As plantas alimentícias não convencionais, ou simplesmente "Panc" como são chamadas, cada vez mais conquistam espaço, se apresentando como uma alternativa nutritiva para os consumidores. Hoje essas espécies ganham destaque no 56º Congresso Brasileiro de Olericultura, realizado até 5 de agosto, em Bento Gonçalves.
O dia será exclusivo para debater sobre o consumo e o cultivo destes vegetais que, segundo o relato de pesquisadores e produtores, se tornaram ingredientes queridos pela alta gastronomia e estão cada vez mais sendo procurados pelos consumidores.
— O que percebemos também é que nessas novas visões de alimentação, muito focadas na qualidade nutricional, as Panc passaram a ter um papel importante — observa a professora de agronomia da UFRGS, Magnolia Silva.
Na Serra, espécies de plantas alimentícias não convencionais mais "populares", conforme Magnólia, são: bertalha, dente-de-leão, serralha, hibisco e a capuchinha - esta última muito encontrada em pratos da alta gastronomia. Entre elas, também está a Ora-pro-nóbis, apelidada de "carne de pobre" porque possui níveis elevados de proteínas. Conheça algumas delas, abaixo:
Magnólia conta que não há dados estatísticos sobre cultivo e consumo das Panc (tratada assim mesmo, sem "s" no final, pois a sigla já está no plural). Ela pontua ainda que no Estado, existe um aumento na oferta e procura. Em Porto Alegre, todas as grandes feiras orgânicas oferecem as plantas. Já no sul do RS, como Pelotas, Canguçu e São Lourenço do Sul, há produtores que se dedicam quase que exclusivamente ao cultivo, coleta e comercialização das espécies.
— Tem crescido muito a demanda. Há duas frentes: a voltada para gastronomia, mais moderna, e também as pessoas que querem o consumo de forma natural — explica a professora, lembrando que também há uma busca de produtos como bolos e geleias com esses ingredientes.
Muitas espécies de Panc são fáceis de cultivar e têm custo baixo, além de serem plantas resistentes. Os cuidados devem ficar para o consumo. Sempre é importante pesquisar o que se pode comer. Há algumas plantas não convencionais, que assim como espinafre e batata-doce, precisam ser cozidas, por terem antinutrientes - que podem atrapalhar a absorção de vitaminas e nutrientes para o corpo.
Preservando uma herança esquecida
Algumas plantas não convencionais eram consumidas pelos antepassados e caíram no esquecimento. Há espécies, como a língua de vaca, que foram trazidas por imigrantes italianos para Serra, por serem plantas resistentes. Quem não esqueceu e cuida dessa "herança" é Franciele Bellé, 28 anos.
De uma família de agricultores, proprietários da Bellé Alimentos Agroecológicos, Franciele, desde criança, se interessou pelas plantas não convencionais. Hoje ela comercializa na Feira dos Agricultores Ecologistas, de Porto Alegre e até elabora os próprios produtos à base das hortaliças diferentes, como o tempero TemPanc.
— Ele é trabalhado com as plantas da estação. Costumo dizer que é o cardápio do chefe. Tudo que tem disponível de plantas comestíveis, são colhidas e unidas. O tempero vai mudando conforme a estação — destaca Franciele.
O tempero é feito com folhas e frutíferas nativas (para o aroma), temperos tradicionais, como salsinha e cebolinha (para o sabor), flores comestíveis, as plantas medicinais e as hortaliças Panc. De consumo próprio, o produto passou a ser comercializado e logo deu resposta com boas vendas.
Em Caxias do Sul, na Feira Ecológica
Além da alta gastronomia, os produtores destacam que o estudo do biólogo Valdely Ferreira Kinupp, que criou o termo Panc, e ações junto a entidades e universidades também ajudam a incrementar o consumo. Estudiosas das pesquisas de Kinupp, as produtoras Andréa Basso, 58, e Marli Ruchel, 58, comentam que com as pesquisas, existe um maior embasamento para a venda.
Ambas fazem parte da banca Floresta Essencial - da Feira Ecológica de Caxias.
Andréa mora no sítio Caminhos da Floresta, em Forqueta, com o marido Marco Gottinari. Desde 2007, o casal trabalha com o sistema agroflorestal. Nesse cenário, as Panc são o início dos canteiros, surgindo para proteger a terra.
— Mexemos num canteiro para plantar o alface e aparece as Panc junto. Hoje, elas fazem parte do banco de semente da terra. Ela nunca fica descoberta, então quando mexemos nessa terra, essas sementes germinam — explica Andréa.
Para Marli e Andréa as Panc podem ser alternativa para ajudar no combate à fome e à insegurança alimentar.
— Nossa intenção é que isso seja alimentação popular, que todo mundo possa ter essas plantas — pontua Marli.
Marli também tem uma propriedade que trabalha com o sistema agroflorestal. Em Nova Petrópolis, tem o cultivo de Panc como batata-cará, Ora-pro-nobis e bertalha. Desde 2011 participando da feira, a produtora conta que hoje leva para a feira mais hortaliças não convencionais.
— As pessoas antes não acreditavam e diziam: 'Ah, isso é mato'. E davam apenas de alimento para os porcos e vacas — lembra Marli.
Mercado em formação
As Panc ainda estão com um mercado em construção, como explica Ari Uriart, técnico da Emater.
— O valor que vai ser praticado depende do sucesso que vai ter determinada cultura ou também a raridade na sua oferta. Trabalhamos mais no sentido de despertar essas plantas, para que se amplie o leque de possibilidade de uma dieta familiar — comenta Uriart.
Os valores para venda ficam na mesma faixa das hortaliças tradicionais. Geralmente, vendidas em molhos, há Panc que podem ser encontradas por R$ 4, como a peixinho, a azedinha, a Ora-pro-nóbis e a língua de vaca. As Panc geralmente são cultivadas por produtores agroecológicos e orgânicos, que buscam a diversificação de culturas. A comercialização ocorre principalmente nas feiras ecológicas.
O que são as Panc
:: O termo foi criado em 2008 pelo biólogo Valdely Ferreira Kinupp. São plantas (que podem ser frutos, legumes, sementes, cereais ou raízes) que não costumam ser consumidas e produzidas em grande escala. São reconhecidas, em sua maioria, como espécies espontâneas, ou seja, que podem nascer sozinhas. Além disso, carregam bons níveis de vitaminas, minerais e nutrientes.
:: Nem todas as plantas que nascem sozinhas são comestíveis para humanos. Algumas podem ser medicinais ou servir de alimento para insetos e animais.
:: Além das plantas não convencionais, ainda há as partes alimentícias não convencionais. Ou seja, partes de frutos e verduras populares que também podem ser consumidas. Por exemplo, a folha da abóbora pode ser utilizada como uma hortaliça ou o talo da beterraba pode ser consumido.
Fonte: UFRGS