Já são 19 anos dedicados ao jiu-jitsu, três títulos mundiais, um vice-campeonato brasileiro, uma participação nos Jogos Pan-americanos, e muita história para contar. Esse é um resumo da carreira da caxiense Caroline de Lazzer, que completou 40 anos nesta quarta-feira (28), e começou a se interessar pela modalidade na Serra Gaúcha. À época, ela ainda era estudante de Educação Física e precisou do incentivo dos colegas, Rodrigo Dias e Patricia Furlanetto, para que fizesse sua primeira aula na modalidade.
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— Eu lembro que um dia estava ali na faculdade, o Rodrigo chegou na minha frente e falou: "Oh, Carol, amanhã meio-dia, em tal lugar, treino feminino, não tem mais desculpa". E virou as costas e me deixou no vácuo. Não deu tempo nem de eu tentar arrumar uma desculpa. Ele já saiu e só largou para mim, tipo: "segura essa". Enfim, foi um dia super nervoso, frio na barriga, super ansiosa e eu chego lá, veio a Patrícia e me recepcionou. Ali começou a minha trajetória, no dia 26 de março de 2001 — recorda-se Caroline.
Apaixonada por esporte, com apenas uma semana de treinamentos, Caroline participou do primeiro campeonato e venceu. A partir dali, percebeu que era isso que queria para os próximos anos de sua vida.
— Eu tinha treinado cinco dias, fui para o campeonato e venci. E ali começou. Acho que a adrenalina de campeonato é viciante, é um vício legal. E a Patrícia também viu isso, viu que eu gostava e embarcou no sonho comigo. Lembro que um dia ela chegou para mim e disse: "Carol, o que tu queres? Eu tenho certeza que tu podes ser campeã mundial, mas eu preciso saber o que tu queres". E daí, ali, eu falei para ela: "Eu quero ser campeão mundial" — conta.
Dois anos depois, ela teve a oportunidade de chegar próxima da realização do sonho. Em 2003, Carol participou do seu primeiro Mundial. No entanto, o desfecho não foi o esperado.
— Eu lembro que em 2003 lutei meu primeiro Mundial, que era o que eu tinha me programado, falei para mim mesma: "vou vencer o Mundial de 2003, depois vou me aposentar". Essa era a minha ideia na época e eu não venci. Fiquei em terceiro lugar e aquilo para mim foi arrasador. Entrei até numa espécie de depressão na época. Não tinha me preparado para não vencer, só que Deus ele tem o jeito dele de preparar sempre algo melhor — relembra.
A espera não foi tão longa, apenas três anos para que ela, enfim, conquistasse o título:
— Venci meu primeiro Mundial de faixa preta, quando era ainda faixa marrom, em 2006. E aí só foi seguindo. Nesses 19 anos consegui conquistar alguma coisa: foram três mundiais como faixa preta, europeu no jiu-jitsu, e a luta olímpica.
QUEBRA DE TABU NOS EMIRADOS ÁRABES
Em 2009, Caroline resolveu fazer uma mudança radical. Ela aceitou uma proposta e mudou-se para os Emirados Árabes, onde daria aulas de jiu-jitsu nas escolas.
— Fui na cara e na coragem. Na época, se tinha muito medo, né. Quando cheguei lá, descobri que daria aula nas Forças Armadas, nas bases militares femininas — conta a atleta.
A partir daquele momento, junto com outra profissional, criou o projeto feminino, com o sonho de fazer a diferença.
— No ano de 2012, treinei as minhas alunas e ali a gente começou a competir. E eu estou falando de mulheres árabes, com uma cultura completamente patriarcal e machista. Mulheres competindo em eventos mistos, no local que haveria homens e mulheres, e elas foram, lutaram e acreditaram. Formamos a primeira seleção feminina de jiu-jitsu e as meninas medalharam. De cinco meninas, quatro chegaram às medalhas, sendo que uma foi campeã mundial — relembra Caroline.
E não para por aí. Elas ainda tiveram que derrubar uma barreira para possibilitar que as gurias competissem internacionalmente:
— Na época, as meninas queriam participar de competições internacionais em outras federações, mas elas não poderiam, porque elas usavam hijab, que é o véu. Ali, eu comecei a entrar em contato com a Confederação e explicar o motivo de as gurias usarem, pelo fato de as mulheres árabes esconderem os cabelos, que tinha uma questão muito além do que simplesmente ser uma tradição cultural religiosa. Para elas, mostrar o cabelo é quase como mostrar uma parte do corpo. Então, ali, a gente começou essa campanha que veio realmente a cair no jiu-jitsu. Hoje, a Federação Internacional de jiu-jitsu permite que as mulheres árabes muçulmanas usem o véu, usem o hijab na cabeça. Então, ali eu vi que eu tinha conseguido atingir o meu objetivo, que era fazer uma diferença — orgulha-se.
"AS PESSOAS TÊM OS MESMOS DIREITOS"
Além de conseguir algo histórico nos Emirados Árabes, Caroline também quer deixar um legado para os filhos. Assim como aprendeu com a mãe, Mari Estela De Lazzer, ela ensina a Marcos Darkos e Maria Victorya que todos têm os mesmos direitos e deveres, independentemente das diferenças:
— Sempre fui a favor de que a pessoa pode fazer aquilo que ela quiser, independente dela ser homem ou mulher. Tanto que eu fui procurar esportes que eram menos femininos, vamos dizer assim, porque eu simplesmente queria fazer. Eu não achava que o fato de ser mulher me impediria de fazer alguma coisa. Eu sou a favor da igualdade. Não importa se é homem, se a mulher, se é negro ou se é branco, as pessoas têm os mesmos direitos e as mesmas capacidades de conquistar tudo que elas querem — defende a atleta, que também faz questão de exaltar a força que aprendeu em casa:
— Eu sou filha de uma mulher super independente, uma mulher forte, guerreira, que cuidou dos filhos, sempre priorizou os filhos. Minha mãe trabalhou a vida inteira e ela é uma leoa. Então eu acho que é isso, a mulher tem o direito e tem a capacidade de fazer tudo aquilo que ela quiser, tanto quanto homem.
No entanto, durante a carreira, Caroline viu de perto algumas situações machistas, como o assédio, por exemplo. E, por isso, ela compreende que devemos ensinar às novas gerações a importância do respeito:
— Eu tenho um filho, homem, e eu vou educar ele para que isso não aconteça. Acho que a educação é a chave de tudo e nós, como mães e pais, temos a obrigação de mostrar isso para os nossos filhos e educá-los. O exemplo é sempre o melhor caminho, junto com a educação.
Por fim, a atleta explica que, para derrubarmos o preconceito, o assédio e o machismo, há necessidade de termos mulheres em posições superiores:
— Enquanto a gente não ocupar esses lugares, como dirigentes, treinadoras, a gente vai ter essa fragilidade. Acho que quanto mais mulheres estiverem envolvidas em grandes cargos do esporte, a gente vai ter uma proteção maior. Sim, ainda existe um preconceito, existe uma diferença e acho que o principal e o pior de tudo é a questão de assédio, que a maioria das mulheres sofrem — conta.
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