre, 28 anos depois de entrar ali pela primeira vez, em 28 de março de 1982, preso em flagrante por tráfico de drogas.
Duas quadrilhas dominam tráfico em Porto Alegre
Juliana Bublitz
juliana.bublitz@zerohora.com.br
Estão na Vila Maria da Conceição, também conhecida como Maria Degolada, e no Campo da Tuca, na zona leste de Porto Alegre, os dois principais braços do tráfico de drogas da Capital, cujas influências avançam pela Região Metropolitana.
Ambos os grupos, segundo estimativas da Brigada Militar (BM) e do Ministério Público (MP), são responsáveis por alimentar e gerir mais de cem bocas de fumo na cidade, movimentando milhares de reais por dia com o comércio de entorpecentes.
A prisão de Paulão, apostam os agentes do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), deve balançar um dos pilares dessa estrutura criminosa - duvida-se, porém, que represente o fim do tráfico na região. Só a quadrilha liderada pelo preso teria sob seu comando mais de 50 pontos de drogas no bairro Partenon e na vila Cruzeiro.
Operações policiais empreendidas nos últimos anos chegaram a identificar quatro imóveis e mais de 30 veículos que seriam usados pelo bando, ligado às duas maiores facções criminosas organizadas do país - o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho, do Rio.
A outra pedra no sapato do Denarc na Capital é a quadrilha liderada pelo foragido Juraci Oliveira da Silva, o Jura, 35 anos. Com base no Campo da Tuca, o grupo de Jura disputa com a quadrilha de Paulão a hegemonia do tráfico em Porto Alegre.
De acordo com investigações de uma força-tarefa da Brigada Militar e da Promotoria de Justiça Especializada Criminal, Jura seria o patrão de 50 bocas de fumo nos bairros Partenon e São José, incluindo o Campo da Tuca e o Morro da Cruz, e de outros 11 pontos no bairro Bom Jesus, na Zona Leste.
Sob seu comando, um batalhão de subordinados lida com cerca de 30 carros, uma dezena de motos, mais de 200 telefones celulares e dezenas de pistolas e revólveres. Conforme promotores e policiais, Jura compra droga por atacado no Paraguai e a redistribui em pelo menos cinco vilas de Porto Alegre. O foragido burla as investidas da polícia há meses, como vinha fazendo Paulão.
A partir de agora, colocar Jura atrás das grades passa a ser o grande desafio do Denarc.
Na quarta-feira, os agentes acreditam ter aplicado um golpe nos negócios de Jura ao fechar um laboratório de refino e distribuição de drogas no Campo da Tuca, bairro Partenon, reduto de Jura. Foram apreendidos cerca de quatro quilos de cocaína, produtos químicos para misturar à droga e uma prensa, e uma mulher foi presa.
Perfil do preso
- Apontado como chefe da mais antiga quadrilha de distribuição de drogas em Porto Alegre, Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão, 51 anos, responde a processos por tráfico desde 1982, embora nunca tenha sido condenado por esse tipo de crime
- Está foragido desde setembro de 2008, quando cumpria pena em regime domiciliar, alegando problemas cardíacos
- Escapou ao saber, um dia antes, de uma megaoperação do Ministério Público para prendê-lo, com base em um processo no qual é acusado de tráfico de drogas que tramita na 7ª Vara Criminal da Capital e que resultou na captura de 17 integrantes do grupo dele na Vila Maria da Conceição
- Paulão já cumpriu pena por matar um rival, ocorrido em 1988. Dez anos depois, foi acusado da morte de José Antônio Rodrigues Braga, o Corujinha. Pelo crime, mesmo foragido, em março de 2009 foi condenado a 22 anos de prisão
- Paulão também responde a processos e tem contra si ordens de prisão preventiva, acusado das mortes de três desafetos - Gilberto da Silva Guedes, há cerca de quatro anos, em Venâncio Aires, Adão Jorge da Rosa Pacheco, o Adão Zoiudo, executado dentro do Presídio Central de Porto Alegre, em setembro de 2007, e Maicon Gilberto Silva da Silva, o Nego Tico, em julho de 2008
Venda de drogas segue na Maria da Conceição
Carlos Wagner
carlos.wagner@zerohora.com.br
Minutos depois da notícia de que o barão do tráfico do Estado Paulo Ricardo do Santos da Silva, o Paulão, 50 anos, havia sido preso, três homens armados começaram a circular de moto pelos pontos de venda de cocaína na Vila Maria da Conceição.
A vila é dominada pelo traficante e fica no bairro Partenon, na parte leste de Porto Alegre, onde Paulão disputa espaço com uma outra personalidade que ganhou ares de mito: Maria Francelina Trenes, a Maria Degolada. No século 19, aos 21 anos, Maria teve o pescoço cortado pelo namorado, o policial Bruno Soares Bicudo. No local do crime, foi erguida uma capela, onde as pessoas colocam placas agradecendo a Maria Degolada pelas graças alcançadas.
Entre as 3,5 mil famílias que vivem na região há uma comparação entre Maria Degolada e Paulão. Dizem que ela protege a saúde da comunidade, enquanto Paulão mantém a ordem na vila. Ordem mantida por meio de capangas armados que defendem os pontos de drogas contra traficantes adversários e mantêm longe da vila os chamados "ladrões chinelos", que são os arrombadores e assaltantes de trabalhadores de baixa renda.
Na manhã de ontem, ZH circulou pela Conceição. Um dos vendedores de droga, um jovem, mulato com tatuagens nos braços, disse que a situação não irá se alterar por causa da prisão do traficante. Isso porque Paulão não vivia no local há um bom tempo. Além disso, já esteve preso em outras ocasiões e, mesmo assim, ninguém tentou derrubá-lo do posto de principal articulador do comércio ilegal.
- Estamos na paz, chefia - disse o jovem.
Segundo ele, a procura por drogas continua na vila.
Mas nem todos estão confiantes. Na comunidade, há o temor de que a prisão possa desencadear uma guerra interna na quadrilha pelo comando do tráfico na Conceição. O receio tem razão de ser.
Prisão poderá influenciar eleição em escola de samba
Paulão dividiu os pontos de drogas em cinco grupos, com diferentes gerentes. Embora esses gerentes sejam homens de confiança do traficante, é possível que algum deles seja encorajado a tentar crescer no mundo do crime. Se isso acontecer, comentou um morador antigo da vila, haverá uma guerra. Na prática, a disputa vai se reverter em tiroteios e mortes nas vielas da Conceição.
Por outro lado, segundo policiais que trabalham na área, a estrutura de gerências construída por Paulão pode desencorajar brigas internas e até tentativas de traficantes de outras regiões da cidade de entrarem na vila.
A prisão poderá ter desdobramentos fora do mundo do crime. Integrantes da Escola de Samba Puro acreditam que o episódio deverá influenciar nas eleições para a direção, marcada para este ano. Atualmente, ocorre uma disputa na escola entre dois grupos. Um tolera a influência de Paulão nos assuntos da escola. O outro, prefere vê-lo distante. A prisão tende a dar força ao segundo grupo.
Geral
Fim da caça a Paulão: líder do tráfico gaúcho tinha vida dupla no Rio
O traficante vivia refugiado na capital fluminense, onde se fazia passar por empresário do meio artístico
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