Jovens, refrescantes, aromáticos. Esta descrição se aplica aos vinhos elaborados para consumo rápido ou, como se costuma dizer entre os mais iniciados, para os que não têm potencial de guarda. Muitos destes produtos são inovadores, ousados, despretensiosos, feitos para quem quer desfrutar o momento. Ao mesmo tempo que "abocanham" uma fatia de mercado cada vez maior são reflexo também de quem os cria. Enólogos, sommeliers e profissionais que comandam projetos importantes e eventos da área vitivinícola revelam um protagonismo jovem da principal região produtora de vinhos do país, a Serra Gaúcha.
Quando comparamos com outras partes do país, esta percepção se torna mais evidente, como no caso da direção da Associação Brasileira de Sommeliers _ regional do Rio Grande do Sul (ABS-RS). O florense Júlio César Kunz tem 38 anos. Ele é o presidente mais jovem da entidade. A associação é relativamente nova também, foi criada em 2015. Ainda mais na comparação com a ABS de São Paulo, originada em 1989. O presidente da associação paulista é José Luiz Alvim Borges que atua na área desde a década de 1980.
Assim como Kunz, a diretoria da ABS gaúcha tem um quadro mais jovem do que a de São Paulo, com muito mais mulheres, inclusive, e que condiz com o perfil de alunos e associados:
— Um dos segredos do sucesso da ABS-RS, que acaba atraindo gente do Brasil inteiro, é justamente uma questão geracional, porque hoje a geração Y é a que tem mais aumento de consumo. E a Z já está vindo por aí. Nós temos X, Y e Z no nosso quadro, o que nos permite conversar mais facilmente com essas pessoas que hoje são as que mais estão bebendo vinho. Também temos um espaço para inovações que há 10,15 anos não era aceito justamente em função dessa mudança geracional. Foi isso que abriu espaço para o vinho brasileiro crescer também — destaca o presidente da ABS-RS.
O presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), André Gasperin, de 42 anos, destaca que há uma nova geração de enólogos que vem surgindo com ideias inovadoras não só no Rio Grande do Sul, mas no Brasil todo.
— É muito importante para que se busque algo novo, mas sem desmerecer o trabalho dos mais antigos, que têm um papel fundamental de compartilhar experiências com esses profissionais mais jovens— destaca Gasperin.
O presidente da ABE também começou muito cedo a atuar no setor. Desde os 10 anos já trabalhava com uva e vinho. A Serra, sendo o berço da produção vitivinícola nacional, também explica como é tão comum ter jovens atuando na área, dando continuidade às tradições familiares, mas há também muitos profissionais que não tinham ligações em casa e que optaram por seguir carreira neste universo embriagante.
A diversidade da enologia
Dos 26 anos da enóloga Leticia Fensterseifer, seis deles foram de safras. Ao longo de toda a formação no IFRS de Bento, sempre procurou participar de colheitas, estágios e grupos de iniciação científica para aproveitar ao máximo a formação no meio do maior polo produtor de uvas do Brasil.
— O que mais me chamou a atenção na enologia é ser uma área com muita diversidade, com uma rotina dividida entre tarefas mais operacionais, na cantina, com as situações mais burocráticas, envolvendo a parte administrativa — aponta.
Ou seja, não tem só glamour no mundo dos vinhos, mas tem bastante trabalho. Pouco antes de receber a reportagem, Leticia pediu para trocar de calça, pois já tinha lavado um tanque e estava auxiliando no desembarque de um caminhão de uvas que acabara de chegar.
A primeira safra de Leticia foi ainda em 2016 na Aurora. A faculdade tinha tido uma greve e, mesmo em período de recuperação de aula, conseguiu conciliar com o trabalho por morar perto da vinícola. A segunda colheita foi um estágio no laboratório da Chandon em Garibaldi. Depois de se formar, em 2018, teve experiência na unidade do Seival da Miolo, na região da campanha. Conhecendo o trabalho em laboratórios e cantina, foi atuar também no varejo na Lidio Carraro e na gestão da qualidade do Grupo Miolo.
Hoje voltou a atuar na parte técnica na Empresa Brasileira Vinificadora (EBV). A vinícola urbana, sediada no bairro Cidade Nova em Caxias, é comandada pelo enólogo uruguaio Alejandro Cardoso. A proposta da EBV é terceirizar a produção de empresas que estão começando ou marcas que buscam inovar. Nesse cenário, acaba trabalhando com um público jovem com desejo de imprimir sua marca.
— É bastante divertido. Sempre procurei trabalhar com pessoas que admiro para aliar a experiência prática com a teoria que tive. A enologia e uma ciência muito antiga. E aqui unimos o melhor dos mundos: esta tradição com pesquisa e inovação.
Inovação no porão de casa
Morgana Peruffo Forti, 31 anos, trabalhou por cinco anos no Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) na promoção dos produtos brasileiros. Desde então, sempre esteve envolvida com projetos inovadores que elevaram o produto nacional a outro patamar, tornando o mais acessível e descomplicado para se tornar mais conhecido, inclusive entre os jovens. Morgana ajudou a coordenar projetos que levaram o vinho para desfiles de moda e sambódromos. Depois desta experiência, resolveu empreender. Foi no Amora, restaurante que fundou em Bento Gonçalves com a proposta de releitura de pratos mais saudáveis, que ela se aproximou de expoentes de um mercado que vem ganhando força, os vinhos de baixa intervenção, que também vêm sendo chamados de artesanais ou naturais. Uma proposta que lembra movimento semelhante, feito no ramo de cervejas, em que muitas marcas artesanais foram criadas, empreendidas especialmente por jovens.
— Eu já acompanhava o tema, mas até então não pensava em vinificar. Foi bacana conhecer de perto as pessoas que tomavam esta iniciativa. Mas foi quando fiz o curso de sommelier, e conheci duas colegas de São Paulo que estavam vinificando, que decidir fazer os meus próprios vinhos. Elas levavam a uva refrigerada até lá. Foi então que pensei: se elas vinificam lá, por que eu não vinifico aqui?
Após participar de cursos para elaboração de vinhos na Embrapa, Morgana convidou o pai para ser o seu sócio na nova empreitada após fechar o restaurante. Nilto trabalhou no cultivo de videiras em Monte Belo do Sul até os 30 anos. Aos 70, se reaproximou de suas origens para fabricar no porão de casa os vinhos idealizados pela filha. Em 2020, elaboraram os primeiros exemplares, com uvas Isabel, Merlot e Malvasia. Na safra passada, veio o primeiro Pinot Noir, um varietal clássicos no mundo dos vinhos, e também alguns cortes diferentes, como o de Chardonnay, Trebbiano e Merlot.
Os vinhos de Morgana e Nilto ainda não têm marca. A intenção é estruturar um plano de marketing para colocá-los à venda neste ano. A idealizadora do projeto tenta se segurar para não elaborar mais vinhos nesta safra a fim de ter tempo de se dedicar a estruturar a estratégia de mercado para as duas safras estocadas. Mas confessa que se empolga toda vez que sente o aroma de uva na época de colheita e até de outras frutas. Inclusive está projetando vinificar sidras de pêra neste ano.
Morgana também trabalha no portal EducaVinhos, criado para auxiliar profissionais a vender e criar negócios relacionados ao vinho. A plataforma foi criada por Diego Bertolini, que também assumiu grandes responsabilidades muito cedo na sua trajetória profissional. Hoje já acumula mais de duas décadas de experiência e vem auxiliando profissionais que estão começando.
No comando da maior feira de vinhos do país
Com 35 anos, Jussara Konrad é a gestora da Wine South America, maior e principal feira de profissional de vinhos do Brasil e da América Latina. Ela é executiva do grupo italiano VeronaFiere, que organiza a Vinitaly em Verona, na Itália, uma das principais feiras do setor no mundo. Ela assumiu toda esta responsabilidade em 2017 com 30 anos.
Aos 21 anos, ela já tinha se mudado de Três de Maio para Bento Gonçalves para estudar e trabalhar. Jornalista, cobriu, em 2012, a extinta Expovinis, que era a principal feira do setor no país até seu encerramento em 2018. Foi então que começou a ter experiência na área. Depois passou a organizar eventos em Bento Gonçalves.
— Eu sabia fazia fazer feira, era apaixonada pelo mundo dos vinhos, tinha o olhar de encantamento de quem é de fora de Bento para o enoturismo, mas não tinha conhecimento técnico. Foi então que decidi fazer o curso de sommelier da ABR-RS dentro das vinícolas — conta Jussara.
O desafio mais recente é na direção da Fenavinho e da ExpoBento desde 2020 e, neste ano, vai coordenar também a escolha da corte da festa.