O técnico que comandou a volta do Juventude à elite do futebol brasileiro não é um medalhão, não tem vínculos com o clube e nem mesmo é gaúcho. O perfil de Thiago Carpini, aos 39 anos, é o de um jovem promissor e que tinha no currículo um grande feito: conduzir o modesto Água Santa à final do Paulistão de 2023.
O treinador assumiu o Verdão na sétima rodada da Série B quando o clube estava fadado ao fracasso na competição. Pintado havia deixado o Ju na penúltima colocação da tabela, com apenas três pontos. Carpini chegou para tentar salvar a temporada. E, como num passe de mágica, o grupo de atletas assimilou rapidamente as ideias do treinador. Foram cinco vitórias consecutivas já na largada. E, com o passar das rodadas, a certeza de que o time seria forte candidato ao acesso. O final feliz dessa história foi contado no sábado (25), diante do Ceará, no Estádio Presidente Vargas.
— O Juventude é uma mudança de prateleira nacional. Respeito muito o Água Santa, mas é um clube novo. O Juventude tem muito mais tradição e é um divisor de águas na minha carreira, como foi o Água Santa — afirmou o comandante alviverde.
Em entrevista ao Show dos Esportes, da Gaúcha Serra, antes do acesso, Thiago Carpini falou mais sobre essa caminhada à frente do Verdão e mostrou um lado que muitos torcedores desconhecem. Confira um pouco mais das ideias do jovem treinador.
Jogo marcante
— Poderia citar a estreia contra a Chape, uma retomada, a primeira semana de trabalho e com assimilação tão rápida dos atletas. Talvez eu ficaria com o jogo da Chape em primeiro e o último contra o Ituano, com o gol de pênalti faltando 30 segundos pro final. Um momento em que a gente precisava muito daquela vitória, com o peso de alguns jogos sem vencer, apesar da invencibilidade.
Gol mais bonito
— O mais bonito foi o do Nenê contra o Mirassol, naquele 1 a 0. Um belo gol. Uma jogada muito insistida no nosso dia a dia de encurtar essas marcação com Vini, Jadson e Jean. O Vini foi um cara que roubou muitas bolas naquele setor do campo. E o Nenê ter a vivência e a maturidade de conseguir receber a bola depois que o Vini interceptou a saída da jogada. Ele conseguir girar e ter a percepção de onde estava o gol e ser tão feliz como foi naquela finalização. Ali foram pontos importantes e um gol muito bonito.
Jogo mais difícil
— Poderia enumerar vários, mas vou citar o jogo com o Vitória no Barradão. Um 0 a 0 muito complicado. O Vitória preparou uma festa muito bonita. O estádio e o entorno dele estavam muito bonitos pra comemorar o acesso e firmar a direção do título; e do outro lado tinha o Juventude. Chegamos quietinhos, de fora dessa festa e nos preparamos bem. A resposta do grupo foi muito positiva e tivemos mais próximos de vencer a partida do que eles. Pelo contexto do momento em que o time joga leve, num estádio completamente lotado e a gente conseguir ter aquela postura, foi um dos jogos mais difíceis que passamos na competição.
Principal acerto
— Reconhecer as nossas limitações e valorizar as pessoas. Não só os atletas, mas as pessoas que estão no nosso dia a dia. Entender que não só a figura do treinador é o diferencial. Sou uma peça de tudo isso que está acontecendo. Talvez com um pouco mais de peso, porque tomo as decisões, mas todos são muito importantes.
Principal erro
— Vários erros. Talvez uma estratégia de jogo. Tem um que me recordo que pensei numa coisa, em cima do adversário, eu não mudo meu comportamento do nosso time, mas procuro entender quais pontos preciso neutralizar do adversário e de que maneira posso tirar algum proveito. Eu tive um jogo com o Atlético em Goiânia onde fizemos uma análise muito detalhada e tinha muita certeza que a estratégia era boa, treinamos bem durante a semana. E quando você tem dois ou três atletas que deixam de fazer a função, compromete todo o contexto.
Principal aposta
— Individual como atleta, acredito que foi o Vini Paulista. Um cara que a vida toda foi atacante de ofício, nunca havia jogado como volante e se adaptou tão bem à função. Ajudamos ele com informações e ele com muita disposição de fazer. Foi a segunda vez que aconteceu na minha carreira. Eu lembro que em 2019 subi um meia da base do Guarani chamado Matheus Bidu. Improvisei e fiz ele virar lateral-esquerdo. Hoje ele está no Corinthians. Fiz isso também com o Lucas Crispim que era um atacante de lado que veio da base do Santos e hoje joga quase numa linha de cinco na esquerda, às vezes é um meia; e virou volante comigo no Guarani. Hoje, no Fortaleza, seguiu carreira dessa maneira. Quem sabe o Vini possa continuar uma trajetória vitoriosa numa nova função.
Culinária da Serra
— Comi muito, ganhei uns quilinhos aqui (risos). Nunca havia comido o galeto da Serra e achei muito bom. Ovelha também não tinha comido...tem muita coisa boa. Aqui vive-se muito bem. Gosto muito daqui. Apesar da minha família estar distante, quando eles vêm aqui adoram. É um povo acolhedor e educado. Não que em São Paulo não seja, mas como lá a rotina é mais acelerada, as pessoas acabam deixando de lado certas coisas que aqui você vê um pouco mais. E no período profissional, era uma vivência que eu precisava passar. Aprendi muito no Rio Grande do Sul de como é o futebol com DNA gaúcho, competitivo e aguerrido. Eu acredito muito nesse jogo. Grandes treinadores surgiram aqui e pegamos estes bons exemplos pra nós.
Cultura
— Vejo um nível cultural diferente. Já trabalhei como jogador e técnico em outros estados. É um pouco diferente aqui a cordialidade das pessoas. Vejo no prédio onde moro, a gente para e vê pessoas de todas as idades e sempre flui uma conversa sadia e agradável. Não vejo uma loucura aqui pelo futebol, acho que tudo que é demais atrapalha. Nem carro trouxe pra Caxias. Desço a pé pro Jaconi e fazer minhas coisas, moro próximo. Alguns torcedores passam e buzinam, mas não tem o excesso, tudo é muito tranquilo. Às vezes, você está no restaurante e as pessoas chegam e falam "esperei você terminar de comer pra vir te dar parabéns". Pô que legal!
Não gostou
— É do frio. É difícil acostumar. Eu não gosto. Trabalhar no frio é complicado dar o treino com grama molhada , o tempo úmido. Num dia o sol, na madrugada chove, cara a imunidade tem que estar em dia. Mas a gente se adapta. Eu adoro praia, minha esposa é que prefere o frio. Eu sinto falta do calor. Já morei em Campinas, mas prefiro Caxias. Apesar do frio, gosto muito daqui.
Guardiola ou Klopp?
— Guardiola. Tive a oportunidade de ver alguns treinos e estar próximo em um período. Em 2020/2021 voltei pra Europa pra fazer um período de observações. Acompanhei o Simeone em Madrid, o Jesus no Benfica e tive a oportunidade de ir à Barcelona, no finalzinho do Guardiola. Pra mim ele é diferente. Acredito muito nas ideias, um cara top. Se vê muita coisa boa. No Brasil, não estamos muitos distantes como algumas pessoas mensuram. Se você passar uma semana e ver um microciclo de treino, verá o tamanho e organização, preparo e convicção das pessoas que tomam as decisões, mas infelizmente isso no Brasil é uma coisa que precisaria ser mudada. Lá há continuidade no trabalho, você vê quantos anos o Klopp está no Liverpool... No Brasil é muito difícil ver isso. A paciência com o treinador local é menor. E em relação a conceitos, são coisas que eu já acreditava. Vi bons trabalhos defensivos, como o Simione, um cara que o que propõe fazer consegue com tão pouco, em comparação ao que é o mercado internacional; o Atlético não é o Real Madrid, nem tem o investimento de um grupo como o City, mas ele consegue sempre brigar num bom nível.
Nenê é maior atleta que já treinou?
— De história, sem dúvida. E de capacidade técnica, também. Teve outros, mas meu tempo de carreira ainda é curto, são apenas quatro anos. Sem dúvida o Nenê foi o maior por tudo que representa, pela trajetória vitoriosíssima da carreira.
Rivalidade
— Não percebi muito talvez por não ter vivido ela. O Caxias no momento mais delicado da história, agora conquistou o acesso pra Série C. A gente ouve muitos relatos, mas desde que chegamos, nosso momento era tão delicado também, próximos da Série C, o descenso representaria muita coisa pro Juventude; o trauma do ano passado, as coisas ruins que aconteceram no passado recente, então, tinham tantas coisas na nossa atmosfera que não vivi um pouco do clássico da cidade. Vou ter a oportunidade de viver isso na próxima temporada.