Negociar e vender para compradores internacionais não é mais uma exclusividade para grandes empresas. Nos últimos anos, exportar também se tornou uma possibilidade de negócio para pequenos e médios negócios de Caxias do Sul e de outras cidades da Serra. Para uma região conhecida pelo polo metalmecânico, moveleiro e produção de derivados da uva, há muitas outras opções de produtos fabricados e que estão conquistando cada vez mais o mercado externo.
Apostar nas exportações é um caminho que precisa de orientação. Um passo importante acompanhado pelo Peiex, um núcleo de capacitação da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e liderado em Caxias pela Microempa. Na prática, os técnicos do Peiex auxiliam pequenas e médias empresas de forma gratuita a se estruturarem para prospectar clientes fora do Brasil, permitindo a ampliação dos negócios e a faturarem em dólar.
— São empresas que não possuem um setor de exportação. É o dono do negócio que produz, vende, fatura e não tem braço para pensar em exportar. O nosso apoio não é por meio de aulas gravadas ou coletivas, mas com acompanhamento de perto, individual, conhecendo as características do negócio — explica monitor do Peiex em Caxias, Gustavo Fröhlich.
Durante o programa, a empresa aprende a estruturar um plano de exportação, onde identifica um mercado promissor, as regras para negociação, tributação e qual a logística para fazer com que o produto chegue até o seu destino.
Grande parte das organizações pode contar com a parceria de uma trade company, intermediário que liga o fornecedor e o comprador internacional. Ao mesmo tempo, pela internet, compradores de outros países entram em contato, pedem orçamentos e fecham pedidos - exigindo conhecimento em outras línguas.
— Brasil é um país grande, atrai empresas de fora, mas é um único mercado. Está sujeito a crises, oscilações, dólar, sazonalidades. Ao exportarem, as empresas também vão melhorar os seus produtos. O cliente de fora é mais exigente e faz com que a empresa aperfeiçoe os seus processos, produtos e ganhe com isso, aumentando a lucratividade — explica Fröhlich.
Para dar o primeiro passo, o Peiex sugere que as empresas possam investir em capital humano e também haja recursos para investimento na empresa, pensando em um catálogo ou embalagem que tenha outros idiomas, participação em feiras e até um site internacional.
Ao todo, 155 empresas fazem parte do programa e 25% delas iniciaram o processo de internacionalização ao longo dos últimos dois anos. Para ampliar esse número de empresas capacitadas a exportar, a Microempa pleiteia prorrogar a parceria com a Apex-Brasil e atrair mais negócios interessados em vender para o mercado externo.
— O sorvete é exportável, por exemplo. Mas se tu for na sorveteria da esquina tu não vai conseguir exportar o sorvete de casquinha vendido ali. Na teoria, qualquer produto pode ser exportado, independentemente do porte da empresa, classificação tributária. Ela precisa de planejamento, capacitação, ter um produto competitivo e a ambição de querer exportar — ensina Fröhlich.
Plano para voos muito altos
A professora e coordenadora do curso de Comércio Internacional da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Simone Fonseca de Andrade Klein, relaciona a missão de exportar como um voo de avião. Segundo ela, não é possível se aventurar sem ter um plano. Ao mesmo tempo, é necessário conhecimento para superar as turbulências que podem aparecer pelo caminho.
Ela lembra ainda que empresas exportadores possuem desoneração de tributos, como IPI, ICMS, Pis e Cofins. Dessa forma, conseguem aumentar a margem de lucro e precificar o produto sem a carga tributária nacional - há uma regra global que diz que impostos não se exportam.
Simone afirma que, ao exportarem, as empresas da região ganham maturidade corporativa.
— Uma empresa que se restringe ao mercado interno limita o seu crescimento, perde a chance de ampliar a produção e o faturamento. Ao mesmo tempo, quem aposta no mercado externo tem a chance de ganhar em escala, acessar novos mercados, tecnologia, participar de feiras, rodadas de negócios e ampliar os seus mercados — afirma.
De uma maneira geral, 46% das exportações feitas em Caxias são para itens ligados à indústria metalmecânica. De janeiro a agosto, foram movimentados US$ 470 milhões, número pouco maior que os US$ 461 milhões atingidos no mesmo período do ano passado.
Segundo o vice-presidente de Indústria da CIC Caxias, Ruben Antônio Bisi, os números de exportações em Caxias do Sul poderiam ser ainda melhores. O impacto mais significativo para o maior município da Serra foi a consolidação da perda da Argentina como um dos principais parceiros comerciais.
Para as empresas brasileiras que exportam para o país vizinho, o maior problema é cambial. Sem reservas, o governo argentino vem criando barreiras à obtenção de dólares, inclusive para pagar exportações.
— Quase 15% das exportações em Caxias vão para a Argentina, que infelizmente não vem passando por uma boa situação econômica. Mas quanto mais as exportações se diversificam, mais a cidade ganha e fica menos vulnerável a crises — comenta.
Conforme dados do Comex Stat (sistema para consultas e extração de dados do comércio exterior brasileiro), em 2022, Caxias do Sul exportou R$ 777 milhões em diversos segmentos.
O crescimento anual em âmbito de exportação resultou em um aumento de 38% em comparação ao ano anterior, muito maior que o aumento do ano anterior no qual as empresas caxienses obtiveram um aumento de 12,98% comparado ao mesmo período do ano anterior.
Luxo caxiense conquistou os árabes
É em uma fábrica localizada no bairro Cidade Nova que o aço ganha diferentes formas, tamanhos e tem conquistado os lugares mais sofisticados do mundo. Desde 2006, a caxiense Riva exporta artigos e objetos para mesa, decoração e hotelaria para diferentes países - a maioria deles na África e Ásia. Um portfólio com mais de cinco mil itens, todos produzidos em aço inoxidável e com acabamento em prata, ouro 24 quilates ou nickel black.
Atualmente, as exportações representam 30% do faturamento da empresa, um caminho conquistado após a participação em eventos pelo mundo.
— Trabalhamos com aço mais espesso, pesado, são peças feitas para durar, com longevidade. E tem design atemporal e funcionalidade. Isso faz a diferença em feiras internacionais, onde ganhamos credibilidade. Tudo conquistado com muito trabalho, ano após ano. O mercado externo é muito mais cativo, quando o comprador te dá o cartão dele é porque ele quer fazer negócio com você — explica o fundador da marca, Rubens Simões.
A empresa nasceu quando Simões fez uma viagem aos Estados Unidos e trouxe um porta-talheres para dar de presente para a mãe. Ao mesmo tempo, o pai dele, um comerciante, viu no objeto um bom negócio para incluir na sua loja para revendê-lo. Foi aí que Simões aprendeu a fazer a peça e viu o pai conquistar clientes com a própria criação.
Em 2017, a empresa fechou pedido de exportação para o Major Food Group (MFG), grupo americano com 12 restaurantes, situados em Nova York, Las Vegas e Hong Kong. Foram dois mil talheres em prata, além de outros artigos como queijeiras, molheiras, centros de mesa, bandejas, pratos para bolo, pinças para gelo, serviços de vodka, facas para peixe e descansa talheres.
— Atualmente, vendemos muito para Arábia Saudita, Líbano, Emirados Árabes. Adaptamos uma linha porque esse público tem famílias numerosas. O ramo hoteleiro cresce no mundo todo, e os hotéis de alta gama são um nicho específico que buscam produtos que impressionem, tanto pelo design como pelo acabamento. Quando você se hospedar em um hotel cinco, seis estrelas, não quer ser servido com um balde de plástico, cromado, quer ser servido com algo bacana, que enalteça o trabalho dos chefes — explica.
Não há particularidades na hora de embalar os produtos, que são acondicionados em caixas personalizadas. A preferência de envio tem sido por via aérea, opção considerada para pedidos menores, inferiores a US$ 20 mil. Acima disso, há possibilidade de contêineres enviados por via marítima.
Orquídeas produzidas na Linha 40 podem chegar aos Estados Unidos
Do Caminhos da Colônia para o mundo. Essa é uma realidade para o casal Jordana Montanari e Carlos Eduardo Simonetto, que estão à frente do Orquidário Tradição, localizado na Linha 40, em Caxias do Sul. Neste ano, pela primeira vez, eles participaram de duas feiras do segmento na Espanha e em Portugal, representando nas primeiras vendas de orquídeas produzidas em Caxias para o Exterior. O objetivo é ampliar a presença no mercado internacional em 2024 e chegar aos Estados Unidos e Alemanha.
Em cada exportação, entre 600 e mil exemplares de orquídeas produzidas em Caxias são enviadas para o Exterior. Se no início eles viajavam juntos com as plantas, agora firmaram parcerias que permitem o envio da produção enquanto eles seguem trabalhando na cidade. Desde 2006, o orquidário é referência na reprodução das plantas em laboratório - tornando o trabalho ainda mais local.
O casal também é pioneiro na exportação de orquídeas no Rio Grande do Sul e, sem referências no próprio segmento, precisou do apoio de produtores de frutas da região com experiência na venda para outros países. Além disso, por serem plantas, as orquídeas precisam seguir uma série de regras para chegar ao Exterior.
— Retiramos todo o substrato da planta, ou seja, ela vai de raiz limpa. Temos que selecionar os exemplares que estão em condições de envio, que não tenham nenhuma praga ou doença. São exigências do controle fitossanitário. Também precisamos analisar quais espécies são de interesse de cada país e quais podem entrar em cada um deles — explica Jordana, que também é bióloga.
Após a limpeza da raiz, as plantas são fixadas em um suporte plástico, chamado de placa de cultivo. O acessório foi criado também pelo orquidário e ajuda a orquídea a sofrer menos danos durante a viagem. Ainda antes de serem acomodadas nas caixas de envio, as plantas com destino internacional passam por uma quarentena, longe das demais do orquidário, recebendo um cuidado especial. Detalhes que fazem a diferença.
— A internet nos abriu muitas portas, colecionadores de diferentes países entravam em contato conosco pelas redes sociais. Foi aí que percebemos que tínhamos um mercado a ser explorado. Está sendo um divisor de águas. É muito bom ver um trabalho de anos ter esse reconhecimento que vai para fora do país. Estamos muito contentes em poder dar esse passo adiante — conta.
Ainda segundo Jordana, 2023 foi um ano de aprendizado e o próximo ano deverá representar em novos voos para o orquidário. O objetivo é dobrar o envio de plantas para o Exterior.
— Em Miami, há uma associação de orquidofilia, que é uma das principais do mundo. Vão pessoas do mundo todo e a gente fica visível para muita gente. É importante para divulgar a marca e seguir conquistando mais mercado — projeta.
Jeito gaúcho de fazer churrasco com suporte caxiense
Apaixonados pelo churrasco preparado no espeto ou na grelha no mundo todo podem degustar o prato mais famoso do Rio Grande do Sul com a ajuda de uma fabricante caxiense. A Scheer exporta churrasqueiras e equipamentos para assar a carne em restaurantes e hotéis em 90 países, dos cinco continentes. Atualmente, metade do faturamento da empresa vem das vendas para o Exterior, principalmente para Estados Unidos, Austrália, Japão, África do Sul e Holanda.
Para conquistar mercados tão diversos, foi preciso adaptação, desde a mudança nos equipamentos e até mesmo sites e catálogos na linha estrangeira.
— Na Austrália não há tanto carvão e a preferência é para gás, onde precisamos fazer testes e atingir novas certificações. Já no Japão, as cozinhas são minúsculas. Os restaurantes são para, no máximo, 20 lugares. Por isso a gente precisou fazer um equipamento pequeno, mas com alta performance. Ao mesmo tempo, há uma preocupação mundial com a questão ambiental e trouxemos isso para os nossos produtos. Desenvolvemos um isolamento térmico que traz para o restaurante até 25% de economia na queima do carvão — explica o fundador da empresa, Daniel Scheer Viapiana.
O portfólio da marca contempla churrasqueiras industriais de diferentes tamanhos, movidas a gás ou carvão, que são customizadas conforme a necessidade do cliente, seja onde ele estiver. O modelo mais robusto, por exemplo, possui oito metros de comprimento e pesa mais de três toneladas, podendo atender a restaurantes com capacidade de 600 lugares. A faixa de preços varia entre R$ 5 mil e R$ 300 mil. Há ainda a linha de churrasqueiras residenciais, que ganhou força na pandemia e começa agora a chegar com mais quantidade no Exterior.
Levar a Scheer para fora do país foi um processo que começou em 1996. Na época, uma churrascaria gaúcha instalou uma unidade nos Estados Unidos e encomendou os equipamentos na fabricante caxiense. A expansão do mercado permitiu que a Scheer ganhasse espaço no Exterior e ficasse ainda mais conhecida no ramo.
Menos de 10 anos depois, fechou a primeira venda para um cliente prospectado após viagens e especializações.
— A churrasqueira ficava na garagem, depois ela foi para varanda e agora está indo para dentro das casas. Ganhou um protagonismo forte, as pessoas chamam de espaço gourmet o seu espaço de preparar a carne. É um comportamento que está consolidado aqui no Sul e agora está mais presente em São Paulo e em outros países — conta o diretor de exportações da empresa, Maurício Della Giustina, que coordena o setor com outros quatro funcionários.
O próximo passo da empresa, que se mudou há menos de um ano para um novo local, é ampliar a presença no México.
Qualidade como diferencial no mundo
Natural de Farroupilha, Rodrigo Piccoli passa a maior parte do expediente falando em outro idioma. É tarefa dele atender os clientes e prospectar novos pedidos para a gaúcha Soprano no Exterior, principalmente nos itens voltados para casa e construção. Das quatro unidades de negócio da empresa, três são formadas por produtos exportáveis - apenas a linha de fotovoltaicos não vai para o mercado externo.
A linha de fechaduras é a mais vendida da empresa - representa metade do que é exportado. Fazem sucesso as fechaduras mais simples, chegando também nas versões mais robustas e até o modelo digital voltado para móveis. Países da América do Sul e Central são os maiores compradores dos itens - ao todo, 13 países são parceiros comerciais da marca da Serra.
O diferencial, segundo Piccoli, é a confiança que o mercado internacional tem na qualidade dos produtos brasileiros.
— Brasil é um país com normas, existem padrões seguidos pela indústria na fabricação. E isso é bem visto pelos nossos clientes vizinhos. Eles criam a ideia correta de que o produto brasileiro é robusto, de qualidade, com certificação e vai cumprir com o propósito. O visual também chama a atenção. É um item de construção bastante visível, precisa ter um visual bonito — explica.
Cada componente para fabricar uma fechadura é produzido em Farroupilha, mas a montagem e distribuição do produto final fica sob responsabilidade da unidade da empresa em Campo Grande (MS) - região escolhida por estar no centro do país para facilitar a logística ao atender aos mercados interno e externo.
Além das fechaduras, componentes elétricos, como disjuntores, e caixas e garrafas térmicas conquistaram o mundo. Para vender cada vez mais, a Soprano precisa que o mercado da construção civil esteja aquecido, o que ocorre atualmente em países como a Bolívia e o Paraguai - esse último o maior parceiro de operações da empresa.
Ao mesmo tempo, desde o ano passado, a marca passou a exportar materiais elétricos para países do Oriente Médio, como Líbano e Jordânia. Por ser um produto com padrão global, a marca consegue vender para diferentes mercados, sem precisar adaptar.
— Exportar ajuda a mudar o teu mindset, a empresa assume novos mercados, novos desafios. Permite que a marca chegue mais longe, ganhe relevância nacional e internacional, a produção aumenta e traz mais competitividade. Traz conhecimento porque países com normativas diferentes te exigem a aprender e aperfeiçoar o produto — afirma Piccoli.