Propriedades rurais com sistemas de irrigação em Caxias do Sul têm conseguido manter um nível de produção de uva dentro do esperado, apesar da estiagem. Os investimentos feitos em anos anteriores garantem o resultado até agora. Porém, se a escassez de chuva permanecer por mais duas semanas, a previsão dos agricultores é de que os reservatórios sequem e, com isso, até mesmo essas áreas irrigadas estarão em risco.
Em São Gotardo de Vila Seca, o agricultor Mario Biondo tem dois açudes que são usadas para garantir água para a plantação de cinco hectares de uva mesmo em períodos de estiagem. Um desses reservatórios foi aberto no ano passado, diante da previsão de chuva insuficiente. No entanto, apesar desse reforço, ele diz que estão começando a racionar o uso da água. É que, explica Biondo, se não chover sua propriedade tem reserva para mais 15 dias apenas. A colheita da variedade Bordô deve começar dentro desse período, mas a da Niágara ainda demorará cerca de um mês.
— A gente está racionando para tentar levar até a hora da colheita. Por enquanto, a produção está boa onde foi botado água — conta.
O investimento em sistemas de irrigação na propriedade começou há cerca de 20 anos, primeiro para uvas de mesa. Essas variedades hoje não são mais produzidas, mas ainda assim o procedimento foi estendido para as demais a partir de 2016:
— Não tinha mais como produzir sem, porque a situação vinha se arrastando de uma forma muito precária. Se via que não tinha o que fazer: ou investe ou perde. Ano passado, a seca foi bastante, mas esse ano foi muito terror.
Estufa e sistema de irrigação na 3ª Légua
Já a família Comerlato tem cerca de cinco hectares de uva coberta por estufa com sistema de irrigação e outros quatro na forma tradicional na localidade da 3ª Légua. O agricultor Gilmar Comerlato, que trabalha com a esposa e três filhos, conta que há uma diferença considerável em relação ao desenvolvimento de cada uma: visualmente, é possível perceber que os cachos das irrigadas estão com grãos mais redondos, enquanto o restante tem um aspecto murcho. Porém, a família também teme o prolongamento da estiagem.
— Esse ano precisaria (de irrigação) também (nas parreiras que ficam expostas) no tempo. Mas não tem como, porque a parreira é muito espalhada — comenta, ao explicar que os custos para a instalação do sistema têm aumentado.
Comerlato diz que tem reserva de água para mais 10 dias para o sistema de irrigação, enquanto a uva instalada nesta área só começará a ser colhida próximo a 10 de fevereiro.
— Temos um açude. A água está terminando. Sem chuva, vamos perder tudo — lamenta.
Investimento é necessário, mas o custo é alto
Os custos para a instalação de irrigação nas propriedades rurais vem aumentando nos últimos anos, conforme o relatos dos agricultores e especialistas. Ao mesmo tempo, tem se tornado cada vez mais necessário.
Só no Escritório Regional da Emater/Ascar em Caxias do Sul, foram cerca de 200 projetos feitos nas últimas três safras. De acordo com o engenheiro agrônomo Enio Todeschini, o custo fica entre R$ 15 e R$ 20 mil por hectare. Ele destaca que, no passado, essa técnica era mais usada para uvas finas e protegidas, mas com as estiagens acabou se estendendo a outras variedades.
— Nos últimos anos, são três estiagens seguidas na primavera/verão. Então, ela vem sendo adotada largamente. Já triplicou a área irrigada nessas últimas três safras em função das estiagens, para amenizar e reduzir as perdas por esse fator climático. Tem valido bastante esse investimento e, com certeza, depois dessa safra aqui, mais produtores vão instalar esse sistema de irrigação localizada — aposta Todeschini.
Neste ano, a expectativa era de uma safra da uva excelente. No entanto, a estiagem vem prejudicando a confirmação dessa projeção. No entanto, o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Henrique Pessoa dos Santos, doutor em Fisiologia da Produção, diz que a boa irrigação garantiria uma safra de excelência:
— Se nós considerarmos isso (o clima nas demais estações) dentro da viticultura de processamento, é benéfico, porque nós temos um clima seco, que não tem podridão, não tem fungos que atacam as folhas. Então, a questão do manejo fitossanitário é favorecido. Não só isso. Nós temos bastante horas de sol, que é interessante no aspecto de maturação da uva, atingir uma uniformidade e, claro, atingir uma máxima qualidade. Então, se nós temos a chance de fornecer água, suprir essa escassez, nós temos um sucesso de qualidade de safra. Por isso, se as áreas estão sendo afetadas, então, tem que se preocupar nesse sentido, porque essa é uma condição importante para nós dispormos de qualidade máxima da uva.
Como a região tem muitas propriedades de pequeno porte que podem não ter capacidade para reservar água, uma orientação é fazer parcerias com vizinhos.
O que fazer agora
A irrigação é uma alternativa para as próximas safras, quando as condições climáticas podem voltar a prejudicar a fruticultura. Pessoa dos Santos destaca que o produtor deve avaliar individualmente se o investimento é o melhor. Ele pontua, por exemplo, que existem regiões de solo mais profundo que, mesmo neste ano, ainda não sofrem tanto com a escassez de chuva.
Para aquelas propriedades altamente afetadas, em que as folhas caíram ou estão muito amareladas, o especialista sugere uma poda drástica e o molhamento das plantações com uma solução de 50 gramas de ureia para cada litro de água. Segundo ele, devem ser aplicados ao menos 20 litros por sete dias seguidos.
O doutor em Fisiologia da Produção explica que isso irá induzir a produção de ramos novos e o desenvolvimento de gemas férteis para o ano que vem. Para as variedades de ciclo intermediário ou tardio, que ainda não estejam tão afetadas, ele recomenda reduzir a carga de frutas regar as plantas só com água.
Saiba mais
Os dois principais tipos de irrigação para as videias são o gotejamento e bailarina (ou também conhecida como chuveirinho). A primeira é a que tem sido mais usada porque há menor dispersão de água.