No gramado da Arena Condá, em Chapecó, era para ser dona Ilaídes Padilha a entrevistada do repórter Guido Nunes, do canal SporTV, na última sexta-feira – três dias depois da queda do avião ter vitimado 71 pessoas na Colômbia, incluindo o time do Oeste catarinense, que disputaria a final da Copa Sul-Americana. Foi quando a situação se inverteu: a mãe do goleiro Danilo, da Chapecoense, perguntou ao jornalista como ele se sentia. Teve um choro como resposta, que foi prontamente consolado por um abraço ao vivo na rede nacional de televisão.
A força da matriarca impressiona, porque essa não foi a primeira vez que ela se mostrara firme frente à perda. Não derramou uma lágrima em entrevistas, enquanto o momento é de consternação no Brasil e até no mundo. Para a presidente da Associação Brasileira de Apoio ao Luto (Casulo), Alice Quadrado, que atuou voluntariamente no acolhimento aos familiares das 199 vítimas do acidente envolvendo o avião da TAM em Congonhas há nove anos, cada pessoa reage de forma diferente em relação à morte, por se tratar de algo inexplicável para o ser humano.
– Muitas vezes as pessoas muito religiosas tentam enfrentar a perda de maneira mais forte e só mais tarde é que vão se dar conta da dor. Mas mesmo assim o sofrimento chega, principalmente por se tratar da morte de um filho – explica a fundadora da instituição, que criou a Casulo após perder a filha em um acidente.
Especialistas divergem sobre um tempo considerado normal para o luto: um mês, dois meses e até um ano. Independentemente do prazo, que pode variar, a necessidade de permitir-se viver esse sentimento também é defendida pelo médico psiquiatra membro da Associação Catarinense de Psiquiatria, Pedro Rosar. Principalmente por se tratar de uma tragédia coletiva como a do avião da LaMia, conforme o especialista.
– Tem uma violência nesse caso. É parecido perder alguém devido à criminalidade ou a um acidente de automóvel. Porque, além de inesperada, é uma perda agressiva. Então esses eventos deixam a pessoa mais propensa a desenvolver algum tipo de doença mental que tem origem no luto patológico. É necessário atenção dela mesma e de quem está no entorno – avalia.
A psicóloga e psicanalista Cláudia Perrone, que atuou na tragédia da Boate Kiss, no Rio Grande do Sul, defende que as pessoas sejam acolhidas nesse momento, mesmo esse trabalho sendo dificultado em situações de traumatismo coletivo.
– As pessoas ainda não conseguem falar muito bem. A melhor alternativa é acolher, seja o choro, a fala ou o silêncio. Nesse caso em Chapecó, tem um elemento semelhante à Kiss, que é a necessidade de um atendimento individual de alguém que possa suportar essa carga de angústia, mas também de uma elaboração coletiva, porque a identidade da comunidade foi abalada – garante a professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
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Como a síndrome do luto se manifesta
Os estágios abaixo relacionados por Elizabeth Kübler-Ross a partir do livro marco da tanatologia Sobre a morte e o processo de morrer foram estudados, de forma empírica, observando pessoas no leito de morte. Sentimentos, vontades, reações e comportamentos foram analisados. Esses sinais e sintomas também podem ser agrupados na chamada síndrome de luto – reconhecida por qualquer pessoa frente a uma perda sentimental, a morte de um ente querido ou a um diagnóstico sombrio, como o câncer. A intensidade das etapas vai depender do grau de afetividade entre a pessoa e o ente querido, principalmente, não são lineares, nem vetores. O paciente pode voltar à negação a qualquer momento, por exemplo. A etapa única e final deve ser a aceitação. Entenda:
Primeiro estágio: negação e isolamento
O que é? O estágio de negação serve, na verdade, como um "para-choque", um amortizador do impacto da notícia.
Como lidar? Acolher a negativa, sentir a angústia e prestar/receber suporte emocional.
Segundo estágio: raiva
O que é? Quando a negação não é mais possível de ser mantida, vem a raiva.
Como lidar? Entender que a raiva não é pessoal. O acolhimento faz com que o paciente vivencie o momento, entenda a natureza do sentimento e trabalha suas defesas.
Terceiro estágio: barganha
O que é? Há uma tentativa de se sair bem sucedido, fazendo algum tipo de acordo que adie, de alguma maneira, o desfecho final, inevitável. Na verdade, a barganha é tão somente um adiamento, um prêmio que pode vir a acontecer, uma meta a ser perseguida com a finalidade de se prolongar a vida.
Como lidar? Às vezes, uma conversa franca e aberta com um aconselhamento espiritual pode favorecer o melhor entendimento neste estágio e do que pretendemos com ele, além de revisar a noção de pecado, culpa e castigo.
Quarto estágio: depressão
O que é? Grande sensação de perda iminente. Há, porém, uma diferença real entre a depressão que acompanha o primeiro estágio e a depressão deste estágio. A primeira é uma depressão reativa, e a segunda é uma depressão preparatória.
Como lidar? Nesse estágio, ajuda muito que deixemos o paciente verbalizar o seu pesar. Não são necessárias frases animadoras ou conversas otimistas. O silêncio falará mais que as palavras. O importante neste momento é se sentir amparado, nunca sozinho. O toque, comunicação não verbal, fará as vezes das frases desnecessárias e inconvenientes. Na verdade, a depressão é um instrumento de preparação para o estado de aceitação, que se segue.
Quinto estágio: aceitação
O que é? O paciente, neste estágio, tem uma necessidade de perdoar e ser perdoado pelos outros e, até mais, ser perdoado por ele mesmo.
Como lidar? O segurar a mão e o estar próximo dizem mais do que palavras proferidas. Nesse último estágio, a família carece mais de cuidados. Entender o que o paciente precisa e respeitar suas necessidades é ímpar neste momento para que ele viva seus momentos derradeiros em paz.
Continuação
O prolongamento da síndrome de luto pode se expressar de pelo menos três formas: transtorno de stress pós-traumático, transtorno de ajustamento e depressão. Em todas elas, há prejuízo em todas as funções da pessoa em diferentes meios da sociedade _ familiar, social e trabalho, por exemplo_ além de gerar ansiedade, tristeza exacerbada, alimentação de má qualidade e problemas com o sono. É fundamental buscar ajuda de um médico psiquiatra.
Fonte: Kübler Ross em Sobre a morte e o processo de morrer