Justamente em um momento que o basquete brasileiro atravessa uma grave crise, com sérios problemas na Confederação e deficiências na base, os irmãos gêmeos bivitelinos Augusto e Antônio Dartora De Martini projetam um futuro promissor na meca da modalidade mundial. Aos 14 anos, os caxienses ganharam uma bolsa para estudar e treinar basquete nos Estados Unidos em uma das escolas mais conceituadas nas avaliações da liga universitária e da NBA, que monitoram talentos desde muito cedo. Os dois serão alunos da IMG Academy, em Bradenton, na Flórida, um dos centros esportivos de excelência mais badalados do mundo.
– A gente foi dois anos seguidos para os Estados Unidos no verão para treinar nas clínicas de basquete da IMG Academy, por conta própria. Aí os caras gostaram da gente, falaram para enviar vídeos dos treinos aqui no Brasil ao longo do ano e foram monitorando, até que nos ofereceram uma bolsa de estudos de 50%, percentual máximo permitido para o primeiro ano do ensino médio. Depois, se a gente for bem, podemos ganhar a bolsa integral – detalha o ala Augusto, o mais alto dos dois, com 1m90cm.
Os irmãos se apaixonaram pelo basquete desde muito pequenos, um pouco influenciados pela mãe Talu Andréa Dartora De Martini e pelo pai André De Martini, ex-jogadores de clubes tradicionais de Caxias.
– Eu joguei no Clube Juvenil e o André foi do Recreio da Juventude – conta a mãe.
Augusto e Antônio também começaram no Juvenil. Foram treinados por Rodrigo Barbosa, hoje técnico do Caxias do Sul Basquete/Banrisul.
– Eles tiveram uma grande mudança há um ano, quando nos procuraram no Grêmio Náutico União, onde eu era técnico. E, a partir daí, mudaram completamente a rotina. Primeiro, moravam em Caxias e iam três vezes por semana para Porto Alegre. Depois, foram morar lá com a mãe deles, treinavam todos os dias, seja no clube, em clínicas ou comigo de personal, e foram evoluindo cada vez mais. Então, já estão focados, e agora vão dar esse salto para os EUA – diz Rafael Martins dos Santos, o Toca, atual treinador da seleção gaúcha sub-14 e do Clube Juvenil.
Nada parece deter o sonho dos irmãos. Determinados, tiram de letra as tentações de adolescentes.
– Eles querem muito jogar basquete em alto nível. As notas no Colégio São José, em Caxias, e depois no Rosário, em Porto Alegre, sempre foram muito boas. Sabem que para fazermos o que eles querem precisam estudar muito. Então, nunca tivemos problemas com isso. Se eles saíram quatro vezes para festas no ano foi muito. E não é porque eu não deixo, eles é que não querem. A rotina de treino é exaustiva – revela Talu.
A mãe conta que partiu deles toda essa determinação e interesse, mas ao mesmo tempo as portas foram se abrindo de forma natural:
– Desde pequenos, eles viajam de férias para os Estados Unidos comigo e com o André. Aí começaram a pedir para estudar inglês, porque a gente falava e eles não. Depois, começaram a fazer clínicas de basquete em algumas escolas de lá. Até que foram na IMG Academy e se encantaram. Lá é o top do esporte na idade deles. A partir daí, tudo começou a caminhar para isso. Eles foram se desenvolvendo, as pessoas do basquete, como o Toca, foram falando bem deles e aí aconteceu. E a bolsa de 50% viabilizou esse sonho.
A expectativa é simples como são os sonhos de todos os adolescentes: cursar a high school com êxito, entrar numa faculdade e alcançar o topo.
– É muito mais fácil chegar na NBA jogando lá nos Estados Unidos desde a escola. É o nosso sonho. Para se ter uma ideia, os técnicos dos times da faculdade olham quase todos os jogos de high school e fazem monitoramento desde a nossa idade – explica o armador Antônio, o mais baixo dos irmãos, com 1m78cm.
Títulos, seleções e técnico de talentos
A evolução dos irmãos tem muito a ver com o técnico Rafael Santos, o Toca, que passou a treiná-los no União, em Porto Alegre, e nas seleções gaúchas desde 2015. Por ironia do destino, o caminho dos irmãos e do treinador se inverteram em 2016. Toca veio trabalhar em Caxias do Sul a convite do Clube Juvenil para descobrir outros talentos caxienses.
– Eles são os maiores talentos de Caxias do Sul nessa faixa etária. São convocados para seleções gaúchas, foram campeões gaúchos, sul-brasileiros e outros torneios. Hoje, não tem seleção brasileira sub-14, só sub-15. Se tivesse, seriam convocados – comenta o treinador.
Toca sabe que treinar nos EUA não é garantia de sucesso, mas o futuro é promissor:
– Se daqui a pouco não chegarem no topo, que é a NBA, de repente podem fazer estágio na Europa e depois voltar. Isso aconteceu com muitos brasileiros, como o Marcelinho Huertas, por exemplo. O Arthur Bernardi, que hoje joga no Caxias do Sul Basquete, fez high school e depois foi para a Europa. E se não der certo, vão ter um grande estudo, o que é um ganho também.
QG de futuros astros do esporte
A IMG Academy é como se fosse um Quartel-General (QG) para formar campeões em diversas modalidades: basquete, futebol americano, soccer (futebol), tênis, beisebol, atletismo. Fica na cidade de Bradenton, a cerca de 200 km de Orlando, na Flórida. Para os atletas em nível escolar, a rotina é desgastante só de pensar.
– A gente vai estudar das 7h30min até 12h30min. Depois, tem o almoço até 13h30min, quando começa a aula teórica com o técnico, com recursos de vídeos e tal, até 14h. Das 14h às 16h, a gente vai para o treino físico na academia. Aí, das 16h às 18h, tem o treino na quadra com o time, e depois é a janta. Se estivermos mal nos estudos, é obrigado a fazer reforço às 19h30min. É bem rígido – destaca Augusto.
Além de vários astros da NBA que já passaram pela IMG, há uma referência atual, como aponta Augusto:
– O fenômeno da escola é o Trevon Duval, melhor armador dos Estados Unidos do ensino médio. Já vimos ele treinar lá. Bah, e o cara é bom demais.
– Não tem nada parecido com isso no Brasil. É um centro esportivo de excelência em várias modalidades, onde os alunos moram lá. No Brasil, temos clubes como União, Sogipa, Pinheiros, Minas, mas em nenhum deles se mora dentro do clube. Esse é o grande diferencial, é o modelo americano. Lá, o técnico tem contato direto com os professores. Se o aluno não estiver bem em alguma disciplina, vai estudar e é proibido treinar. A alimentação é regrada por nutricionistas do esporte e por aí vai. Isso faz como que as ofertas de distração fiquem raras, ou seja, o foco é total no esporte e nos estudos. Em clubes de futebol do Brasil, é meio parecido, mas a diferença é que não tem escola dentro e os atletas têm mais liberdade – compara o técnico Toca.