* Com Tainara Alba (RBS TV)
A produção de pinhão está com queda de cerca de 50% em comparação com os anos de safras cheias, quando a Serra, maior região produtora do Estado, habitualmente registra uma colheita em torno de mil toneladas da semente.
Segundo dados dos maiores municípios produtores e avaliados pela Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS), entre os agravantes para a queda está a estiagem. Por conta deste cenário, os preços da semente podem variar entre R$ 6 a R$ 20 o quilo. A colheita começou no dia 1º de abril no Rio Grande do Sul.
Segundo a Emater, em 2022 o Rio Grande do Sul já havia registrado uma safra inferior, com queda entre 10% e 30%. Em 2023, a queda em relação ao ano passado, portanto, será de cerca de 15%. Os dados das cotações da Ceasa Serra, coletados pela reportagem, apontam que no ano passado o quilo da semente começou a ser vendido a R$ 7,50 (a partir de 19 de abril). Neste ano, valor do pinhão já estava custando, inicialmente, R$ 10 o quilo. O aumento de um ano para o outro é de 33,3%.
De acordo com a assessora técnica em manejo de recursos naturais da Emater, Adelaide Ramos, o que interfere no preço é o local onde a compra é feita. Na negociação direta com produtores, o quilo pode sair a partir de R$ 6. A venda em supermercados pode ter variação de R$ 10 a R$ 12. Entretanto, a região onde a compra é feita também pode afetar no custo. Em anos de safras cheias, o preço da semente é geralmente encontrado a partir de R$ 3 o quilo, segundo as cotações da Ceasa Serra.
— Os menores valores da comercialização do pinhão neste ano estão na região de Muitos Capões e na região dos Campos de Cima da Serra, onde tem maior produção de pinhão aqui no Estado. Na região das Hortênsias, ele tem um valor maior porque tem a questão de turismo e também da culinária, onde o pinhão é bastante utilizado nessa época do ano. Então, consequentemente, o pinhão fica mais caro e pode chegar a R$ 20 o quilo — explica Adelaide.
Em São Francisco de Paula, município dos Campos de Cima da Serra e maior produtor de pinhão de todo Estado, a queda na safra deste ano causa impacto direto nas cerca de 160 famílias que atuam na produção, segundo Sandra Loreni Almeida de Moraes Silva, extensionista rural social da Emater. Na região, muitas das famílias produtoras dependem da renda anual proporcionada pela semente. O município estima uma colheita 15% menor que o registrado em 2022, e 40% menor em relação à safra cheia.
As possibilidades do pinhão e o valor afetivo
Como um alimento típico do Sul do Brasil, o pinhão dá origem a festas na região da Serra, reuniões em família e abre precedentes para as mais variadas receitas. Na casa da agricultora Elisana Lucena, que mora em São Francisco de Paula, a época do pinhão é momento de fazer a criatividade fluir. O pinhão corresponde a cerca de 20% da renda da família.
Além de comidas típicas como paçoca, pão, pizza, pudim e brigadeiro de pinhão, a agricultora faz pintura a partir da água do cozimento da semente. Os tons que variam entre rosa e marrom são usados para artesanato. As cascas da semente também não são descartadas e acabam se tornando obras de arte e peças de decoração. Os itens são normalmente procurados por turistas que visitam a região no inverno.
— Temos uma relação afetiva com o pinhão, temos o pinheiro aqui na frente que eu plantei quando viemos morar aqui e o pinheiro demora anos para começar a produzir. Agora, ele já está produzindo e dá um orgulho mostrar o pinheiro que eu mesma plantei. E o tingimento, a água que cozinha o pinhão, foi pensado porque todo mundo tem uma tia ou uma vó que já manchou uma toalha, um pano de prato com a água do pinhão. Eu mergulho o pano inteiro na água porque ele fica uma cor linda, uma obra de arte — conta a agricultora.
Para a família do agricultor Gabriel Muller da Rosa, que também vive no município, a queda na safra não causa grande impacto por não ser a principal fonte de renda da família. Em entrevista à RBS TV, o agricultor contou que, diferente de produtores que sobem nos pinheiros para fazer a colheita, a família costuma colher os que caem das araucárias. Para toda a família, a semente é, principalmente, um alimento afetivo.
— O pinhão é um extra para a gente, um dinheirinho que entra para ajudar e que faz diferença. Esse ano deu bem menos que ano passado, mas o pinhão está graúdo e bonito, tem alguns com falhas, mas estão bem bons. Aqui é uma coisa que tem mais valor afetivo, o pinhão representa o inverno. Quando está chegando (a época do) pinhão, está chegando o inverno, chegando o fogo de chão e o fogo no fogão a lenha, que reúne o pessoal em volta do fogão para tomar chimarrão e comer pinhão, é uma época feliz — exalta o agricultor.
Influência da estiagem e do tempo de produção
Mesmo com a estiagem, que prejudica diretamente a produção, a queda na safra deste ano é comum. De acordo com Adelaide, isso acontece porque o pinhão demora em torno de dois anos e meio a três anos para estar maduro para ser colhido. Atrelado a isso, não são todos os pinheiros capazes de produzir a semente. Por ser uma planta da araucária, o pinheiro possui árvores-macho e árvores-fêmea.
— Só as árvores-fêmea produzem o pinhão, a partir da reprodução com as árvores-macho e essa produção do pinhão pode ser reduzida por causa das condições climáticas. Dentro do ciclo normal, é comum que o pinheiro produza menos no período de três a quatro anos. Pela nossa avaliação na região dos Campos de Cima da Serra, por exemplo, notamos que tem muita pinha nova já em formação, o que indica que podemos ter uma safra melhor no próximo ano e nos anos seguintes — explica Adelaide.
Mesmo com as pinhas novas, as condições climáticas precisam ser adequadas. Este é o quarto ano em que o Rio Grande do Sul está em período de estiagem. Em março deste ano, 356 municípios do Estado já haviam decretado situação de emergência em razão da falta de chuva. A estiagem, conforme Adelaide, quando ocorre no período de reprodução e desenvolvimento do pinhão, afeta a produtividade da semente.
Diferente da produção de maçã, milho ou uva, por exemplo, que mesmo com a estiagem podem ser irrigadas e receber a quantidade de água adequada para se desenvolverem, o mesmo processo não pode ser aplicado na araucária. Entretanto, há uma forma de evitar grandes impactos nas safras de pinhão.
— Não tem muito o que pode ser feito com relação àa estiagem que afeta as espécies nativas, que é o caso da araucária. Agora, quanto mais os remanescentes de florestas nativas forem preservados, menor será o impacto das estiagens sobre essas florestas de uma maneira geral. Porque assim é possível, de certa forma, ter uma regulação melhor do clima, evitando os extremos — afirma a assessora técnica.
Em nota publicada em março deste ano, a Secretaria de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação apontou uma estimativa para os maiores municípios produtores de pinhão do Estado. Para São Francisco de Paula a safra esperada é de 70 toneladas, em Muitos Capões são 100 toneladas, Cambará do Sul, 50 toneladas, Bom Jesus, 45 toneladas e São José dos Ausentes, 40 toneladas.