Dizer que a sala da aula de educação física não tem paredes é uma verdade quase incontestável. Menos nas turmas do professor Tiago Moreno, na Escola Municipal Senador Teotônio Vilela, no Bairro Nossa Senhora das Graças.
Os alunos de Tiago enxergam sim uma parede durante o período em que estão nas aulas de educação física. Encaram ela, tentam vencer o desafio e seus próprios limites. O paredão de escalada, instalado na metade deste ano, é só um dos esportes alternativos que o professor apresenta aos jovens.
O fato é que Tiago não quer seguir um padrão. Seu estilo de dar aula o aproxima dos alunos, que têm na escalada e em outras atividades propostas a oportunidade de se encontrar com um mundo incomum.
— Serve para possibilitar uma vivência diferente para as crianças. Não é um esporte que se trabalha normalmente nas escolas. É mostrar coisas diferentes, fugir do mais do mesmo — afirma Tiago.
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O primeiro paradigma que o educador teve que quebrar foi dele mesmo. Formado em 2009, Tiago só começou a lecionar em escolas em 2013. Antes, participava dos treinamentos e de competições com equipes de basquete da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Chegar ao esporte colegial trouxe um impacto diferente para o professor.
— Quando se trabalha com competição, via de regra, quem está lá é porque quer, procura o esporte porque gosta. Já a educação física é uma matéria curricular em que se é obrigado a participar. Então, no início, tem esse choque — diz Tiago, que vê o esporte educacional como forma de inclusão:
— Na escola tu tens que possibilitar que todos participem. Então, a cobrança pela execução correta do fundamento não é o essencial. Tem que abrir o teu leque e possibilitar que todo mundo participe. Até ter essa mudança de visão foi um processo um pouco doloroso para mim.
Passada a adaptação do professor, foi a vez dele começar a fazer as transformações na maneira com a qual o grande público vê a educação física dentro das escolas.
— A gente começou o trabalho com a ideia de querer desmistificar a escola como formadora de atletas nas ditas modalidades escolares em Caxias do Sul. E assim iniciamos com os esportes alternativos. Só agora que isso começou a entrar no debate na base nacional comum curricular, e nós já trabalhamos isso há muitos anos.
Primeiro foi o parcour. Depois veio o slackline, carrinho de lomba e a tirolesa, até a chegada de uma nova “atração”. Com a parceria com o professor Siulan Adamatti, que também dá aula de educação física na escola, veio o projeto da parede de escalada.
— A ideia da parede de escalada surgiu através de uma área que a gente observava na escola. Começamos a estudar alternativas de materiais mais baratos, porque se fôssemos comprar um jogo de agarra e essas coisas, não teríamos condições. Pesquisamos e chegamos na opção de fazer a parede com materiais alternativos — diz Tiago.
Entre recursos próprios e o auxílio da direção da escola – que apoiou a ideia desde o início –, a parede surgiu e logo chamou a atenção dos estudantes.
— Começamos a montar bem na semana que houve a greve dos caminhoneiros, então não teve aula. Quando as crianças voltaram e viram aquilo, não sabiam o que era. Alguns achavam que estava saindo alguma coisa da parede. Foi bem divertido, uma surpresa para eles.
Aceitação e inclusão
Quando encarou o desafio de lecionar, Tiago abraçou também os riscos e obstáculos que a carreira traz. Daquilo que se pretende, nem tudo é realizável da forma ideal:
— Nem sempre dá para executar o que se planeja. Nossa quadra não tem uma área coberta, dependemos muito do clima para conseguir desenvolver tudo que se programa em um dia.
Para a sorte de Tiago e dos professores de educação física da Teotônio Vilela, os esportes alternativos foram abraçados pelos estudantes.
— Somos bem felizardos aqui por termos conseguido desmistificar essa parte da educação física, que não é só futebol e vôlei. Hoje, nossos alunos nem pedem mais isso.
Além da aceitação, Tiago se mostra realizado com o trabalho que pode desenvolver com alunos com necessidades especiais.
— Tenho pós-graduação para trabalhar com essa galera. Então, tento incluir todo o pessoal nas atividades do jeito que eles conseguem fazer. Tem alunos cadeirantes, com d.i. (deficiência intelectual), com baixa visão, há uma gama bastante grande dessa galerinha que incluímos nas nossas aulas da forma que eles podem realizar. Não fizemos exceção nenhuma — conta.
Para quem cresceu na competição, a escola virou um norte para Tiago.
— É uma atividade bem gratificante ser professor. Ainda mais na educação física, que normalmente a gurizada gosta. Vale a pena e é algo que marca, porque tu estás formando uma geração. E se eles conseguem vivenciar essa gama de oportunidades de atividades, com certeza serão adultos com uma mente mais aberta — conclui Tiago.