Sabe aquela frase de que nunca é tarde para correr atrás de um sonho? Pois no empreendedorismo a maturidade é uma importante aliada. Pessoas com mais de 50 anos têm mais chances de sucesso na abertura de um negócio. Foi o que revelou a pesquisa "Empreendedores 50+, o futuro do Brasil", da consultoria Empreendabilidade. O levantamento aponta que 15,6% dos empreendedores com idade entre 55 e 64 anos têm empresa estabelecida, ou seja, que está ativa há mais de três anos e meio. O Pioneiro foi conferir e constatou que a Serra tem bons exemplos que refletem o resultado da pesquisa.
O percentual é cinco vezes maior do que entres empreendedores que está na faixa etária entre 18 e 34 anos, que foi de 3,8%. Entre 35 e 54 anos, a taxa de sucesso foi de 11,1%. As estatísticas não surpreendem o gestor de projetos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Rio Grande do Sul, Aldoir Bolzan de Morais.
— Essa turma dos 50+ tem experiência de vida. O empreendedorismo está longe de estar ligado a um diploma, é a prática. A característica fundamental que os 50+ demonstram é a persistência. Os jovens querem um retorno muito rápido. Mas um negócio demora para se consolidar. Na prática, são necessários cinco anos. As pessoas de 50+ já passaram por muitos desafios, são mais "cascudos", abraçam uma ideia e avançam diante das frustrações — opina Morais.
A pesquisa Empreendedores 50+ listou uma série de características que podem explicar esta taxa maior de sucesso. O primeiro é, justamente, lidar melhor com adversidades. Depois, aparecem fazer boas negociações e serem mais responsáveis na tomada de decisões.
— Nesta fase dos 50, o que vemos é uma questão de oportunidade. São pessoas que já têm uma reserva financeira, estão numa segunda etapa de carreira e, assim, têm mais cautela para investir. Mesmo que vá se arriscar, é um risco calculado. Sabem lidar com dinheiro e tomam decisões mais ponderadas. Têm paciência e entendimento para ir construindo aos poucos — explica Morais.
Além de fatores como a vida estruturada e uma experiência em administrar o próprio dinheiro, o representante do Sebrae ressalta que o propósito destas pessoas 50+ também é diferenciado. Em regra, ao escolher uma nova carreira, estes profissionais experientes têm algum motivo afetivo ou uma ambição moderada para abrir o seu próprio negócio. A intenção nunca é "mudar o mundo". Pode ser por um sonho antigo, uma vontade de fazer do seu jeito algo que sempre fez, complementar a renda ou, simplesmente, para se manter ativo.
— Nunca vi dar certo um negócio que alguém abriu para ganhar dinheiro. Esse público 50+ sabe o que quer e como quer fazer. Muitos saíram de uma empresa onde trabalharam por 30 anos e, agora, utilizam todo este conhecimento técnico para fazer do seu jeito. Ou querem continuar trabalhando por algumas horas, talvez uma consultoria ou um serviço com um ritmo menor, mas que irá se ocupar e complementar a sua aposentadoria — conclui o gestor de projetos.
Para Ricardo Meireles, fundador da Empreendabilidade e responsável pelo estudo, este público 50+, por suas características, deveria ser direcionado ao empreendedorismo em vez de ser tratado apenas como grupo de inclusão no mercado de trabalho. Por fim, o levantamento aponta que empreendedores mais velhos têm mais dificuldades em se adaptar às novas tecnologias. Entretanto, Meireles ressalta que há cada vez mais cursos e treinamentos a curto prazo para potencializar as características profissionais desse grupo.
Professora não desistiu do sonho de ser empresária
Um destaque da pesquisa Empreendedores 50+ é que muitos profissionais decidem, nesta faixa etária, realizar algum sonho. Uma dessas histórias é a da ex-professora Carina Rejane Carvalho Chissini, 55, que agora é mais conhecida como a proprietária da Chimeco, loja que comercializa produtos de higiene e limpeza no bairro Lourdes, em Caxias do Sul.
Formada em Engenharia Química, Carina, ainda na faculdade, planejou com colegas abrir uma empresa de reciclagem. Os caminhos da vida, contudo, levaram ela para sala de aula, uma atividade que também era de seu gosto.
— Fui fazer licenciatura e, depois, mestrado na área ambiental. Dei aula por muitos anos, principalmente para o Ensino Médio. Só que o sonho de ser empresária sempre foi muito grande. Foi uma ideia que sempre amadureci até que, em 2015, decidi que tinha chegado a hora — conta.
A professora teve um importante aliado para a mudança: o marido Carlos Eduardo Chissini, 55, que é representante comercial. Ainda assim, Carina admite que empreender não é fácil. Por isso, no início, ela continuou trabalhando paralelamente com assessoria em engenharia química, o que garantia uma renda mensal.
— Todo o começo é difícil, principalmente para quem não conhece a área. Sempre fui acostumada com sala de aula e com a indústria. Abrir um comércio era algo muito diferente, receber as pessoas e vender. Minha ideia era ter um negócio na minha área e, até hoje, busco dar este atendimento diferenciado. Usar meu conhecimento para explicar qual é o melhor produto, dar orientações, é muito gratificante — conta Carina.
A Chimeco é uma revenda especializada em materiais de limpeza, descartáveis e embalagens. Além de atender o consumidor, a loja também entrega para clínicas, indústrias e condomínios. A primeira sede foi uma pequena sala na Avenida França, no bairro Bela Vista. Três anos depois, houve a mudança para a Rua Sinimbu diante da expansão do negócio. Carina admite que parte deste sucesso veio com a maturidade.
— Aos 20 anos, na faculdade, eu era uma pessoa bem diferente, né? Amadurecer nos traz outro foco, tem a família, responsabilidades. Aprendemos a repensar muitas coisas. Sempre me vi uma líder, mas descobri que também era teimosa. Meu marido me ajudou a crescer neste sentido. Abrir um negócio é uma aposta, só que com mais idade tu escolhe melhor quando e como arriscar para as decisões darem certo.
Com esta sabedoria de quem olha para trás, a empresária incentiva mais pessoas a empreenderem e correrem atrás de seus sonhos.
— Perseguir o sonho vale a pena, mas tem de ter os pezinhos bem no chão para conseguir chegar onde quer. Tem de se arriscar, mas tem de ter um planejamento. As decisões não podem ser impulsivas, tem de fazer um estudo de viabilidade e lembrar que há muitos fatores que interferem no seu negócio — conclui Carina.
O agnolini da família virou uma agroindústria
Conforme o Sebrae em Caxias do Sul, um dos negócios que mais atrai os novos empreendedores de 50 anos ou mais é a agroindústria. Uma das mais veteranas que procurou ajuda foi a dona Therezinha Giacomelli Sirtoli, 83. A família trabalhava há cinco décadas em agricultura no interior de Galópolis, contudo, a matriarca precisou procurar uma opção de renda com menos esforço físico.
— Foi no ano 2000, quando meu marido começou a ficar doente e não deu mais para trabalhar no pesado. A gente vendia verduras na feira, mas precisava de algo mais. Foi quando decide fazer agnolini. Lembro que, na primeira vez, fiz cinco quilos, levamos para a cidade e vendeu tudo. Fizemos cada vez mais e aí começaram a pedir macarrão, biscoito caseiro, pão — relata dona Therezinha.
Diante do aumento das vendas, os filhos ajudaram a criar a agroindústria La Casa Nostra. O que era feito na cozinha de casa passou para uma sala de 56m². O trabalho, todo manual, começou a receber apoio de máquinas e virou o negócio da família, com apoio do filho Rodrigo Antônio Sirtoli, 40, e da nora Fabiana Sirtoli, 40.
— Sempre cozinhei para a família, diziam que era uma comida boa. Decidir vender foi a necessidade. Lá atrás, até pensava em ter uma pequena fábrica, mas nunca imaginei que cresceria tanto, teríamos tudo isso. Se não trabalho, fico triste de ficar em casa. Gosto de produzir — conta a orgulhosa Therezinha, se referindo aos 250m², que incluem câmara de congelamento, cozinha industrial e depósitos.
Atualmente, a La Casa Nostra oferece 35 produtos e atende 60 mercados, além de participar das feiras do Agricultor e da Maesa. Os produtos também compõem a merenda escolar do município. No início deste ano, a propriedade da família também passou a receber turistas em Galópolis.
CEO decidiu recomeçar com uma startup
O empreendedorismo é a vocação de João Paulo Colleoni, 55. Desde a década de 1990, ele participa de sociedades em empresas de tecnologia. Mas nunca é tarde para começar de novo. Aos 50 anos, em 2018, ele apostou em uma nova ideia.
— Em 2017, decidi buscar algo mais leve, que não precisasse ir até o cliente para instalar. Desde 1992, na mesma área de tecnologia, queria oxigenar as coisas. E start-up é tudo novo, diferente de uma empresa tradicional. É um mundo novo, até linguagem nova tive de aprender. Tive de me reinventar, porque mercado, a comercialização, é tudo diferente — explica Colleoni.
Essa vontade de começar de novo se uniu a uma ideia de criar uma plataforma online que possibilitasse qualquer empresa, seja de pequeno ou grande porte, a acompanhar suas metas e resultados atualizados de qualquer lugar pelo celular. Assim, nasceu a Scoreplan.
— É uma plataforma de planejamento estratégico e orçamentário. Na época, a maioria das empresas se organizava por planilhas de Excell. Nossa plataforma permite traçar objetivos, medir indicadores, determinar ações e produtos, analisando todos os passos da tua empresa. É uma análise gerencial que também possibilita esta parte financeira, com previsão de vendas e receitas — explica.
Colleoni conta que já tentou empreender em outras áreas, mas a tecnologia é o seu chão. Sobre a idade, o CEO afirma que a experiência ajuda nas novas empreitadas.
— É mais fácil, porque nessa trajetória erramos bastante e aprendemos. Então, não comete mais aqueles erros. Não vai ficar infalível, mas vai cometer outros e novos erros, e irá continuar aprendendo. Tu já conhece os passos de como montar equipe, a parte comercial, facilita muito já saber o caminho das pedras — relata Colleoni.
Sobre a idade, o CEO da Scoreplan diz não ter planos para descansar. Pelo contrário, afirma que empreender é uma experiência que todos deveriam ter pelo menos uma vez na vida.
— Empreender não tem idade, e há exemplos de sobra disso. Mais que isso, é uma experiência muito gratificante. Ter um propósito que é seu. Não é só questão monetária, há algo mais envolvido. Seja apresentar uma solução pro mercado, desenvolver algo novo, atender as pessoas... É bastante trabalho, claro, exige uma dedicação grande, mas é bem gratificante.
EMPREENDEDORES NO RIO GRANDE DO SUL:
Conforme dados do Data Sebrae, há quase 1,8 milhão de empreendedores no Rio Grande do Sul. Mais de 39% deles possuem mais de 45 anos. Considerando apenas a Serra Gaúcha, o Sebrae declara que 27% dos empreendedores têm mais de 50 anos.
Faixa etária:
De 35 a 45 anos: 27%
De 25 a 35 anos: 22%
De 45 a 55 anos: 21%
De 55 até 65 anos: 18%
Mais de 65 anos: 7%
Até 25 anos: 5%
Atividade:
Serviços: 41%
Agronegócio: 20%
Comércio: 19%
Construção: 12%
Indústria: 8%
Educação:
Médio completo: 35%
Fundamental incompleto: 28%
Superior completo: 20%
Fundamental completo: 17%
Fonte: IBGE e Data Sebrae