Com a chegada de um novo ano, a Serra se prepara para a aguardada vindima. As uvas nos parreirais estão quase prontas para serem colhidas a partir de janeiro. Com a formação quase completa e as condições climáticas registradas nos últimos meses, produtores calculam que a safra de 2023 terá um pouco menos quantidade que em 2022, mas continuará com um fruto de alto padrão em Caxias do Sul e região — a última safra havia se encerrado com a qualidade acima da média, comparada a safras históricas, como a de 2020.
Produtores ouvidos pela reportagem relatam que a diferença na safra deste ano deve estar nas variedades precoces e intermediárias, principalmente a Niágara e a Bordô. Relatos dos agricultores são de que as perdas para essas uvas ficam entre 25% a 50%. O que deve equilibrar a safra são as variedades tardias, como a Isabel, que podem se desenvolver em melhores condições, já que costumam ser colhidas em março. A projeção é de que a uva que chegará ao mercado será um pouco menor, mas saborosa. Sucos, espumantes e vinhos devem ter, novamente, um alto padrão, também por conta da safra.
O engenheiro agrônomo da Emater Enio Ângelo Todeschini explica que o acúmulo de frio em maio e junho, as geadas tardias em agosto e a primavera seca podem justificar este cenário. A “mistura” climática impactou o florescimento e o “pegamento” das frutas, etapa onde percebe-se se o fruto vingará ou não. Por outro lado, estas condições mantiveram a qualidade das uvas, inclusive, reduzindo doenças nas videiras.
— Na primavera, teve dias frios e úmidos na florada. Isso impactou no pegamento e na frutificação. Ou seja, número e tamanho de bagas e até cachos. A mais afetada foi a Bordô, entre as principais, e a Niágara. Certamente, essas duas vão ficar com uma produtividade abaixo do potencial — projeta Todeschini.
Conforme o Sistema de Declarações Vinícolas (Sisdevin) da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), 683.766.221,61 quilos de uvas viníferas, americanas e híbridas foram colhidas em 2022, ficando 7% abaixo de 2021. A Emater ainda não estima números para 2023, lembrando o que ocorreu neste ano, quando, no fim de janeiro, as perdas não se mostraram tão expressivas e a qualidade da uva foi excepcional.
— Em compensação, temos as precoces que estão em um padrão, como a Concórdia e a Magna, e tem as tardias, como a Isabel, que é a que tem a maior área e está com uma carga normal ou até mais; a Moscato, que são produtivas, e a própria Cabernet, que são colhidas em março. Essas não têm nada definido, mas demonstram uma produtividade boa, então podem compensar as deficiências numéricas das duas (Bordô e Niágara) — complementa o engenheiro agrônomo.
Na Serra, as variedades de uva mais produzidas são a Isabel e a Bordô, e depois a Niágara, destinada principalmente ao comércio em mercados. O cenário das variedades Bordô e Niágara já é uma realidade sentida na Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho). Com cinco cooperativas associadas, a entidade representa 25% da produção do RS.
O diretor executivo Helio Marchioro lembra que também deve-se analisar o fato de que o plantio de uva aumentou no Estado nos últimos anos, o que faz com que se tenha mais ganhos a cada safra do que perdas. Para Marchioro, o cenário das uvas precoces neste ano é “episódico”, principalmente pelas condições climáticas. Ou seja, não é um padrão para toda a safra.
— A variação de produção existe, é fruto de vários fatores, mas não é uma variação impactante que podemos dizer que tivemos perdas significativas de safra. Isso não dá para afirmar… Nós não podemos afirmar que temos impactos qualitativos dos produtos. Ao contrário, o que temos até agora tem se comportado, para efeito de qualidade de produto, muito bem — observa Marchioro.
Grãos menores e perda de peso
Entre parreirais da 3ª Légua, no interior de Caxias do Sul, o produtor Gilmar Comerlatto, 62 anos, mostra como estão as uvas brancas da variedade Niágara. O viticultor lamenta que o cacho “vingou”, mas os grãos não tiveram a mesma formação.
Pegando um cacho e outro, Comerlatto explica que o cacho ideal seria com todos os grãos maiores. Mas, por conta da chuva e até do frio tardio, alguns cachos ficam com grãos quase minúsculos no meio, e os maiores na ponta. Essas uvas serão destinadas para vinícolas, para produção de sucos, vinhos e espumantes. Mesmo assim, o produtor terá uma perda no peso delas por conta desta característica.
— Ela não engrossou toda igual. Era para ser tudo igual. A chuva não deixou florescer ela bem. Ficou pequena e grossa no meio. Assim não pesa nada, está tudo igual — aponta o produtor, que diz que trata muito bem a fruta, o que ajudou a ter menos impacto na safra.
Para o mercado, o produtor explica que os cachos devem ser graúdos. Na área de cinco hectares, Comerlatto possui uvas produzidas em estufa, da variedade Rainha Itália. O custo é maior, mas há mais proteção contra o clima e doenças. Nesta área, o produtor mostra como as frutas ficaram ideais. Essas, sim, irão para a mesa dos consumidores, o que gera mais lucro para o viticultor.
Niágara e Bordô preocupam produtores
Produtores de Caxias demonstram preocupação com as variedades Niágara e Bordô. Porém, a expectativa é de que exista uma recuperação da safra até o fim da vindima. Afinal, o balanço é feito de maneira conjunta, uma vez que os viticultores costumam trabalhar com variedades para mesa e para produção de sucos, espumantes e vinhos.
Ainda na 3ª Légua, o produtor Mauro Brustolin, 42, projeta perdas de até 50% com a Bordô e a Niágara. No geral, entre todas as variedades, a perda deve ser de 25%. Brustolin confirma que o clima foi o principal “vilão” para reduzir a quantidade da uva.
— A uva não conseguiu fecundar. Tinha o cacho, mas o grão não existe mais. Cada vez que tu vai embaixo da parreira, a uva some. (A Niágara e a Bordô) pegou aqueles 15 dias de muita chuva e frio, e aí acabou caindo a uva. Enfim, não deu certo. Em certos lugares, até geada… — descreve Brustolin.
O primo de Mauro, Fábio Brustolin, 42, que trabalha ao lado do irmão Ivan e do pai, Alberto, em outra propriedade da 3ª Légua, vive situação semelhante. A família trabalha com uvas para sucos, com as variedades como Bordô, Niágara, Isabel, Isabel Precoce e Moscato Embrapa. O viticultor ainda acha difícil precisar qual será a safra, mas tem ideia de como deve ser a uva da estação.
— Os cachos estão mais pequenos este ano. Em média, todos estão menores. Tem umas variedades que têm menos uva que ano passado, e outras têm mais ou menos uma quantidade próxima — relata Brustolin.
Para as tardias, o olhar é outro. O produtor explica que variedades como Moscato Embrapa e Isabel comum “estão bonitas”. Foram uvas que brotaram em condições melhores.
— Equilibra tudo (a safra) como um geral. No geral, está mais ou menos. Não está o que esperávamos. A quantidade está menor e a qualidade poderá dar graduação conforme o clima lá adiante — conta o produtor.
Izaías Boff, 33, que produz em São Martinho da 2ª Légua, relata que os cenários da Bordô e Niágara são os mais preocupantes, com quebra que pode chegar a 50%. Como no caso de Gilmar Comerlatto, Boff notou diferença entre as uvas que estão na cobertura de plástico e as que estão fora, que tiveram a floração castigada.
— O impacto econômico vamos ter que nos virar. Queira ou não queira, a perda é grande. Mas, o agricultor já está vacinado para estes momentos, e vamos ter que manejar a questão de tempo e financeira — prevê Boff.
Um incentivo para os produtores é que o preço industrial da uva terá reajuste de mais de 20% em 2023, passando de R$ 1,31 para R$ 1,58. A quantia, que está no Diário Oficial da União (DOU), pode ajudar a reduzir os impactos econômicos.
“Quantidade parecida”, diz produtor
Em Nova Roma do Sul, Fábio Colserai, 38, que produz uvas como a Magna, Violeta, Moscato, Bordô e Isabel, acredita que a safra terá uma quantidade e uma qualidade parecida com a deste ano.
— Vai ser parecido com o último ano. Algumas variedades oscilam um pouco. Mas, na média, dará parecida com o último ano — acredita o produtor.
A localidade pode influenciar na safra, pelas condições climáticas. Mas, mesmo em outro município, Colserai relata que a Bordô deve ter uma quantidade 40% que 2022, ficando na mesma média de Caxias do Sul. Do outro lado, a Magna aparenta uma formação que chama atenção, como é visto nas fotos.