Onze anos. Esse será o tempo que os caxienses ainda precisarão esperar para ver o complexo da Maesa em pleno funcionamento. A projeção, confirmada pela secretária da Cultura de Caxias do Sul, Adriana Antunes, é calculada a partir da assinatura de um termo de compromisso do município com o Estado que simbolizou autorização da ocupação, em dezembro de 2016. Com isso, o processo de apropriação deve transcorrer até dezembro de 2028, observando-se o projeto elaborado pela comissão que definiu a destinação do imóvel.
Na proposta, a ocupação é dividida em três etapas, em períodos de quatro anos cada uma. Até o momento, do total dos 53 mil metros quadrados que compreendem o complexo da Maesa, apenas 200 — menos de 1% — foram ocupados: no final de outubro, a Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (DIPAHC) e a Guarda Municipal, com um posto de monitoramento 24 horas, passaram a utilizar duas salas de um dos prédios.
Para esse ano, essas são as únicas transferências previstas. No próximo mês, a prefeitura deve lançar edital para restauração de um dos pavimentos que receberá, em 2018, a estrutura restante da Guarda Municipal e parte da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social.
— Em 165 dias, após definição da empresa (por meio do processo licitatório), está prevista a conclusão da reforma de um dos andares. Ao longo de 2018, a Guarda e a secretaria já devem estar totalmente instaladas naquele espaço — confirma o secretário Municipal de Planejamento, Fernando Mondadori.
Embora o titular da pasta estime que a realocação completa dos setores ocorra ainda no próximo ano, por não haver licitação ainda em trâmite, possivelmente, o procedimento aconteça apenas de forma parcial.
O próximo local a ser ocupado tem aproximadamente 1,2 mil metros quadrados e se divide em dois pavimentos anexos. O acesso para o prédio se dá pela Rua Plácido de Castro, próximo da intersecção com a Vereador Mário Pezzi.
Apesar de se tratar de um avanço tímido, para o próximo ano está prevista também uma etapa importante do projeto, que é a produção de um plano mestre para definir de que forma se dará o cronograma oficial da ocupação e a localização de cada empreendimento dentro do complexo. Também deverá ser decidido qual processo a ser adotado para a ocupação: concurso público nacional para projeto arquitetônico ou a elaboração de uma proposta pelo próprio município. Posteriormente, já há definição de que parcerias público-privadas (PPPs) serão estabelecidas para a ocupação de alguns serviços.
Divergências internas sobre próxima etapa
Duas frentes na comissão especial de ocupação da Maesa discordam sobre o próximo procedimento a ser adotado no processo de apropriação do imóvel. Enquanto o secretário de Planejamento, Fernando Mondadori, defende a confecção de um projeto pelo próprio município, com o objetivo de apresentá-lo a possíveis investidores, a titular da secretaria da Cultura, Adriana Antunes, defende que o caminho mais adequado é lançar a proposta em um concurso público nacional.
— É a chance de projetar a Maesa e Caxias do Sul para o Brasil. A intenção é já divulgarmos o complexo como a referência cultural que pretendemos torná-lo, o que é, inclusive, o principal propósito de toda a ocupação. Voltar a atrair, quem sabe, até as grandes turnês de teatro, por exemplo, como ocorria na cidade há anos — destaca Adriana.
Para Mondadori, que irá apresentar as propostas nesta terça-feira ao prefeito Daniel Guerra (PRB), a abertura do concurso público engessaria o processo e reduziria as opções para eventuais investidores:
— O quanto antes dermos a oportunidade de a iniciativa privada planejar, melhor. E se lançarmos concurso para projeto arquitetônico, o município ficaria refém desse autor. Se um empresário quisesse utilizar um espaço específico do complexo, muitas vezes não poderia, pois não consta no projeto — alega.
De acordo com Carlos Eduardo Mesquita Pedone, representante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU-RS) que integra a comissão de ocupação, a opinião de Mondadori "carece de conhecimento" acerca das reais possibilidades e das regras que regem um concurso nacional.
— (O concurso público) é fundamental, pois amplia as opções de escritórios qualificados que podem colaborar e qualificar de forma significativa o projeto, sem contar que projeta a Maesa nacionalmente. Há um receio devido a experiências traumáticas, como os Pavilhões (da Festa da Uva), em que a prefeitura ficou refém do projeto arquitetônico, mas lá se vão 40 anos. Desde então, colecionamos vários exemplos positivos. A França, por exemplo, lança mais de 2 mil concursos por ano e são totalmente funcionais — ressalta Pedone.
Após a decisão sobre o encaminhamento do projeto de ocupação, o plano é iniciar a apresentação das propostas à iniciativa privada para definição de parcerias público-privadas (PPP).
O coordenador da empresa de consultoria Radar PPP, Bruno Ramos Pereira, corrobora com a visão de Mondadori, afirmando que a eliminação do concurso nacional daria mais liberdade para a iniciativa privada escolher o que fazer com o espaço.
— Eu não consigo imaginar o porquê de um concurso de arquitetura. Seria melhor se fosse contratado um estudo de viabilidade completo, que se preocupasse com todas dimensões, não só arquitetônica. É preciso construir um modelo que seja equilibrado tanto para o interesse público quanto da iniciativa privada, que é quem vai colocar o capital em risco — afirma.
Como está a ocupação
O FUTURO DA MAESA
A secretária da Cultura, Adriana Antunes, garante que o planejamento de ocupação da Maesa prossegue o mesmo: 15% da área será destinada a serviços públicos e o restante para demandas de diversas áreas. Previsto a ser executado em três etapas, o processo ocupação se encontra no início da primeira fase. Confira o cronograma preliminar:
ETAPA 1 (NOS PRIMEIROS QUATRO ANOS)
:: Instalação de órgãos da gestão pública: oito secretarias serão transferidas para o espaço, sendo quatro de maneira parcial. Repartições da administração também serão realocadas.
:: Demandas culturais: multipalco (para música, teatro e dança),museu de artes plásticas, Acervo Municipal de Artes Plásticas de Caxias do Sul (Amarp), espaço para exposição de fotografias, instalação de cinema, biblioteca, artesanato (sala para venda e exposição).
:: Conselhos Municipais: instalação de sala para os conselhos
:: Comunitárias de interesses públicos: não há definições. Possível ocupação com Procon, Casa da Cidadania ou outros órgãos de interesse comunitário.
:: Sala para arquivo público.
:: Preservação e restauração das áreas abertas: duas praças e um lago compõem o interior do complexo.
:: Criação de áreas de estacionamento.
ETAPA 2 (AO LONGO DOS PRIMEIROS OITO ANOS)
:: Instalação de um mercado público.
:: Sala para economia criativa, com instalação de possíveis startups.
:: Espaço cenotécnico: para montagem de cenários ou construção de sets de filmagens
:: Auditório ou centro de convenções.
ETAPA 3 (EM ATÉ 12 ANOS)
:: Área de recepção.
:: Sala de espetáculos.
:: Área técnica.
:: Estacionamentos.
Para todas as áreas estão previstas a implantação de infraestrutura para serviços de telecomunicação, abastecimento, manutenção, segurança, coleta de lixo e sistemas de tratamento de água e esgoto compatíveis à dimensão.
Metalúrgica Voges deve sair do complexo em agosto
A partir de um termo de ajustamento de conduta (TAC) assinado junto à procuradoria-Geral do Município, a metalúrgica Voges se compromete a deixar o complexo da Maesa até agosto de 2018. No acordo, a empresa, que ocupa cerca de 30% da área total, conforme a prefeitura, também se compromete a pagar aluguel — obrigação que havia sido cobrada.
A primeira parcela, no valor de R$ 20 mil, foi quitada em julho deste ano. Desde então, ficou definido que de julho de 2017 a março de 2018, a empresa pagará R$ 16 mil mensais. Nos últimos cinco meses (março a julho do próximo ano), a Voges terá de repassar de R$ 12 mil mensais ao município.
Comissão avalia impacto na vizinhança
O entusiasmo que sucedeu ao anúncio da doação do complexo da Maesa ao município, ainda em 2014, foi incorporado pela população, que criou imediatas expectativas para a ocupação do espaço. Passados quase três anos — e apenas um da transferência oficial do imóvel ao município —, a pequena parcela ocupada decepciona algumas esferas.
A secretária da Cultura e presidente da Comissão, Adriana Antunes, alerta, porém, que a Maesa não é um projeto de um só governo e nem de dois: é de Caxias.
— Independentemente de questões políticas, devemos reconhecer o trabalho feito pela comissão na administração passada, que foi muito importante para darmos continuidade imediata. Falou-se muito que estávamos recomeçando do zero, o que não é verdade — afirma.
Embora o trabalho atualmente se concentre em questões burocráticas, o grupo intersetorial avalia o impacto que o complexo ocupado causará à vizinhança do bairro Exposição. Nessa etapa, são analisadas a possível valorização imobiliária, as consequências da sobrecarga nas ruas e estradas, redes de abastecimento de água e coletoras de esgoto, sistemas de coleta de lixo, transporte e mobilidade urbana, entre outros.
O ritmo dos trabalhos é considerado adequado pela própria comissão, pelo menos até que haja definição de como irá se proceder quanto ao planejamento mais específico da ocupação:
— É necessário cautela, pois precisamos respeitar o aspecto cultural e o patrimonial. O prédio é imponente e vai tornar a região referência. Então, deve ser ocupado com calma, priorizando a humanização do espaço e garantindo a valorização histórica do que ele representa — comenta a arquiteta Sílvia Nunes, a integrante da comissão da Maesa e do núcleo Caxias do Instituto de Arquitetos do Brasil.
A comissão se divide em vários eixos de trabalho: arquitetura, uso do prédio, história, memória, acervo e educação patrimonial, artes visuais, arte e cultura, administração, teatro, mercado público, sustentabilidade ambiental, gestão sustentável do empreendimento e impacto na vizinhança.
Referência arquitetônica na cidade
O complexo que abrigava a antiga Fábrica 2 da Metalúrgica Abramo Eberle S.A. completa 70 anos em 2018. Apesar das sete décadas, o imóvel apresenta condições relativamente boas, na avaliação da secretária Adriana Antunes.
— Notamos que os problemas maiores eram no telhado e na própria descaracterização de algumas áreas. No geral, surpreendeu o bom estado de conservação do espaço. O que temos a lamentar, de fato, é ele estar em condição de abandono esse tempo todo — comenta.
Embora a poluição e as questões ambientais estejam sendo tratadas por um grupo específico da comissão, a secretária adianta que os prédios ocupados pela Voges não apresentariam problemas maiores, como contaminação em decorrência da atividade fabril.
Com início da edificação, em 1948, o complexo da Maesa virou referência arquitetônica na cidade. Com revestimento de tijolos, as características — que se baseiam em modelos britânicos de fábricas tipicamente manchesterianas — eram novidade na composição predial da época e serviram de exemplo para edificações posteriores na cidade.
A ideia, de acordo com Adriana Antunes, é manter todas as características fabris, embora, recentemente, a própria prefeitura tenha modificado aspectos da fachada com a primeiro prédio ocupado.