— Tem cliente que não quer mais comer carne. O pessoal fica receoso, mas acredito que com o tempo isso vai passar.
Essa é a percepção de José Caregnatto, empresário da Esquina do Lanche e há 27 anos atuando no ramo de hambúrgueres em Caxias do Sul. A Operação Hipo, deflagrada pelo Ministério Público (MP), irá completar um mês no próximo dia 18 e mexeu com um dos setores mais famosos do município.
O Pioneiro visitou algumas lancherias na última quarta-feira (8) e viu cenários distintos, que vão do salão cheio ao local quase vazio, caracterizando bem esse período ainda de incerteza e retomada gradual da confiança por parte do público. Essa instabilidade é ligada diretamente à famosa lista de locais envolvidos no esquema que misturava carne de cavalo à bovina na fabricação dos hambúrgueres, mas ainda não divulgada pelo MP. Até por isso, sobram críticas à condução da investigação.
— Acredito que exista essa quadrilha, está comprovado. Mas a forma me parece errada. Para nós, que sempre trabalhamos com padrão e tradição, é muito ruim. Isso afetou geral. Se tivessem feito a investigação toda e fechado os tais lugares, teria sido melhor. Se sai logo essa lista, quem não está envolvido poderia estar com a casa cheia — opina Leandro Moreira, proprietário da Hamburgueria Moreira.
A cada semana que passa, cria-se a expectativa que esses nomes sejam conhecidos e, assim, o setor seja aliviado de um estresse gigantesco. A demora pode ter fim na próxima semana, quando o promotor Alcindo Bastos regressa do período de férias e se imagina que vá ocorrer a divulgação dos nomes dos estabelecimentos investigados. Na visão das pessoas ouvidas pelo Pioneiro, isso seria o suficiente para terminar com as desconfianças para que o movimento seja normalizado.
— Se eles pegassem o abatedouro e todos os suspeitos, lacrassem freezer e levassem para ser periciado, seria mais fácil – considera Maicon Kronbauer, proprietário do Kachurrasco, que finaliza:
— Não deixa que o público acredite que todo mundo está na mesma embalagem. No fim, quem trabalha certo pagou o mesmo preço do errado.
Disparada dos outros lanches
Assim que a Operação Hipo ganhou visibilidade, as redes sociais explodiram em compartilhamentos e até piadas sobre o tema. Ao mesmo tempo, as casas de lanche se viram assustadas com a queda drástica no movimento.
— No primeiro dia a gente se apavorou, porque não tinha nenhuma pessoa aqui dentro. A primeira semana foi muito devagar, a segunda também. Agora que está começando a retomar o movimento, mas nessa última semana houve uma melhora e tivemos que pegar mais funcionários — conta Renata Maciel, que administra a lancheria Maciel Burguer, no bairro Fátima.
Por outro lado, conforme o público foi retomando, os lanches que não envolvem carne processada começaram a disparar nas vendas. O tradicional xis da casa foi substituído pelo frango, coração, lombo e cortes mais finos de carne bovina.
— Na arrancada saía mais cachorro quente, torradas — relata Leandro Moreira, que completa:
— Uma coisa que disparou a nossa venda foi o de filé mignon, já que as pessoas parecem confiar mais do que na carne processada. Essa carne tu vê, diferente de uma carne moída já assada.
A Hamburgueria Moreira vê um contraste muito grande no movimento de clientes. Na quarta-feira, o salão estava quase vazio, mas, segundo Leandro, na véspera estava lotado. No BaitaKão, o movimento está próximo da normalidade, quando passam cerca de 200 clientes por noite. No Kachurrasco, do bairro Kayser, os proprietários relataram que apenas nos primeiros quatro dias foi sentida uma queda no movimento. Na retomada, o xis frango foi o mais pedido. Essas nuances entre cada estabelecimento fazem José Caregnatto, da Esquina do Lanche, crer que os mais prejudicados serão os locais envolvidos no esquema:
— Prejudica o pessoal que caiu naquela lista, mesmo não sabendo de nada. Só que a lista não vai influenciar. Cada casa tem seus clientes e vai da confiabilidade dos clientes. Eles vão saber se podem ou não frequentar o ambiente.
Preço baixo já era um indício
O valor dos lanches também foi pauta nas entrevistas com os empresários. A maioria citou ainda que os preços dos produtos já eram um indício forte de que o esquema era praticado há bastante tempo. Principalmente quando o preço da carne bovina aumentava nos mercados, que também impactou o setor de lanches em Caxias.
— O próprio povo não desconfiava, simplesmente comprava. Tem uma série de coisas erradas, demorou para pegarem esses caras. Durante a pandemia, a gente notava no Facebook o pessoal vendendo xis pela metade do valor que eu vendo – avalia Moreira.
No Kachurrasco, a equipe de trabalho sugeria uma promoção no xis da casa, justamente porque viam a concorrência praticando valores mais baixos. No entanto, o casal que administra sempre via impossibilidade, justamente pelos constantes aumentos da carne bovina.
— Em dois anos e meio que a gente está aqui, agora o pessoal nos disse que entendeu o porquê de não ter xis da casa na promoção, que a gente só trabalhava valor reduzido com o frango. A carne branca eu consigo um preço menor e isso a gente repassa ao cliente — diz Greice Fortuna.