Diante de um mercado em expansão, o Rio Grande do Sul ganhou a 1ª Rota do Veículo Elétrico. Dos três primeiros pontos de abastecimento em funcionamento, dois ficam na Serra Gaúcha e um no Litoral Norte. A iniciativa, capitaneada por uma empresa de Caxias do Sul, deve ganhar mais fôlego nos próximos meses, com pelo menos outros 13 locais a serem incluídos no roteiro.
A concepção da rota surgiu a partir da mobilização liderada pela Magnani Luz e Energia, empresa com unidades em Caxias e Torres voltada para soluções em iluminação, energia solar, eficiência energética, automação, geração e conservação de energia. O diretor geral, Paulo Magnani, conta que a empresa vem acompanhando a evolução neste mercado e percebeu que os donos de veículos elétricos tinham dificuldade para abastecimento fora de pontos particulares.
— A gente quer criar uma malha, uma capilaridade para o proprietário de veículos se deslocar, fazer seu abastecimento para fazer seu caminho sem se preocupar com o abastecimento elétrico. É uma realidade, hoje ainda temos pouco abastecimento — reconhece.
Os postos já instalados ficam em Caxias do Sul, São Francisco de Paula e Torres. A ideia, além de expandir a quantidade em alguns desses municípios, é que outras entrem na rota. Os pontos ainda não estão definidos, mas incluem a própria Serra, o Litoral e a Região Metropolitana de Porto Alegre.
— Isso começa a fomentar um mercado de financiamento de veículos, de carregadores veiculares, de mão de obra para instalar, de venda de material elétrico para a infraestrutura de instalação. E movimenta a engenharia, pois tem de liberar na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Então, movimenta todo um mercado — avalia Magnani.
Surgem novos interessados
A Rota do Veículo Elétrico colocou os primeiros postos de abastecimento em funcionamento entre o fim de 2021 e o início de 2022. Com a divulgação da iniciativa, outros interessados surgiram. É o que conta a gerente de Negócios da Sicredi Pioneira, Camila Generoso Marcelino Rivoire. A cooperativa de crédito é uma das articuladoras que permitiu o andamento do projeto.
—A gente entrou como patrocinador e também fazendo essa ligação entre parceiros. Com a divulgação inicial, após a inauguração dos primeiros pontos, existia uma demanda também das empresas que fazem parte dessa nossa área de atuação. Eles, inclusive, nos procuraram e procuraram a Magnani se interessando em receber esse ponto — conta Camila.
Para a Sicredi Pioneira, a participação no roteiro é estratégica, já que a sustentabilidade é um aspecto relevante para a empresa. A cooperativa desenvolve ações de incentivo ao uso de energia solar desde 2016 e, neste período, financiou cinco mil projetos no setor em uma carteira de cerca de R$ 260 milhões em crédito. Diante disso, foi procurada pela Magnani para a iniciativa voltada a veículos elétricos:
— A gente está sempre muito atento às novas tendências ligadas à sustentabilidade e ao desenvolvimento econômico da nossa região. O mercado vem olhando para a questão que a gente chama de mobilidade elétrica com bastante potencial. Países europeus e da América do Norte vêm fazendo movimentos importantes nesse sentido. Ainda há um nível grande de incerteza em relação ao tamanho e velocidade que esse mercado vai ter nos próximos anos, mas a gente entende que, por toda a nossa relevância no mercado de energia solar e toda a relevância que a gente tem sob o aspecto do olhar de sustentabilidade, é importante a Sicredi Pioneira estar junto neste início — detalha o gerente de Negócios Estratégicos da cooperativa, Jonas Eduardo Rauch.
Boa procura para reabastecimento
A instalação dos pontos de abastecimento envolve a parceria com outras empresas. Em Caxias, está na Casa Fagundes, em Vila Cristina. Já em São Francisco de Paula fica no Café Tainhas. E, em Torres, no Restaurante Cantinho do Pescador. Os locais têm uma vaga de estacionamento demarcada, com a indicação de que ali está disponível o carregador de energia elétrica.– Bastante carros têm parado para abastecer. Eu até estou impressionada. Mais do que eu imaginava – conta Simone Fagundes, proprietária da Casa Fagundes.
Ela explica que o interesse por entrar nesta parceria envolve a percepção de que este mercado está em crescimento. Além disso, junto ao empreendimento, também há um posto de combustível. Portanto, a energia elétrica complementa esse segmento.
Existe ainda outra vantagem para quem entra no projeto. O carregamento com energia elétrica não é imediato como combustível. Portanto, é preciso ficar algum tempo parado. No caso de empreendimentos voltados à alimentação, isso significa que o cliente pode aproveitar para consumir.
Outro aspecto é que os veículos elétricos têm uma pegada sustentável. No Café Tainhas, a preocupação ambiental já existia, o que gerou a instalação de placas solares para a geração de energia. Além disso, a adesão ao projeto foi incentivada pela procura da clientela:
— Faz pouco tempo que isso está sendo difundido no Brasil, mas a gente já percebia que o nosso público estava chegando aqui com carros híbridos ou 100% elétrico — conta o gerente do Café Tainhas, Émerson Menegaz.
Inovação em caminhões
Se a Rota do Veículo Elétrico nasce a partir de empresários da Serra, não é apenas este movimento voltado a este segmento que está em andamento. A região tem desenvolvido inovação nesta área. Uma parceria da FNM com a Agrale vai possibilitar que até maio comecem a rodar os primeiros caminhões elétricos de 18 toneladas de uma frota de mil vendidos para a Ambev. Eles estão sendo produzidos na fábrica 2 da Agrale, em um pavilhão de 10 mil metros quadrados.Conforme o CEO da FNM, Ricardo Machado, a empresa acaba de fechar um contrato para fornecimento de 750 caminhões de 10 toneladas. Ele conta ainda que a FNM trabalha para lançar vans elétricas e confirma que existe uma pré-venda de 18 mil unidades desse novo modelo.
— O caminhão elétrico trabalha com uma operação que é 10% do custo de manutenção do caminhão a diesel. Então, você tem uma redução de custo muito grande. Segundo, você tem uma logística completamente limpa e muito mais barata a nível operacional. Então, você traz uma alteração muito grande na logística da empresa. Outra coisa muito boa é que os motoristas ficam apaixonados pelo caminhão, porque não faz um barulho, não faz calor, não faz nada. É muito diferenciado.
Outro aspecto, salienta Machado, é que as necessidades dos clientes são avaliadas individualmente para atender especificamente aquela necessidade:
— A gente não vende caminhão, a gente vende solução. A gente trabalha numa implementação de trazer para as empresas performance logística. Isso muda completamente o perfil da empresa que estava trabalhando com caminhão a diesel, com uma operação de fazer concorrência. O que a gente faz é um trabalho completamente diferente.
Mobilidade elétrica também nos ônibus
Ainda no segmento de veículos pesados, a Marcopolo trabalha para colocar em definitivo nas ruas o Attivi, ainda no quarto trimestre deste ano. O veículo está em um período experimental desde outubro de 2021 no ABC Paulista. A ideia é determinar as adaptações necessárias para o transporte urbano e intermunicipal. Conforme o diretor de Estratégia e Transformação Digital, João Paulo Ledur, o desempenho tem se mostrado dentro do esperado, principalmente em relação ao consumo e à eficiência energética, que comprovam um melhor custo operacional em relação aos motores movidos a diesel.
— O Attivi é um dos grandes lançamentos da companhia e uma aposta para a eletromodalidade. O veículo é o primeiro do segmento com chassi desenvolvido pela companhia, conta com tecnologia nacional e importada, e foi planejado para atender às diferentes possibilidades do setor de transportes, tanto para o mercado brasileiro como o internacional. A proposta é que esse veículo seja adaptado às necessidades do transporte urbano e intermunicipal – salienta Ledur.
De fato, a Marcopolo está ligada a este mercado. Participou do lançamento do primeiro Veículo Leve Sobre Pneus elétrico do país em São José dos Campos e forneceu o primeiro ônibus rodoviário totalmente elétrico em operação no RS. A frota de ônibus elétricos e híbridos com a carroceria da marca deve chegar a 770 neste ano. Hoje, são 370 operando.
— Acreditamos que há um ambiente favorável para o desenvolvimento nacional do transporte com propulsão elétrica. Mundialmente, os países têm avançado mais rapidamente nas ações de eletromobilidade, mas em território nacional, o mercado já avalia e se movimenta para a criação de uma agenda mais sustentável. Vemos que a eletrificação veicular está no radar do mercado brasileiro — avalia o diretor da Marcopolo.
Formação de mão de obra
A Serra também está desenvolvendo mão de obra para este mercado de veículos elétricos. Um exemplo é a Universidade de Caxias do Sul (UCS). Na década passada, um projeto de conclusão de curso de um aluno resultou na criação do primeiro kart elétrico da instituição. Depois, em uma parceria com a Ulbra, a UCS esteve envolvida na transformação de um kart a combustão em um elétrico. A iniciativa mais recente, ainda em andamento, é o desenvolvimento de um kart elétrico que possa ser abastecido em painéis fotovoltaicos, em parceria com empresa Effal Engenharia Elétrica, que é especializada em energias renováveis e formada por ex-alunos da Engenharia Elétrica da UCS.
— Com essa pesquisa, dentre outras coisas, está se buscando que desenvolva até autonomia ou uma forma de carregamento desses veículos elétricos. Se for ver, na realidade dos mesmos, eles têm vantagens, mas têm alguns desafios tecnológicos. Um deles é a questão da carga. É recarregar a bateria. A gente pode, para entender melhor, evocar um problema cotidiano de aparelhos eletrônicos portáteis, principalmente celulares. A gente sabe que o celular se vale da bateria para funcionar e, quando recarrega, isso toma um tempo. Então, para o veículo elétrico, há esse problema também — explica o professor Alexandre Mesquita.
Com isso, a universidade também ajuda a formar mão de obra qualificada para este mercado.
— A gente já está se mexendo para preparar uma mão de obra qualificada para trabalhar com veículos elétricos. Então, se uma empresa da região quiser construir um veículo elétrico, com conhecimento que se tem hoje, por iniciativas como a da UCS, de outras instituições e empresas, a gente já tem condições em um protótipo de um veículo elétrico para que ele consiga se deslocar e tal. Ele não vai ainda chegar em um nível de veículos da Tesla, para pegar talvez o grande nome a nível mundial na produção de veículos elétricos. Mas vai ter o know-how para saber entender e mexer, desenvolver coisas na questão dessa problemática.