A inviabilidade dos acessos por terra e por ar, com a interrupção de rodovias e o fechamento do aeroporto de Porto Alegre, respingam na operação do setor de turismo. Os impactos ainda são mensurados, mas já se teme por demissões devido à baixa de turistas e por um caminho demorado até a reconstrução do Estado. Mas a esperança e o otimismo agora se voltam para as estratégias pensando no futuro, como negociar o reagendamento com os clientes, uma vez que, no segundo semestre, eventos reconhecidos nacionalmente, como o Festival de Cinema e o Natal Luz, estão mantidos para 2024 nas Hortênsias.
O baque, contudo, vem logo quando se iniciaria a temporada de frio, grande momento para a Serra, sobretudo em regiões como as Hortênsias e Bento Gonçalves. Entidades como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e a Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) trabalham em campanhas para que os turistas não cancelem as viagens, mas remarquem para datas futuras. O Vila Suzana Parque Hotel, de Canela, foi um dos que abraçaram a iniciativa.
Com acomodações vazias pelo menos até o fim de maio, o hotel aposta na negociação direta com os hóspedes para que as estadias sejam mantidas.
— Aos nossos hóspedes que ligam pedindo cancelamento, estamos oferecendo um crédito das diárias para que sejam utilizadas em 12 meses. As pessoas em geral estão se sensibilizando, concordam que isso vai passar e que em algum momento vão poder retornar – diz Carolina Wender, gerente geral da rede.
Ela diz que o foco dos empresários do setor está concentrado no segundo semestre. Uma série de eventos que ocorreriam agora, como o Salão Internacional do Calçado e o Connection Experience, estão sendo remarcados.
— Sabemos que a retomada será lenta. Agora que ia começar o frio, assim como o feriado de Corpus Christi, que costuma ser como uma Páscoa para a Serra. Mas estamos felizes que os eventos estão sendo transferidos para outras datas — avalia Carolina.
Visão similar sobre a retomada no segundo semestre é compartilhada pela presidente da Gramadotur, Rosa Helena Volk. A autarquia de turismo e cultura é responsável pela realização de eventos públicos em Gramado, tais como o Festival de Cinema, o Festival de Gastronomia e o Natal Luz.
— Antes do Festival de Cinema, vamos fazer agora, de 30 de maio a 2 de junho, na Praça das Etnias, uma feira de agroindústrias da Festa da Colônia. É o feriadão de Corpus Christi e temos certeza que, embora o Estado esteja e vai ficar impactado com as consequências deste desastre por algum tempo, precisamos fazer a roda girar. Inclusive, estamos construindo um calendário mostrando todo o potencial turístico para o segundo semestre. Teremos eventos maravilhosos, tanto públicos, como privados, que serão aqui — garante Rosa Helena.
“A gente vai se reerguer, não vamos desistir”
Empresária do setor varejista e hoteleiro, Suelci Cardoso, 47 anos, sente a diminuição de movimento nas duas lojas de malhas e em um hotel que mantêm no centro do Gramado. Embora estime uma redução de vendas de 90% nas peças de roupas, em comparação a abril, ela entende que manter as lojas de portas abertas torna a situação menos pesada e até mais esperançosa para o futuro da cidade.
Suelci ainda lembra que o momento atual se assemelha ao auge da pandemia de coronavírus, quando o turismo foi fortemente impactado em âmbito mundial.
— Se fecharmos as portas e esperarmos passar, vai ser pior, porque vão dizer que Gramado está fechada. O meu pensamento e a minha esperança é de que vai ser difícil, mas a gente vai se reerguer, não vamos desistir. Estamos mantendo alguns horários e vamos colocar alguns colaboradores de férias — aponta.
Sobre o hotel, Suelci diz que são 52 leitos disponíveis e que as reservas para maio foram todas canceladas. A incerteza dos viajantes respinga também nos meses seguintes, com desistências em junho, julho e agosto. A esperança vem de quem consegue manter os pacotes contratados:
– Os nossos hóspedes nos dizem que não se sentem seguros e nem confortáveis de vir comemorar e ver pessoas sofrendo. Mas, por outro lado, hoje de manhã (quarta-feira) eu tive três clientes que solicitaram os valores em carta de crédito, dizendo “nem que eu vá em 2025, mas eu vou” — conta Suelci.
À frente de uma loja de vinhos no Centro, Gustavo Calado, 36, também aposta no otimismo para seguir em meio à crise.
— O que comentam é que está muito parecido com a pandemia, com apenas o pessoal local circulando. Conheço amigos de Recife que viriam passar o inverno aqui e cancelaram porque têm receio de remarcar. Mas o que eu estou falando para todos é que as coisas estão funcionando na Serra gaúcha, mesmo que de forma restrita. A nossa expectativa, agora, é de que o pessoal remarque para o final de ano e venha aproveitar o Natal Luz — comenta o gerente.
Desafio é manter os empregos
Na Serra, o movimento de hotéis e de parques está reduzido a quase zero. Os turistas que estavam nas cidades quando as chuvas começaram, no fim de abril, conseguiram retornar para os locais de origem. Agora, o fluxo é mínimo, já que as principais rodovias de acesso seguem bloqueadas e o principal aeroporto do Estado está inoperante. Na última quarta-feira, a reportagem do Pioneiro esteve na cidade e encontrou comércios quase desertos, restaurantes fechados e pontos turísticos, antes disputados, praticamente vazios.
Segundo o presidente do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares, Parques, Museus e Similares da Região das Hortênsias (SindTur Serra Gaúcha), Claudio Souza, o impacto em empregos será inevitável. São estimadas 20% de demissões imediatas. Uma solução para manter a empregabilidade foi os empreendimentos adotarem férias para as equipes, bem como a redução no horário de atendimento ao público.
O SindTur Serra Gaúcha representa cerca de 200 negócios da rede hoteleira nos municípios de Gramado, Canela, São Francisco de Paula e Nova Petrópolis. Somente para o mês de maio, o sindicato empresarial estimava prejuízos de até R$ 150 milhões no setor. Não se descarta que a longo prazo as perdas possam ir bem além dessa cifra.
— A nossa região terá um papel importante na reconstrução do Estado, mas para isso precisamos trabalhar. Temos que restabelecer as moradias, os acessos e, principalmente, manter os empregos — afirma Souza.
A expectativa é de que algumas operações possam ser recuperadas a partir de junho, a tempo de aproveitar a temporada de inverno, e também com a remarcação de alguns eventos.
— Perdemos o Dia das Mães, e alguns eventos como feiras foram remarcados para outros meses. A nossa esperança é que a partir de junho tenhamos alguma retomada de infraestrutura por via rodoviária ou aérea, para que possamos fazer campanhas para que o turista volte a contribuir com a economia do Estado. Temos que pensar no todo — finaliza o presidente do SindTur Serra Gaúcha.
Recalcular a rota
A reportagem fez contato com a Secretaria de Turismo do Estado (Setur-RS), mas a pasta informou, por meio da assessoria, que é ainda cedo para se ter um levantamento do impacto das enchentes no setor de turismo e que “o momento ainda é de salvar vidas”.
Presidente da Abav-RS, João Machado diz que o cenário se torna ainda mais problemático quando considerada a sua abrangência. Isso porque as interrupções não afetam um só destino específico, mas, sim, todas as viagens, que estão sendo remanejadas. As companhias aéreas estão flexibilizando os embarques e realocando as viagens em outros aeroportos, conforme as opções de destinos.
— Na pandemia foi a forma que se encontrou para solucionar o problema. A ideia é que ninguém saia prejudicado. Sofremos com a incerteza de até quando isso vai, mas temos a empatia de que simplesmente não se pode acessar o aeroporto — diz Machado.
A recomendação aos viajantes é que procurem as agências de turismo para orientações e esclarecimentos. Segundo a Abav, as empresas estão solidárias em pelo menos garantir o suporte em informações, enquanto não é possível viajar.
Desde o dia 11 já operam no Estado os voos extras da malha área emergencial com destino a aeroportos do interior gaúcho. As rotas incluem voos para Caxias do Sul, Passo Fundo, Santo Ângelo, Base Aérea de Canoas, Pelotas, Santa Maria e Uruguaiana. A previsão é de que o terminal de Porto Alegre permaneça fechado até setembro.
O plano emergencial, articulado por Ministério de Portos e Aeroportos, Anac, ABR, Infraero, Abear e companhias aéreas prevê 116 voos semanais numa primeira fase, sendo 88 no Rio Grande do Sul e 28 em Santa Catarina.
O momento, no entanto, segue focado em pessoas que precisam vir ao Estado para trabalhar ou outras questões que não incluem necessariamente o turismo. Primeiro porque as cidades afetadas sequer têm condições de receber este público, e segundo porque não há clima entre os turistas, de acordo com as entidades.