As imagens de cachos de uva murchos em parreirais, resultado da estiagem que castiga a região, causaram espanto, tristeza e preocupação com o futuro da safra deste ano. Perdas serão inevitáveis, mas ainda é cedo afirmar quanto será o impacto, da mesma forma que não é possível projetar efeitos na qualidade da fruta. A opinião é de especialistas ligados ao setor. Se o clima ajudar, ainda é possível recuperar parte do prejuízo registrado até agora.
Conforme o pesquisador na área de Fisiologia de Produção da Embrapa Uva e Vinho de Bento Gonçalves, Henrique Pessoa dos Santos, a colheita deste ano depende ainda do comportamento do tempo em janeiro e a perspectiva é boa. Enquanto a estação meteorológica da Embrapa registrou 38 milímetros de chuva em novembro e, 31 milímetros em dezembro, nos primeiros dias do ano já teve 18.6 milímetros.
— Janeiro deve atingir entre 80% e 90% da chuva normal para o período. Em fevereiro tem chance de estiagem leve — diz Santos.
O fato de ser o segundo ano consecutivo de La Niña, que traz um clima mais seco para a região, é uma situação rara. No entanto, o pesquisador lembra que em anos anteriores o mesmo fenômeno já ocorreu e mesmo assim a safra foi excelente. Santos acrescenta que nem todas as propriedades têm sido afetadas pela estiagem. Em alguns casos há outro fator que pode vir a prejudicar a produção de uva: a falta de solo. Ou seja, há locais com pouca profundidade. E onde há profundidade de solo, as plantas ainda são muito novas.
— Os produtores devem avaliar se a mancha é grande, se tem como adotar irrigação. A agricultura, em sim, é uma atividade de risco. Mas existem tecnologias de irrigação. Se há anos como esse, precisam ver se vale investir — recomenda.
Risco de mortandade
Assim como o pesquisador da Embrapa, o diretor executivo da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho), Helio Marchioro, fala em bolsões de seca na Serra, o que não afeta de forma generalizada a produção da região. No entanto, segundo ele, há risco de mortandade das videiras nesses locais mais afetados.
— Em algumas propriedades foi impactante e tem problema de solo. Estão perdendo a planta — revela.
A morte do parreiral preocupa porque irá refletir nas próximas safras. Conforme Júlio César Kunz, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-RS), uma videira pode levar de dois a três anos para ter sua primeira safra. Uvas para produção de vinho levam ainda mais tempo — por isso bebidas de videiras antigas são tão valorizados.
— São 10 anos entre plantar e ter o primeiro vinho no auge da qualidade. Por isso, o risco agora é de prejudicar a safra seguinte e a preocupação de quanto os produtores estão preparados — destaca Kunz.
Boas uvas chegando nas vinícolas
As primeiras uvas da safra 2022 começaram a chegar nas vinícolas nos últimos dias. Durante a semana, o presidente da Comissão Interestadual da Uva, Cedenir Postal, disse em entrevista à Gaúcha Serra que ainda não se tinha informação sobre a graduação da uva, ou seja, a quantidade de açúcar da fruta, mas conforme o diretor executivo da Fecovinho, Helio Marchioro, a qualidade é boa dessa variedades que estão sendo distribuídas atualmente.
Oscar Ló, presidente da Cooperativa Vinícola Garibaldi, confirma a boa qualidade das primeiras uvas recebidas pela empresa. Foram 100 mil quilos nesta semana, entre Bordô, Violeta e Concord (para suco) e Chardonnay (vinho). A remessa é oriunda dos associados de 18 municípios da região. Conforme ele, alguns produtores tiveram perdas, mas não foi em toda a propriedade. É cedo para falar de impactos, mas Ló acredita que a seca não irá comprometer a safra de forma generalizada.
— No ano passado, recebemos 30 milhões de quilos, uma safra grande. Para esse ano, já se esperava redução, de 27 a 28 milhões de quilos. Poderá reduzir mais, mas ainda assim será boa — acredita.
Orientações aos produtores
As uvas que murcharam nos parreirais não poderão ser aproveitadas. A orientação da Embrapa é que nas videiras afetadas se reduza ao máximo o tamanho da copa. O pesquisador Henrique Pessoa dos Santos recomenda retirar folhas e ramos para manter mais água para a planta.
Ele também indica para safras futuras um investimento em reservatórios para armazenar águas da chuva:
— Ano seco é ano sem fungos, sem podridão. É melhor a estiagem com reservatório de água do que chuva em excesso.
Emater diz que há redução de oferta de alguns produtos no Ceasa
Entidades ligadas à agricultura não descartam que a estiagem do verão tenha impactos em culturas com colheitas no outono e no inverno, como é o caso, por exemplo, da laranja, da bergamota e do caqui.
— A falta de água pode fazer com que a fruta não cresça ou até mesmo caia antes de se formar. A planta tem que estar vigorosa para manter o fruto. Não é como uma alface que plantamos e em um mês colhemos. Precisam (frutas como a laranja e a bergamota) da água em um período longo — comenta a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias do Sul, Bernadete Boniatti Onsi.
— É um pouco difícil estimar (perdas) neste momento, mas alguma coisa vai ter, sim. As culturas estão no início ainda. No caso do caqui, por exemplo, o fruto ainda está em formação, não sabemos o quanto ele vai conseguir se desenvolver — completa a gerente regional da Emater, Sandra Dalmina.
Mas se ainda é difícil prever um cenário em longo prazo, frente as incertezas do clima, as consequências imediatas da seca já estão sendo sentidas para além dos parreirais de uva. A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias avalia que há perda na fruticultura de maneira geral:
— A gente vê a estiagem com muita preocupação e com muita lástima. A falta de chuva tem causado muitos prejuízos, de maneira geral, na fruticultura toda. O pêssego tem perda significativa, a ameixa também. E as verduras, que até têm irrigação, mas com o baixo nível dos açudes, os agricultores não conseguem irrigar — explica.
A gerente regional da Emater, Sandra Dalmina, detalha que regionalmente a cultura mais atingida é o milho — o qual também é afetado em Caxias —, e aponta consequências na produção de frutas e hortaliças:
— O pêssego teve perda na quantidade e no preço. A fruta depreciou muito. Já tem perda na maçã, que deverá se intensificar mais, na ameixa. No caso das olerícolas (hortaliças), tem alguma redução no plantio. Se colocar, por exemplo, mudas de beterraba em um solo que já está seco e com essa radiação solar, o agricultor não vai ter sucesso, a muda queima e morre. Neste caso, já sentimos redução de oferta de alguns produtos no Ceasa.
Entidades sugerem soluções futuras
Se a chuva é um fenômeno natural e a sua ocorrência independe da vontade humana, quais soluções podem ser pensadas para amenizar os impactos de futuras estiagens? Para a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias do Sul, Bernadete Boniatti Onsi, e a gerente regional da Emater, Sandra Dalmina, a resposta está na ampliação de reservatórios e na disseminação de informações adequadas para os agricultores.
— Todo ano ficamos a mercê dos fenômenos. Poderiam se fazer mais opções de armazenamento em cisternas e açudes — aponta Bernardete.
— A melhor forma de darmos autonomia para os agricultores é dando informação. Por isso, queremos promover seminários sobre sustentabilidade hídrica, para que não chegue todo ano e a gente fique fazendo levantamento para o decreto de situação de emergência. Infelizmente, ainda não sabemos guardar a água para termos à disposição o ano todo — acrescenta Sandra.