É oficial. Interagir com máquinas, solicitar e ser atendido para alguma tarefa que seja realizada por robôs deixaram de ser projeção de filme de ficção científica para se tornarem realidade. Embora a nossa relação com a inteligência artificial (IA) já faça parte da rotina, com atendentes virtuais, aplicativos de celular e comandos de voz, a acessibilidade e execução das tarefas ainda deixava a desejar. Perguntar a uma inteligência artificial que explicasse o que ela faz e como ela faz, por exemplo, ainda estava no campo da imaginação.
Até que uma ferramenta, criada pela empresa norte-americana OpenAI e que alcançou 100 milhões de usuários nos dois primeiros meses do seu lançamento, mudou a forma como o ser humano passou a se relacionar com produtos criados por computadores. Desde novembro de 2022 é possível pedir ao Chat-GPT que explique, por exemplo, como a física quântica funciona, ou no nosso caso como a própria inteligência artificial desempenha seu papel:
É como uma supermáquina de resolver quebra-cabeças, mas em vez de pedaços de papel, ela usa informações e dados que as pessoas coletam para aprender com eles e assim realizar tarefas. Essas máquinas são projetadas para simular processos cognitivos, como aprendizado, pensamento, resolução de problemas e tomada de decisões, permitindo-lhes executar atividades de forma autônoma.
Como o trecho acima, escrito quase que integralmente pelo Chat-GPT, a ferramenta online que democratizou o uso da IA. Uma semana após o lançamento, mais de um milhão de pessoas já tinham solicitado ao robô que lhes respondessem perguntas, criasse imagens e até mesmo escrevesse códigos de programação, que desenvolvem softwares.
Desde então, a inovação proporcionada pela IA está no radar de empresários de todos os setores. Do varejo à indústria, a utilização da tecnologia não pode mais ser ignorada e movimentam grupos que estudam suas utilizações.
Em palestra realizada na Expoagas, o mentor de Estratégia e Inovação da Synapsys International, Walter Longo, comparou a chegada da tecnologia como um grande tsunami que provocará mudanças permanentes nas empresas.
— Estamos falando de profundos impactos na nossa vida pessoal e profissional. Como gestores, precisamos entender o que é, e se preparar para isso. Todas essas tecnologias podem ser para o bem ou para o mal, depende da forma como olharmos para tudo isso. O certo é que não nascemos para ficar fazendo coisas repetitivas. Nascemos para sonhar, imaginar e desejar — disse.
Já o presidente da Randoncorp, Daniel Randon, resumiu pontualmente o funcionamento da tecnologia, em artigo recentemente publicado no jornal Pioneiro, como a “ciência cujo propósito é estudar, desenvolver e preparar máquinas para realizarem, de maneira autônoma, atividades que exigiriam inteligência humana”:
— Alguns empregos ficarão obsoletos, outros mudarão sua natureza e novos surgirão. A IA já se configura como a habilidade tecnológica mais buscada no mundo pelas grandes companhias, com salários diferenciados pagos a engenheiros que programam, criam e treinam os modelos computacionais para aplicações específicas — escreveu.
No entanto, antes que a IA seja utilizada de forma ainda mais prática pelas empresas, é preciso encontrar quem a desenvolva e crie as facilidades para utilização nos negócios. São empresas jovens como as pessoas que as criaram que têm ofertado soluções diversas que compreendem áreas como marketing, atendimento a clientes e educação.
Em Caxias do Sul, uma grande parte delas está incubada no TecnoUCS, o Parque de Ciência, Tecnologia e Inovação da Universidade de Caxias do Sul e que hoje abriga 12 startups que trabalham com a IA. O tema foi abordado no 1º Simpósio sobre Inteligência Artificial sediado há poucas semanas na universidade. Para o coordenador do TecnoUCS, César Panisson, o momento é de visualizar o potencial das tecnologias quando aplicados em novos negócios:
— A universidade já estuda a IA há um bom tempo, mas agora o papel do TecnoUCS é tornar esse conhecimento um elemento de mercado. Então precisamos de pessoas para gerar dados e desenvolver soluções para subsidiar a inteligência artificial com algoritmos — conta Panisson.
Inteligência Artificial para identificar o comportamento de clientes na internet
Incubada no TecnoUCS e criada pelos jovens Rafael Aquino, 26 anos, Tainã Marques, 24, e Rafael Guizzo, 25 a Agência Hubble contou com o Sicredi como investidor anjo para desenvolver a própria ferramenta. A cooperativa se tornou o principal cliente do software, plugado à IA, que capta perfis específicos na internet e faz com que a publicidade dos respectivos clientes chegue até o público-alvo. A capacidade de segmentação, personalização de anúncios e a independência de big techs como o Google e o Facebook são os diferenciais, de acordo com o CEO da empresa.
— Se precisarmos criar uma grande campanha de marketing usando as redes, vamos atingir uma grande massa de pessoas, mas, quando falamos em precisão de propaganda, conseguimos segmentar até o nível de um CEP. Nossa IA capta o banco de dados mundial da internet, processa os dados e encontra a pessoa que meu cliente quer. Posso segmentar por faixa etária e local onde mora. A IA persegue essa pessoa dentro da internet e vai comprar a propaganda no site que ela acessar — explica Rafael Aquino.
Em outras palavras: sabe aquela pesquisa na internet que você fez recentemente e a partir daí não parou de receber anúncios sobre o produto pesquisado? É isso que a Hubble, criada em Caxias do Sul, faz. São os cookies aceitos a cada primeira visita que garantem a “doação” do histórico de comportamento dentro da internet, mapeado pela IA da Hubble.
— Nossa IA toma a decisão de compra e leva o banner do nosso cliente aos sites que a pessoa acessa. Temos públicos-alvo bem específicos, levamos o cliente para a porta da empresa. Quando queremos captar estudantes, por exemplo, a IA compra banners em plataformas de música — afirma Aquino.
E não para por aí, ainda de acordo com Aquino, a inteligência artificial é capaz de prever quantos cliques a propaganda irá ganhar:
— Então conseguimos entregar o resultado antes da empresa nos contratar. Conseguimos apresentar um relatório bem preciso dos resultados.
Ensinando a IA a identificar maçãs
A colheita de uma das principais culturas da Serra gaúcha também está no radar da inovação e pode ter no futuro o processo automatizado. Esse é o plano da Autofarm, empresa também incubada no TecnoUCS e que desenvolveu, através da Inteligência Artificial, um protótipo para reconhecimento e colheita da maçã.
Os desafios do ainda embrionário projeto é baratear a tecnologia para que ela não altere o preço final do quilo da fruta. Com experiência de 15 anos em automação e robótica, Tobias Graziottin já conseguiu fazer com que o protótipo, aparelhado com câmera e braço mecânico, identificasse o fruto a partir da cor vermelha. O próximo passo é conseguir medir o amido da maçã que indica que o fruto está maduro e pronto para ser colhido.
— Atualmente, 100% da maçã no mundo é colhida a mão. Tiramos uma foto da macieira e ela precisa identificar, entre galhos e folhas, qual é o objetivo dela. Podemos ainda identificar pragas e floradas, então é um trabalho de coleta de dados que juntos viabilizarão a colheita — explica Grazziotin.
O aumento na capacidade de processar tais dados está oportunizando, segundo o coordenador do Simpósio sobre IA da UCS, Giancarlo Dalbó, que as tecnologias aprendam cada vez mais por “conta própria”.
— IA é o uso de dados para tomada de decisão do equipamento. A direção autônoma, por exemplo, necessita que dados sobre o terreno sejam incluídos na tecnologia. Quem a desenvolve vai alimentando a IA com informações como dizer que a maçã é vermelha. Chamamos isso de machine learning, que é a capacidade da máquina aprender e tomar decisões — definiu.
No entanto o processo ainda promete ser demorado. Grazziotin acredita que serão no mínimo cinco anos até a colheitadeira operar de forma integralmente autônoma, quando ganhará mais braços e novos comandos.
— Nosso protótipo serve para testar as funcionalidades e o algoritimo de IA que identifica a maçã. Não faria sentido instalar mais de um braço nesse momento — disse.
Correção de provas em segundos
As diferentes utilizações das inteligências artificiais têm contribuído para o mundo de facilidades que vivemos hoje. São profissionais de diversas áreas sendo beneficiados, incluindo professores que agora ganham tempo ao permitir que ferramentas virtuais corrijam redações e avaliem alunos.
Imagine um professor que, após várias horas ensinando em sala de aula, ainda tenha que revisar dezenas de textos de um mesmo assunto quando chega em casa. A solução para o exaustivo trabalho foi encontrada pela caxiense Gomining por meio da IA.
Lançada em 2019 pela Editech, termo dado às startups que oferecem soluções tecnológicas para o mercado educacional, a ferramenta corrige redações em segundos e se tornou alternativa inclusive para universidades avaliarem candidatos de Vestibular e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
— A ferramenta trabalha dentro das especificidades do aluno, após a correção damos o feedback personalizado. Ainda temos a opção de identificar textos escritos por inteligência artificial, uma preocupação das instituições desde o surgimento do Chat-GPT — explicou Jocimara Mauer, professora e umas das sócias fundadoras da Gomining.
Por acordos de confiabilidade, a startup não divulga as instituições que utilizam a ferramenta, mas garante que, desde a fundação, mais de 7 milhões de atividades já foram avaliadas e mais de 800 mil alunos já foram beneficiados - 100 mil a mais do que em novembro do ano passado, quando a Gomining entrou no Top 10 das melhores Edtechs da América Latina no Ranking 100 Open Startups e o Pioneiro havia entrevistado Simone de Oliveira, CPO e uma das fundadoras da Gomining.
O que permitiu a correção automática foi também o fato de muitas provas serem atualmente escritas digitalmente e não mais de forma manuscrita. A segunda opção ainda não é avaliada pela IA.
— O foco é 100% digital. A tecnologia ainda não faz uma leitura fidedigna do que é escrito a mão, o que pode prejudicar o aluno — atenta Jocimara.
Atendimento por IA
Conectada ao Whastapp, a IA desenvolvida pela caxiense Ubistart dá o primeiro atendimento ao cliente com respostas intuitivas. Para isso, a startup alimenta a tecnologia com textos e informações que serão utilizados como treinamento por ela. Após ser ensinada, a IA passa a encaminhar quem fez o contato às suas necessidades.
Ser atendido por robôs via Whatsapp não é novidade para quem busca os serviços de grandes empresas. No entanto, o diferencial criado pela Ubistart está na humanização do atendimento e no aumento das opções geridas pela IA.
— Alguns dão no máximo cinco opções, atualmente esse atendimento virtual é engessado. Nós utilizamos várias versões do Chat-GPT para dar as instruções e humanizar a conversa. O objetivo é fazer com que o cliente não perceba que esteja falando com uma inteligência artificial — disse o diretor de relacionamento da Ubistart, Walter Sengik.
Chamado de Ubichats, o produto é novo e está em fase de validação. Atualmente é usado para atendimento da própria empresa que o criou e otimiza o primeiro contato com o cliente que costuma ter um padrão: saber o que a empresa oferece e solicitar um orçamento, por exemplo.
— Temos cerca de 10 oportunidades de venda por dia, e nem sempre o vendedor está disponível. O cliente quer respostas rápidas e a IA tem capacidade de tirar todas as dúvidas. Damos condicionais a ela, para que encaminhe o cliente da melhor forma a cada pergunta feita — explicou Sengik.